Skinner: Comportamento verbal

Definir o comportamento verbal não é tarefa fácil ou inequívoca (e.g., Leigland, 2007; Palmer, 2008; Salzinger, 2008). Skinner iniciou seus estudos sobre o tema na década de 1930, logo após um encontro com o filósofo Alfred North Whitehead, que, na ocasião, o desafiou a explicar a linguagem pelos parâmetros behavioristas radicais (Skinner, 1957, 1979, 1980/1998). De acordo com o filósofo, a linguagem seria um fenômeno tão complexo que a ciência do comportamento humano seria incapaz de explicar a sua ocorrência e, portanto, de poder prevê‑la e controlá‑la.

O desafio – que foi aceito por Skinner – resultou no livro Verbal behavior, publicado em 1957, e que, de acordo com o próprio autor (1980/1998), seria a sua obra mais importante. O âmago da proposta de Skinner (1957) está na própria definição de comportamento verbal, que deveria ser descritiva e com‑ patível com os parâmetros do comportamento operante, mas que também deveria possuir alguma característica particular pela qual seria justificável caracterizar o comportamento verbal como um tipo especial de comportamento operante.

O primeiro passo de Skinner (1957, p.2), no cumprimento dessas exigências, foi definir o comportamento verbal como o “comportamento reforçado através da mediação de outra pessoa”. Mas o que isso significa? Como vimos na seção 2.3, uma das principais características do comportamento operante é a modificação do ambiente. Um organismo responde em um dado contexto gerando, assim, consequências.

Essas consequências são modificações no ambiente e podem ser das mais diversas, desde a apresentação de comida numa caixa de Skinner até a destruição de matas e florestas. O comporta‑ mento verbal, por sua vez, não possui essa característica tão evidente – não é possível modificar o ambiente apenas verbalmente. Nas palavras de Skinner (1957, p.1‑2):

O comportamento altera o ambiente através da ação mecânica, e suas propriedades e dimensões são geralmente relacionadas de maneira simples aos efeitos produzidos. […] Muitas vezes, contudo, um homem age apenas indiretamente sobre o ambiente do qual as consequências últimas do seu comportamento emergem. O seu primeiro efeito é sobre outro homem. Em vez de ir a uma fonte de água, um homem com sede pode simplesmente “pedir um copo com água” – isto é, pode engajar‑se em um comporta‑ mento que produz certos padrões sonoros, que, por sua vez, induzem alguém a trazer um copo com água. Os sons em si mesmos são facilmente descritos em termos físicos; mas o copo com água chega ao falante apenas através de uma série complexa de eventos, incluindo‑se o comportamento do ouvinte. A consequência última, o recebimento da água, não possui nenhuma relação útil, geométrica ou mecânica, com a forma do comporta‑ mento de “pedir por água”. De fato, é característica desse comportamento ser impotente contra o mundo físico.

As respostas verbais, portanto, não geram consequências no ambiente de maneira direta, tal como o comportamento operante, mas o fazem através do ouvinte. Em vez de ir até à cozinha e pegar um copo com água, um sujeito pode pedir que alguém faça isso por ele. Por mais que essa pessoa grite, esbraveje e expresse seu desejo por um copo com água, tudo isso será em vão se não houver um ouvinte que seja sensível à sua resposta verbal.

Em adição, se esse sujeito conseguir o copo com água, por meio de um pedido atendido pelo ouvinte, o resultado final – beber a água contida no copo entregue pelo ouvinte – não possui relação física íntima com os padrões sonoros emitidos quando ele fez o pedido. É justamente por isso que os operantes verbais dependem da mediação de outra pessoa para serem reforçados. O mesmo também ocorre com operantes verbais que não envolvem a fala. Escrever um livro, por exemplo, tem como resultado uma alteração no ambiente bastante evidente – o livro – e esse fato poderia ser um indício de que a definição de Skinner seria imprecisa.

Entretanto, as consequências do comportamento verbal do escritor ainda estão no ouvinte ou, nesse caso, no leitor. Lembremo‑nos de que o comportamento operante é constituído por três termos – a ocasião, a resposta e a consequência. A consequência do comportamento de escrever estará, portanto, nos efeitos do livro sobre os leitores que, por sua vez, serão os responsáveis por reforçar ou punir o comportamento do escritor (escrevendo, por exemplo, resenhas positivas ou negativas).

