A lógica – termo que deriva de “logos” e que significa “palavra”, “razão”, “discurso”. Ela foi utilizada por Aristóteles entendendo que ela era uma lei do pensamento humano que procurava organizar as informações derivadas dos sentidos, de tal maneira, que se tornassem compreensíveis. Organizava, portanto, em nós as informações do mundo que estavam fora de nós.
A lógica era então uma maneira de organizar os dados de forma que garantisse que este pensar tocasse o coração mesmo das coisas: as essências.
Aristóteles acreditava que o cérebro humano reproduzia, de ordinário, o que de fato estava fora de nós. No entanto, só o fazia quando não estivesse perturbado por grandes emoções, paixões desordenadas, falhas dos sentidos ou da interpretação equivocada dos dados sensíveis.
Procurou entender como o cérebro humano reagia para obter do real, dados sensíveis e particulares das coisas. Tratava-se de abstrair das coisas aquilo que correspondesse à alma delas, suas essências. Identificar por fim, essa essência com um código, dar-lhe nomes, isto é criar um conceito era inteligir (ler dentro) o que eram. À harmonia deste processo Aristóteles chamou pela primeira vez de lógica.
A lógica, nessa compreensão, pretendia acompanhar o caminho do pensamento racional humano que nos permitisse declarar uma verdade com organização e clareza. A lógica para Aristóteles era a grandiosa expressão da filosofia, pois articulava os sentidos com o pensamento humano, que chegando à Verdade a articulava com o Belo e o bem que estavam no ser de todas as coisas.
Verdade, Bem e Beleza não se separam, são aspectos da manifestação do Ser que resume o mundo. E fazer estes valores coincidir nos pensamentos e atos humanos. Amor à sabedoria que expulsasse toda a falsidade. Evitariam os efeitos psicológicos causados por bons oradores que emocionavam, e acabavam por convencer pela habilidade, astúcia e pela força do discurso, não levando à verdade e ao bem. Isso era uma deformidade do ser, pensava Aristóteles, pois levava o pensamento a conclusões inverídicas ou equivocadas.
Aristóteles, por isso, foi buscar o pensamento organizado e lógico reagindo contra o grande movimento de filósofos que o precedera e que foram chamados de sofistas, que usavam do estratagema de um pensar aparentemente bem elaborado, capcioso, mas que levava ao erro, à feiúra ética e à maldade. Aristóteles lutava contra os sofistas que buscavam persuadir, convencer e espalhar verdades aparentes àqueles que andavam na busca de pessoas sábias que os ajudassem a encontrar o caminho da verdade.
Quantos buscavam na filosofia o caminho para resolver as tortuosidades da vida, procuravam o caminho do prazer, da beleza e do bem, mas tropeçavam em falsos filósofos que se utilizavam da boa fé, às vezes da ingenuidade ou ignorância para manipular suas vidas, e ganharem dinheiro com isso. Os sofistas eram mercadores, vendiam verdades e vaidades do falso saber.
Num filme de 28 minutos Emanuel Santana, mostra sua pesquisa com os atingidos por barragens que foram “expulsos” por Furnas para criarem o Lago de Manso. Os depoentes contam que foi feito um filme mostrando a fertilidade da terra, utilizando uma melancia artificial, de plástico, dizendo que era produzida nas terras onde eles tinham sido assentados. Neste caso, tratava-se de mentiras cujas aparências enganam!
Na Grécia, os filósofos sofistas com discursos elaborados e capciosos confundiam, e vendiam discursos prontos, a favor da mentira e da violência; hoje a propaganda televisiva o faz dia e noite espalhando um consumo desenfreado e gerando necessidades artificiais com informações mentirosas. Os sofistas o faziam por dinheiro, ou por vaidade, usando o poder da linguagem discursiva.
Furnas fez a mesma coisa utilizando, segundo Sérgio Brito, diretor premiado do Projeto “Cinema Circulante” usando a melancia de plástico como personagem na linguagem cinematográfica. As pessoas apegavam-se aos sofistas como se fossem grandes sábios; as pessoas acolhem Furnas pelos projetos ambientais que divulgam. Ambos, na Grécia e agora, numa linguagem que leva a caminhos perversos da não-vida.
Lembro-me ter ouvido, ainda adolescente, quando descobria linguagem e filosofia, alguns raciocínios “lógicos” que confundiam:
É claro que da Rosa, nome próprio comparado à planta como espécie vegetal, há uma enorme diferença… Muda-se, no caso a categoria Rosa, nome próprio da tia, pelo substantivo rosa, que se refere a uma planta, conduzindo a um raciocínio equivocado. Trata-se da falsa lógica.
