É difícil para pediatras, enfermeiros e outros profissionais de saúde – que não contam com o apoio de uma equipe integrada por especialistas em saúde mental – atender crianças com transtornos de ansiedade. Mais difícil ainda é avaliar a diferença entre a criança com alguns sintomas de ansiedade e uma outra com o transtorno já estabelecido.
As condutas serão diferenciadas nestes dois casos. Enquanto todos os profissionais de saúde podem dar suporte para as crianças com sintomas de ansiedade, quando os transtornos se estabelecem, os profissionais com formação em saúde mental têm posição privilegiada para orientar a atenção. Daremos a seguir uma visão geral sobre os tratamentos mais comumente realizados nacional e internacionalmente para os transtornos ansiosos.
O atendimento à criança e sua família se complica quando os sintomas ansiosos estão associados à vivência de violências, como ocorre especialmente entre crianças com TEPT. Muitos profissionais generalistas pensam que não é tarefa deles atender essas crianças com problemas “específicos dos profissionais de saúde mental”, ainda mais se acompanhado de história de violência, este sim, um problema dos “cientistas sociais”.
Estudo com pediatras de Unidade de Atenção Básica em São Paulo ilustra o distanciamento mostrado pelos profissionais de saúde em geral ao lidar com crianças com transtornos mentais. Pediatras fizeram hipóteses diagnósticas de saúde mental em apenas uma entre cada quatro crianças aferidas com problemas de comportamento pela escala CBCL (Lauridsen-Ribeiro; Tanaka, 2005).
A falta de profissionais e serviços de saúde mental é realmente um aspecto grave na atenção à saúde das crianças no Brasil. Levantamento tomando por base o número de psiquiatras da infância e adolescência habilitados pela Associação Brasileira de Psiquiatria indica haver um psiquiatra especializado para cada 35 mil adolescentes brasileiros. Nos Estados Unidos, onde a relação jovem/psiquiatra é considerada pequena, existe uma relação de um psiquiatra infantil para cada 15 mil adolescentes (Pinzon, 2004).
Em função de tantos obstáculos, pensar o atendimento para crianças com transtornos de ansiedade requer um esforço coletivo a ser realizado durante a graduação nas universidades que formam os profissionais de saúde, nos serviços de saúde em seus mais variados níveis de atenção e nos gestores em saúde.
Um passo importante e fundamental para diminuir a exposição das crianças aos eventos traumáticos e a muitos sintomas de ansiedade é direcionar a atenção para a prevenção da violência familiar, escolar e comunitária, dos acidentes de trânsito e de outros acidentes e violências que acometem crianças e suas famílias.
Ações de prevenção aos transtornos mentais e à violência precisam ser implementadas em larga escala na sociedade, alcançando escolas e postos de saúde. A atuação do Programa de Saúde da Família mostra potencial de ação crescente, à medida que suas equipes possam se preparar e atuar diante destes problemas.
Tanto na prevenção quanto no atendimento de crianças com problemas de saúde mental e com histórias de violência, é essencial acolher e escutar cuidadosamente a criança e sua família durante a consulta, bem como realizar mais encontros até que os sintomas de ansiedade diminuam.
Ouvir, dar atenção às queixas da criança e negociar com a família formas para reduzir a ansiedade da criança e do ambiente em que vive são ações muito valiosas quando realizadas pelos profissionais de saúde. Mas, essas ações só são possíveis mediante uma atuação profissional respeitosa, ética e permeada pelo diálogo.
Sentimentos de medo e ansiedade não dependem só de orientação técnica ou de medicação. A confiança da criança e de sua família no profissional de saúde e o aprendizado do relaxamento da ansiedade estão profundamente influenciados pela relação estabelecida entre o profissional de saúde e seu paciente.
Ajudar os pais a lidarem com seus filhos significa, muitas vezes, conversar sobre os sentimentos de culpa e impotência que alguns pais têm frente aos sintomas de ansiedade de seus filhos. Nas crianças com sintomas leves de ansiedade, atitudes como estas podem aliviar o quadro clínico e propiciar a criança um desenvolvimento emocional e comportamental mais equilibrado.
Apreender nuances presentes nas falas das crianças e de seus pais também é relevante para se conduzir melhor o atendimento. Uma mesma adversidade ou mesmo a descrição dos sintomas pode variar radicalmente se contada por duas pessoas que vivenciaram uma mesma situação: mãe e filho, irmãos, pai ou mãe, por vezes têm diferentes descrições.
Não se trata de apurar a “verdade dos fatos” e sim perceber que cada pessoa narra os fatos contando seus próprios significados específicos vivenciados. Mesmo uma criança tem seu sistema de significados, que está sempre se transformando, dependendo do grau de maturidade e da experiência de vida que adquire.
Apenas quando bem informado sobre como a criança e sua família significam os problemas vividos é que o profissional de saúde consegue dialogar sobre fatos ocorridos e negociar possibilidades de superação. Reconhecer quando os transtornos de ansiedade estão se instalando na vida de uma criança, comprometendo suas atividades cotidianas é passo essencial no atendimento.
Mesmo quando é possível encaminhar a criança para um especialista em saúde mental, o profissional de saúde generalista precisa saber reconhecer os sintomas e o prejuízo que causam ao cotidiano da criança, para melhor entenderem e acompanharem seus pacientes. Infelizmente, muitas vezes os profissionais não contam com apoio de especialistas em saúde mental nem para discutir os casos.
Nestes momentos, procurar se informar sobre o assunto lendo a respeito é um passo fundamental para melhorar a habilidade de atendimento e acompanhamento dos pacientes. Apresentaremos a seguir várias estratégias utilizadas para atendimento de crianças com transtornos de ansiedade, especialmente de TEPT.
Muitas delas demandam a presença do profissional de saúde mental. Discutir o potencial de atendimento de cada serviço é importante, bem como reivindicar das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde treinamento sobre o assunto.
Procurar serviços na rede de atendimento que possam receber crianças com transtorno de ansiedade também é fundamental, mesmo que o atendimento demore algum tempo para acontecer. Os Centros de Atenção Psicossocial que atendem crianças – CAPSi, à medida que se estruturarem melhor e se multiplicarem, são exemplos de serviço que poderiam, futuramente, acolher crianças com estes transtornos em todo o país.
No meio tempo entre a consulta na atenção básica e o atendimento em saúde mental, o acompanhamento da criança não deve ser interrompido. São várias as possibilidades de insucesso no atendimento numa conjuntura social como a brasileira, que o cuidado do clínico se mantém importante durante todo o processo de atendimento à criança.
A necessidade de continuidade do acompanhamento clínico paralelo ao atendimento de saúde mental é mais uma razão para que os profissionais de saúde se instrumentalizem e se mobilizem sobre como apoiar as crianças e suas famílias.
Afinal, toda a bibliografia nacional e internacional mostra que alguns transtornos de ansiedade podem acompanhar a criança até o final de sua vida. Não há, portanto, trabalho mais produtivo e gratificante para a sociedade do que investir na melhoria da qualidade de vida de uma criança.
REFERÊNCIAS:
Assis, Simone Gonçalves de Ansiedade em crianças: um olhar sobre transtornos de ansiedade e violências na infância / Simone Gonçalves de Assis; Liana Furtado Ximenes; Joviana Quintes Avanci; Renata Pires Pesce. — Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ENSP/CLAVES/CNPq, 2007. 88p. (Série Violência e Saúde Mental Infanto-Juvenil)
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