É possível supor, porém, que o reforço através da mediação de outra pessoa não é uma característica demarcatória robusta. Na presença de pernilongos, uma pessoa pode abanar as mãos copiosa‑ mente até que essa resposta faça com que os pernilongos mudem de comportamento, permanecendo distantes do rosto, o que será uma consequência reforçadora para essa classe operante. Nesse exemplo temos a resposta (abanar as mãos) e a consequência (mudança de comportamento dos pernilongos).

A resposta foi reforçada através da mediação dos pernilongos que permaneceram, então, distantes do rosto da pessoa. Todavia, dificilmente classificaríamos esse operante como sendo do tipo verbal. Dessa forma, ao perceber a generalidade do primeiro passo da definição de comportamento verbal, Skinner (1957, p.224‑6) adicionou algumas considerações:

Quando o “ouvinte” mediador participa meramente como um objeto físico, não há razão para distinguir um campo especial. […] Dizer que estamos interessados apenas no comportamento que tem efeito sobre o comportamento de outro indivíduo não é o bastante. […] Uma restrição preliminar seria limitar o termo verbal às instâncias em que as respostas do “ouvinte” foram condicionadas. […] Se apresentarmos a condição suplementar de que o “ouvinte” deve estar respondendo de uma maneira que foi condicionada precisamente com o intuito de reforçar o comportamento do falante, nós restringimos nosso tópico ao que é tradicionalmente reconhecido como o campo verbal. […] O condicionamento especial do ouvinte é o ponto capital do problema. O comportamento verbal é modelado e mantido por um ambiente verbal – por pessoas que respondem de certas maneiras ao comportamento por causa das práticas do grupo do qual elas são membros. Essas práticas e as interações resultantes entre o falante e o ouvinte produzem o fenômeno que é aqui considerado sob a rubrica de comportamento verbal.

Como bem apontado por Palmer (2008), para melhor colocá‑las no âmbito behaviorista radical, as considerações de Skinner precisam de interpretação. Dizer que o ouvinte deve responder “com o intuito de” reforçar o comportamento do falante é correr o risco da teleologia. A resposta do ouvinte não está sob controle de uma causa futura; pelo contrário, a probabilidade de que ela ocorra depende do fato de que respostas funcionalmente semelhantes seguiram‑se de consequências reforçadoras no passado.

Outra questão levantada por Palmer (2008) é que o comporta‑ mento do falante muitas vezes não é reforçado pelo comportamento do ouvinte ou, quando o é, pode ser incidentalmente. Uma pessoa pode gritar “Cuidado com o Fusca!” enquanto outra está atravessando a rua no exato momento em que o carro está passando.

O ouvinte pode responder ao estímulo visual do carro pulando em direção à guia; pode responder da mesma forma ao estímulo sonoro do grito, mesmo sem saber que “Fusca” é o nome de um carro; ou pode responder ao estímulo sonoro apenas por conta do barulho alto do grito sem levar em conta a característica verbal do comportamento do falante (seria o mesmo que responder, por exemplo, a um estrondo ou estouro não identificado).

Em todos esses casos, não há uma consequência reforçadora por parte do ouvinte tão evidente que cumpra o quesito de que ele respondeu “com o intuito de reforçar” a classe operante verbal do falante. O reforço por parte do ouvinte é mais evidente em casos de pedidos e de solicitações (como no exemplo de pedir um copo com água), mas não se pode generalizar esse padrão para todas as situações que envolvem comportamentos verbais. A questão é que as consequências reforçadoras são mais difíceis de identificar quando tratamos do comportamento verbal, o que não quer dizer que elas não existam.

Skinner (1957) apresenta uma distinção importante acerca do papel do ouvinte no comportamento verbal. Embora não seja preciso que o ouvinte reforce diretamente uma classe operante verbal do falante, a sua mera presença já configura a ocasião em que uma resposta verbal pertencente a uma dada classe pode ocorrer. Nesse caso, dizemos que o ouvinte é a audiência. É essencial ressaltar que não precisa ser um ouvinte em particular, ou seja, uma pessoa específica, mas qualquer pessoa que cumpra a função de audiência.

Dessa forma, a presença da audiência em situações futuras já contribuirá como estímulo discriminativo, aumentando, assim, a probabilidade de que respostas pertencentes às classes operantes verbais ocorram. O mais importante é que tanto o falante quanto o ouvinte podem estar encerrados no mesmo sujeito, isto é, um sujeito pode ser ao mesmo tempo o falante e o ouvinte de uma classe verbal (Skinner, 1957). Dizemos, nesse caso, que o sujeito fala consigo mesmo (Skinner, 1953/1965, 1957).