A linguagem serve para raciocínios bêbados, e por vezes, engraçados. Num antigo livro de Português havia um excelente exemplo:
“Aquele homem era tão santo que com um pé toca a terra, com o outro olha o céu!” Adolescente, alguém me ensinou uma quadrinha que era paráfrase de um versinho popular.
Fica evidente que o raciocínio acima tem a intenção de comparar coisas muito diferentes, um momento da infância com o momento da idade adulta; mas trabalha situações tão distintas, que terminam fazendo uma ligação de um primeiro evento (o leite) que não precisa ter nenhuma ligação com o segundo evento (uso de óculos). Isso é uma desorganização do pensamento lógico!
Brincava, ainda, um amigo meu, com versinhos inusitados:
Havia também na lógica dos sofistas , aporias – “lugares sem saída” – que causavam perplexidades e levavam à confusão do pensamento ou até à contradição. Vejamos um exemplo clássico que se chama “Teorema do homem mentiroso”:
– Eu vim de um país onde todos mentem!
A frase é tão curtinha que precisa ser lida com atenção. Veja aquele que afirma dizer a verdade, precisa estar mentindo. Se ele, por outro lado, estiver mesmo mentindo, ele está dizendo a verdade – porque ele veio de um país que todos mentem.
Esses brinquedos da linguagem já foram muitas vezes apontados. O filósofo Wittgenstein dizia que a palavra é um labirinto. Brinco que a palavra é um pântano.
Ora toda a filosofia é sempre colocada em linguagem e por isso precisamos nos acautelar com as verdades das filosofias. Até porque dizemos uma coisa e o outro entende outra. É o que diz nosso músico, artista e filósofo Sérgio Lorosa, com muita lógica:
Tem jeito de furar este labirinto?
Aristóteles trabalha nisso. Criou por isso a lógica formal. Ele organiza o pensamento em forma de linguagem, num sistema chamado silogismo, isto é, um jeito de sair da constatação das informações dos sentidos, pela linguagem e elaborar conhecimento em formas de raciocínio rigoroso.
O silogismo , mais simples, é formado por três afirmações (assertivas). Já estou dizendo com isso que há outras formas de silogismo. Mas tomo o mais simples para exemplificar, mostrando como Aristóteles tenta isso. Vamos partir assim de um exemplo bastante comum:
A primeira afirmação é uma afirmação que se estende a todos os homens da espécie humana e diz que eles são mortais. A segunda frase, afirmaria uma particularidade acerca do sujeito o qual se estuda: Pedro!
Destas duas afirmações tira-se a conclusão que gera uma terceira afirmação lógica, “Pedro (por ser homem comum) é mortal”. Veja, a conclusão reúne toma a verdade universal da primeira afirmação e a aplica ao caso particular de Pedro. Afirma-se, assim, algo novo, em linguagem, acerca da situação ou pessoa particular a que nos referimos no raciocínio intermediário, Pedro. Veja isso em equação:
Da primeira verdade universal localiza-se um homem, o Pedro – um sujeito – do qual se afirmará algo que não está dito dele, em linguagem, antes da conclusão: Ele é homem e, portanto, ele é mortal.
A dedução conclui algo lógico a partir de verdades constatadas pela força do raciocínio, como consequência das verdades anteriores, desprezando detalhes a se atendo ao essencial ou à conclusão particular. O silogismo, assim, permite uma expressão enxuta e rigorosa do raciocínio, de forma a tornar o pensamento claro.
Continua a valer a lógica, em nossos tempos?
Sim. Sempre usamos o raciocínio lógico no cotidiano, nem sempre organizado de maneira rigorosa. Mas todo o pensamento precisa confrontar-se com certa lógica. Sempre que houver debates entre diferentes opiniões, as pessoas buscarão justificar com argumentos lógicos, para resolverem conflitos, demonstrando que estão do lado da razão. A lógica de Aristóteles foi organizada, na forma de silogismo, pois, era o “jeito dos humanos arrumarem o pensamento pela linguagem”.
Atenção! Uma verdade em linguagem pode ser apenas uma opinião!
Toda a filosofia só é possível em linguagem, comunicando o pensamento através de asserções afirmativa ou negativa. Tais afirmações continuarão, entretanto, verdades abertas e relativas suscetíveis de mudarem, se variarmos nossos pontos de vistas e de observação, nossas intencionalidades, ou o contexto onde nos situarmos. “Ninguém pensa da mesma forma em uma choupana ou num castelo” (Schopenhauer).