Esclarecidas essas questões, é possível concluir a partir da definição desenvolvida por Skinner, sendo inclusive suficiente para garantir seu caráter diferenciador, que a característica demarcatória do comportamento verbal está no fato de que ele é decorrência de uma comunidade que mantém contingências de reforço específicas para comportamentos que refletem relações convencionais, mas arbitrárias, entre estímulos e respostas. Ou seja, além de ser o comportamento reforçado por meio de outra pessoa, o comportamento verbal existe graças às contingências verbais que formam uma comunidade verbal.

Essas contingências, por sua vez, são convenções justamente porque foram construídas a partir do comportamento verbal dos membros de uma comunidade – o falante do exemplo anterior respondeu ao carro chamando‑o de “Fusca” apenas porque na comunidade verbal da qual ele faz parte é uma convenção chamar esse carro por esse nome, não havendo nada além dessa convenção que justifique chamá‑lo assim.

A arbitrariedade, por sua vez, decorre do fato de que o repertório verbal de um sujeito é mantido e modelado de acordo com as práticas de uma comunidade verbal formada por membros cujos próprios comportamentos verbais são também mantidos e modelados pelas práticas da comunidade verbal. Talvez seja possível supor que a arbitrariedade decorra da circularidade presente nas contingências verbais: o repertório verbal de um sujeito é mantido e modelado pela comunidade verbal cujos membros também são sujeitos que possuem repertórios verbais mantidos e modelados pela comunidade verbal cujos membros… ad infinitum.

Isto é: um sujeito S1 no papel de membro da comunidade verbal é responsável pelo controle do comportamento verbal do sujeito S2 que, por sua vez, no papel de membro da comunidade verbal, é responsável pelo controle do comportamento verbal do sujeito S1, e assim por diante. O comportamento verbal, então, implica uma relação entre ou‑ vinte e falante na qual o ouvinte é condicionado a reforçar as classes operantes verbais do falante justamente por conta de sua característica verbal.

Essa relação é mantida e modelada pelo ambiente verbal de uma comunidade, o que significa que, em última instância, são as práticas verbais de uma comunidade que modelam os comportamentos dos ouvintes e dos falantes. Entretanto, já que os membros das comunidades verbais são os próprios ouvintes e falantes, então as contingências verbais nunca serão evidentes, e isso significa que talvez nunca sejam passíveis de uma análise rigorosa nos moldes semelhantes da análise experimental do comportamento.

A despeito desse problema, Skinner (1957) apresentou uma interpretação acurada do comportamento verbal fundamentada pela teoria behaviorista radical do comportamento. Essa interpretação, por sua vez, resultou num esquema de classificação dos comportamentos verbais em que as características definidoras estariam nas relações funcionais estabelecidas pelos operantes verbais. A estratégia é relativamente simples.

Primeiramente, foca‑se a observação do comportamento verbal: “qual é a topografia dessa subdivisão do comportamento humano?” (Skinner, 1957, p.10). Em seguida avança‑se para a interpretação: “quais condições são relevantes para a ocorrência do comportamento [verbal] – quais são as variáveis das quais [o comportamento verbal] é função?” (Skinner, 1957, p.10). Um dos tipos de operante verbal é o mando.

De acordo com Skinner (1957, p.36), o mando é “caracterizado pela conexão única entre a forma da resposta e o reforço caracteristicamente recebido em uma dada comunidade verbal”, o que significa dizer que o mando é um operante verbal que “‘especifica’ os seus reforçadores” (Skinner, 1957, p.36). Se uma pessoa disser “Pare de falar agora!”, a classe à qual essa resposta pertence só será reforçada se, de fato, o ouvinte parar de falar naquele exato momento. O exemplo anterior do sujeito que pediu um copo com água também é um caso de mando.

O falante possivelmente estava em estado de privação de água, condição que pode ter contribuído para a ocorrência da res‑ posta verbal “Dê‑me um copo com água!”. Essa resposta, por sua vez, estabeleceu a ocasião para o comportamento do ouvinte de levar um copo com água para o falante. Assim, a consequência reforçadora desse mando (conseguir um copo com água) já estava especificada na resposta verbal do falante.

É possível apresentar esse processo com o auxílio do Quadro 2.4. O falante, nesse caso, está privado de água, condição que estabeleceu a ocasião para a emissão da resposta verbal (Rv1). Essa res‑ posta, por sua vez, configurou a ocasião para a resposta do ouvinte

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de levar o copo com água (Ro). O recebimento do copo com água é a consequência reforçadora (Sr‑f) da classe operante verbal da qual a resposta do falante faz parte, mas também contribui para a ocorrência de uma segunda resposta verbal do falante (Rv2). O agradecimento, por sua vez, pode atuar como consequência reforçadora (Sr‑o) para a classe operante da qual a resposta do ouvinte (Ro) faz parte.

Nesse exemplo, a ocorrência da resposta verbal do falante controla respostas operantes que, embora façam parte de uma relação operante verbal, não são em si verbais. Buscar um copo com água, por exemplo, é uma resposta operante, mas não necessariamente verbal – ela pode ocorrer em outras relações não verbais. Entretanto, há casos em que os estímulos verbais controlam respostas que também são, em si, verbais (Skinner, 1957).

Um desses casos é classificado por Skinner como ecoico, que ocorre quando “o comportamento verbal está sob controle de um estímulo verbal, [e por isso] a resposta gera um padrão sonoro similar ao do estímulo” (Skinner, 1957, p.55). Como o próprio termo sugere, a resposta verbal do ouvinte ecoa o estímulo verbal. Uma mãe está ensinando o filho pequeno a dizer “mamãe” pela estratégia de repetir diversas vezes a palavra “mamãe”. O filho, num dado momento, poderá responder “ecoando” a resposta verbal da mãe dizendo também “mamãe”.

Outro tipo de estímulo verbal que controla respostas verbais é o textual. De acordo com Skinner (1957, p.65), “um tipo familiar de estímulo verbal é o texto. […] O falante sob controle do texto é, evidentemente, um leitor”. Ou seja, a presença do livro enquanto parte do ambiente do leitor estabelece a ocasião para a res‑ posta verbal de lê‑lo. O sujeito que está sob controle é o leitor. Um dos tipos mais importantes de controle de estímulos no âmbito verbal é o intraverbal. No caso do comportamento ecoico há uma relação formal entre o estímulo verbal e a resposta.

A criança só ecoará a resposta verbal da mãe se disser “mamãe”, repetindo, assim, os padrões sonoros da palavra “mamãe”. No comporta‑ mento textual, apesar de não existir uma relação formal tão específica que implique semelhança física, há, no entanto, uma relação ponto a ponto entre duas dimensões fisicamente distintas: a palavra escrita “mamãe”, por exemplo, corresponde à palavra falada “mamãe”.

Embora estejam em dimensões diferentes (fala e escrita), há uma correlação bastante específica entre ambas. No intraverbal, por sua vez, as “respostas verbais não apresentam correspondência ponto a ponto com os estímulos verbais que as evocam. Esse é o caso quando a resposta quatro é dada ao estímulo verbal dois mais dois” (Skinner, 1957, p.71). Um dos operantes verbais mais importantes, inclusive para os propósitos deste livro, é o tacto (Skinner, 1957, p.82):

O tacto pode ser definido como o operante verbal no qual uma resposta de uma dada forma é evocada (ou ao menos fortalecida) por um objeto ou evento particular ou por uma propriedade de um objeto ou de um evento. Nós reconhecemos o fortalecimento ao mostrar que, na presença de um objeto ou de um evento, uma resposta de uma dada forma é caracteristicamente reforçada em uma dada comunidade verbal.

O tacto, portanto, é o operante verbal que tem como estímulos discriminativos objetos ou eventos. Sua importância decorre do fato de que grande parte da teoria da referência, no âmbito da filosofia da linguagem, trata de tactos (Skinner, 1957). O tacto é um operante verbal essencialmente informativo, no sentido de descrever algum estado de coisas do mundo. Imaginemos, por exemplo, a seguinte situação: uma bola de sinuca branca choca‑se com uma bola preta fazendo‑a se mover.

No Quadro 2.5 há um exemplo de tacto que envolve essa situação. Nesse caso temos um evento ambiental acessível tanto ao falante quanto ao ouvinte: a bola de sinuca branca choca‑se com a bola preta fazendo‑a se mover. Esse evento, somado à presença do ouvinte, estabelece a ocasião na qual a resposta verbal do falante é emitida (Rv1): “A bola branca bateu na bola preta”. O ouvinte, por sua vez, sob controle tanto do evento quanto da resposta verbal do falante, emite a resposta verbal (Rv2): “É verdade!”. Essa resposta

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pode ser uma consequência reforçadora para a classe operante verbal de tacto do falante (Sr‑f). Ao contrário do que ocorre no mando, a resposta verbal do falante não especifica os seus reforça‑ dores. Não é possível saber apenas pela resposta verbal “A bola branca bateu na bola preta” qual seria a consequência reforçadora para o falante ou, até mesmo, por que o ouvinte iria reforçar tal comportamento, já que, afinal, ele também viu a bola branca bater na bola preta.

Nesse contexto, é possível encontrar indicações da função do tacto na seguinte passagem de Skinner (1974, p.91): “Em um exemplo arquetípico, um falante está em contato com uma situação a que o ouvinte está disposto a responder, mas com a qual não tem contato. Uma resposta verbal da parte do falante torna possível ao ouvinte responder apropriadamente”. Assim, a função “arquetípica” do tacto seria informar o ouvinte sobre uma situação que, possivelmente, é do seu interesse, mas que é a ele momentaneamente inacessível.

Voltando ao exemplo: tanto o falante quanto o ouvinte podem estar participando de um jogo de sinuca. No momento em que a bola branca se chocou com a bola preta, o ouvinte não tinha acesso à mesa de bilhar, o que significa que ele não viu o evento em questão. Logo, a resposta verbal de tacto do falante é relevante ao ouvinte e, por isso, é possível que este reforce o comportamento do primeiro. Nesse caso, ele pode checar a posição das bolas na mesa, quando for possível a ele fazê‑lo, e, assim, constatar que o falante estava certo dizendo: “É verdade!”.

Existem variações, caracterizadas como extensões do tacto, que merecem uma análise cuidadosa. Quando um sujeito na presença de uma cadeira emite a resposta verbal “cadeira”, ele está sob controle desse estímulo discriminativo específico. Entretanto, o que ocorre quando esse sujeito generaliza a resposta “cadeira” para outras cadeiras que não àquela que serviu como estímulo discriminativo de sua resposta única? Para Skinner (1957), não há uma essência da cadeira responsável pelo controle da resposta verbal generalizada.

Não é o objeto em si que mantém o controle sobre a resposta verbal “cadeira”. São as contingências estabelecidas pela comunidade verbal em que o sujeito está inserido que controlam a classe operante verbal relativa ao termo “cadeira”. As características do objeto que o qualificam como “cadeira” são selecionadas de acordo com as contingências de reforço da comunidade verbal e, por isso, de acordo com Skinner (1957, p.91), “tendem a serem práticas. O controle de estímulo de uma cadeira é ordenado fundamentalmente pelo uso que a comunidade reforçadora faz de cadeiras”.

Ou seja, um objeto será um estímulo discriminativo para a resposta verbal “cadeira” se ele possuir certas características funcionais coincidentes com as de objetos que, por convenção, são de‑ nominados como “cadeira” numa dada comunidade verbal, por exemplo, ser um assento. Skinner (1957) classificou esse tipo de generalização como extensão genérica do tacto. Skinner (1957) analisa outras características comuns da linguagem como também sendo extensões do tacto. É o caso da metáfora, que, segundo o autor (1957, p.92), “ocorre porque o controle exercido por uma característica do estímulo, apesar de presente no momento do reforçamento, não entra na contingência apresentada pela comunidade verbal”.

Quando uma pessoa diz “Você é feito de ferro!”, ela está usando uma metáfora porque as características do ferro que servem como estímulo discriminativo para a emissão de respostas verbais de tacto relacionadas ao ferro propriamente dito não estão presentes na pessoa que é “feita de ferro”. O falante possivelmente foi condicionado, em sua história passada de interação com a comunidade verbal, a responder “ferro” na presença de objetos que possuíam certas características específicas, como dureza e resistência.

Essas características, por sua vez, podem controlar operantes verbais de tacto do falante sobre ocasiões que são completamente diferentes das que envolviam as contingências verbais sobre o ferro propriamente dito, como no caso do exemplo, resultando, assim, num tacto metafórico. A metonímia é outro exemplo de extensão do tacto. Quando uma pessoa perante um quadro afirma “Eu adoro esse Magritte!”, ela está usando uma metonímia, pois “esse Magritte” indica, na verdade, o quadro feito por Magritte que, nessa relação, é o estímulo discriminativo para a emissão de sua resposta verbal.

O que ocorre nesse caso é que o estímulo “Magritte” normalmente acompanha o estímulo discriminativo “quadro do Magritte”. Afinal, não há um quadro do Magritte que não seja feito pelo Magritte. Assim, “Magritte” passa a controlar a resposta do falante, mesmo que o estímulo discriminativo não seja o pintor, mas o quadro feito por ele. No entanto, Skinner (1957, p.95) afirma que existem certas diferenças entre os tactos estendidos genéricos e as metáforas e metonímias:

A distinção entre extensão genérica e metafórica é a distinção entre uma propriedade contingente e uma propriedade acidental do estímulo. A extensão genérica respeita a prática reforçadora original, que persiste inalterada na comunidade verbal. […] Entretanto, na metáfora novas propriedades da natureza são constantemente trazidas sob o controle do comportamento verbal. Estas se tornam tactos estabilizados e padronizados, que, por sua vez, estão sujeitos a extensões metafóricas ou genéricas posteriores.

Um ponto importante levantado por Skinner é que extensões metafóricas, assim como as genéricas, podem se tornar tactos padrões de uma comunidade verbal. Uma pessoa pode dizer “Você é feito de ferro!” mesmo sem nunca ter passado pelas contingências que envolvem o ferro propriamente dito. Ela aprendeu através da própria comunidade verbal que pessoas fortes e resistentes, por exemplo, são normalmente comparadas ao ferro. Outro tipo de tacto estendido que é de grande importância no contexto do presente livro é a abstração. Nas palavras de Skinner (1957, p.107):

Qualquer propriedade do estímulo presente quando uma res‑ posta verbal é reforçada adquire certo grau de controle sobre a resposta, e esse controle continua a ser usado quando a propriedade aparece em outras combinações. […] Um pouco de controle estendido é […] permissível, e até mesmo útil, mas uma extensão livre do tacto não pode ser tolerada, particularmente em assuntos práticos ou científicos. […] A comunidade verbal lida com esse problema […] [reforçando] respostas na presença de uma propriedade escolhida do estímulo e não reforçando, ou até mesmo punindo, respostas evocadas por propriedades não especificadas. Como resultado, a resposta tende a ocorrer apenas na presença de uma propriedade escolhida. […] O operante verbal resultante é tradicionalmente […] classificado como abstrato.

De acordo com o que vimos anteriormente, as contingências estabelecidas por uma comunidade verbal são, em grande medida, arbitrárias, o que pode resultar em tactos demasiadamente estendidos. Embora possamos tratar das características práticas que levam um sujeito, pertencente a uma dada comunidade verbal, a emitir a resposta verbal “cadeira” na presença de um dado objeto, nunca poderemos delimitar ao certo quais são as características necessárias e/ou suficientes que um objeto deve possuir para ser considerado uma “cadeira”. A abstração, nesse contexto, serve para “frear” a extensão dos tactos.

Numa dada comunidade verbal, reforçam‑se classes de respostas verbais dos falantes quando elas estão sob controle de características específicas dos objetos ou eventos aos quais se referem. A comunidade pode até mesmo punir classes de respostas que não se enquadrem no quesito preestabelecido. Diante de uma bola vermelha, por exemplo, uma pessoa res‑ ponde “bola vermelha” e a classe operante verbal de tacto da qual essa resposta faz parte é reforçada pela comunidade; diante de uma maçã vermelha, a pessoa responde “maçã vermelha” e a classe operante verbal de tacto da qual essa resposta faz parte é reforçada pela comunidade; diante de um livro vermelho, a pessoa responde “livro vermelho” e a classe operante verbal de tacto da qual essa resposta faz parte é reforçada pela comunidade; e assim por diante.

Ao longo do processo de condicionamento, a característica “vermelho/a” passa a exercer um tipo de controle autônomo, gerando, assim, uma classe operante verbal de tacto em que o estímulo discriminativo é apenas a cor “vermelha”. Nesse caso, o sujeito passa a se referir à cor “vermelha” em diversas respostas verbais diante dos mais variados tipos de objetos e eventos que possuam essa característica. Dizemos que o sujeito abstraiu a característica “vermelha” das diversas contingências pelas quais ele passou, tornando‑a um estímulo discriminativo que pode estar presente em diversas situações, mas que é o único responsável pelo controle da resposta verbal “vermelha/o”.

A peculiaridade da abstração está no fato de que um ambiente não verbal não produz as contingências necessárias para que um sujeito responda abstratamente (Skinner, 1957). Trata‑se, portanto, de um produto exclusivo do comportamento verbal (Skinner, 1953/1965). Antes de partir para a próxima seção é importante trazer à tona uma característica essencial da teoria do comportamento verbal de Skinner. Nota‑se que não há nela o menor indício de termos e jargões utilizados pela filosofia da linguagem ou pela linguística.

A teoria do comportamento verbal não fala de “referência”, não trata de “proposições” ou “elocuções”, não busca definir o que é o “significado”, não analisa as respostas verbais em termos de “fonética”, “fonologia” ou “morfologia”, e não sustenta que o falante transmite através da linguagem “informações” que, por sua vez, são “captadas”, “codificadas” e, por fim, “entendidas” pelo ouvinte. E mais, de acordo com Skinner (1969e, p.12), a linguagem não é constituída pelas “palavras ou sentenças que são ‘nela faladas’; trata‑se do ‘nela’ em que elas são faladas – as práticas da comunidade verbal que modelam e mantêm o comportamento dos falantes”.

A linguagem, portanto, não é vista como uma “coisa” ou “instrumento” que os seres humanos utilizam para “expressar significados, pensamentos, ideias, proposições, emoções, necessidades, desejos, e muitas outras coisas que estão na mente do falante” (Skinner, 1974, p.88). As estratégias comuns da linguística, como a análise fonética, fonológica e morfológica, e o foco no estudo da gramática – especialmente em seu desdobramento na gramática gerativa de Chomsky (Skinner, 1963b, 1969e, 1972a, 1988, 1989a) – não nos dirão nada a respeito do comportamento verbal, já que incorrem na falácia formalista (Skinner, 1957, 1969b, 1969c, 1972a) – isto é, não é possível analisar a função do comportamento verbal apenas por meio de sua estrutura, sem discorrer a respeito das circunstâncias em que ele ocorre.

Especificamente a respeito da gramática, Skinner (1966/1969a, p.141) afirma que ela não é nada além das características “mais estáveis das contingências mantidas por uma comunidade”. Em outro trecho, Skinner (1988, p.67) é mais incisivo:

Certamente, ninguém argumentará que há uma disposição inata para usar um conjunto particular de sons da fala; línguas diferem muito para tornar isso plausível. Com respeito aos universais da gramática, eles são, creio eu, meramente os usos universais do comportamento verbal através dos idiomas das comunidades. Em todas as línguas pessoas dão ordens, fazem perguntas, descrevem situações, e assim por diante.

Linguistas como Noam Chomsky, ao aplicarem seus estudos formalistas, acabam por descobrir certos padrões linguísticos que, por sua vez, se tornam regras da linguagem. A coincidência dessas regras em diversas línguas seria o coração da hipótese da gramática universal: se essas regras podem ser encontradas em todas as línguas, então elas devem estar, de alguma forma, imputadas nos falantes e ouvintes verbais; em outras palavras, essas regras devem ser inatas. Entretanto, Skinner (1963b, p.514) é claramente contra essa posição:

Dizer que “a criança que aprende uma linguagem em algum sentido constrói a gramática para si mesma” (Chomsky, 1959) é tão ilusório quanto dizer que um cão que aprendeu a pegar uma bola em algum sentido construiu parte relevante da ciência mecânica. Regras podem ser extraídas das contingências de reforço em ambos os casos, e assim que existirem elas podem ser usadas como guias. O efeito direto das contingências é de natureza diferente.

Ou seja, a possibilidade de que um cão, ou qualquer outro organismo, possa agir sobre o ambiente de maneira eficaz, modificando‑o e sendo por ele modificado, não indica que ele também possua conhecimento das leis da física. O mesmo ocorre com a linguagem: comportar‑se verbalmente de maneira eficaz numa dada comunidade verbal não implica conhecer ou possuir inatamente as regras da gramática (Skinner, 1969b). A questão essencial aqui está na diferenciação entre comportamento governado por regras e comportamento modelado pelas contingências, tema da nossa próxima seção.

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REFERÊNCIAS:

A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente / Diego Zilio. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.


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