A cabeça vai na direção dos nossos pés.
Se a lógica for usada como ferramenta de ajuda para pensar, não poderá nunca se tornar verdade absoluta, que não se modifique a depender da perspectiva sob a qual ela é olhada, ou do lugar que ela ocupa num sistema simbólico. Numa estrutura histórico social, distinta do lugar social e de classe ao qual pertencemos, das culturas e etnias diferenciadas que nos tomam o corpo e o espírito haverá lógicas discrepantes. Mudarão suas expressões em conjunturas políticas de liberdade e democracia, como naquelas cujo contexto é de repressão e ameaça. A verdade é andarilha, migra com o horizonte.
Há ruídos na transmissão das verdades…
Há repercussões afetivas e emocionais que modificam o pensamento racional. Não somos gavetas e repartições, somos uma complexidade. Não são as verdades cerebrais que sobressaem na direção dos humanos. Pode ser doloroso constatar que o que pensamos do real, é frequentemente cortina de fumaça, justificativa, ou explicação esfarrapada para fatores que não são tão lógicos assim. É bom, por isso, atenção quando “verdades” estiverem em conflito.
Tive um professor durante o tempo de ensino médio, que nos dava aulas de filosofia num grande colégio em Santa Catarina. Ele vibrava de alegria quando afirmava que o poder da filosofia estava em usar o silogismo como arma e como um anel de ferro, para esmagar os adversários.
A lógica não é mais a mesma!
A lógica sofreu mudanças após Aristóteles . Se a lógica aristotélica cuja validade residia na forma em que se expressa e estruturava o pensamento, se afastou do pensamento clássico e ameaçou o pensamento moderno.
Da lógica formal que sustentava de que nada pode ser e não ser, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto – princípio que fundava o silogismo, e que se chama princípio da não contradição – foi relativizado.
Na verdade, sobretudo após Hegel as contradições entraram em campo, num processo de luta, processo dialético que permitisse negociar a partir de cada uma delas, uma verdade mais elaborada, sem jogar fora a tensividade do real . O pensamento que excluía os pólos que se contradiziam foram chamados à visibilidade e a tomar lugar na arena e entabular di-á-logo.
Os positivistas ainda cobram de nós o princípio da não contradição, combatendo como errôneo e equivocado o pensamento dialético.
Piaget , aliás, num texto de filosofia traduzido e publicado na coletânea de Os Pensadores, se insurge contra Merleau-Ponty quando esse dizia que a filosofia estava “Em toda parte e em nenhuma!” Piaget vociferava que isso era brinquedo maldoso que não podia ser tomado como sério nem como ciência, nem como filosofia!
A lógica se despregou como outras ciências da Filosofia. Alcançou outras formas muito sofisticadas, uma delas a logística contemporânea que estuda as formas de organizar sistemas complexos. Imiscuiu-se na Relatividade onde Deus parecia viciado em dados, na Física quântica trabalhando imprevisibilidades e Caos.
O avanço da linguística, semiótica, psicanálise quebrou definitivamente o chamado princípio da contradição, as verdades claras e distintas, articulando o pensamento contraditório com validade formal, dado que é produto do cérebro humano, que não tem uma única lógica, linear. Sustenta outras tantas lógicas inclusive, a do não sentido. Se a lógica formal é ainda uma ferramenta para alguns pensares, e é usada para manobras políticas e geração de consenso e de senso comum, ela continua pertencente ao nosso reino, sabendo que como nós é molhada e encharcada de ambiguidades! O real não é o pensado!
Algumas filosofias confundem o fato de que se pode ter um pensamento coerente, não falso, sem que ele encontre objeto correspondente ao pensado no mundo. Dizia Wittgenstein que uma foto fora de foco, ao ser reproduzida com grande precisão precisará manter e até ampliar seus limites imprecisos, para continuar sendo a mesma. O mundo não se amolda ao movimento do pensamento. Lembre-se: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa” (Lorosa).
Esclarecendo: a filosofia deve e pode usar o pensamento coerente, lógico, para ter clareza no raciocínio. E aí podemos dizer que a conclusão a que chegamos do ponto de vista formal é verdadeira. Sempre podemos dizer se uma afirmação é falsa ou verdadeira (o que se pede muito em vestibular!) isso não significa que a linguagem que é linguagem, uma representação que “toca as coisas que estão no mundo” seja ela mesma aquilo que ela, apenas representa. O mundo resiste, no seu modo próprio de ser, ao pensamento.
Aristóteles chamava isso de lógica “formal”, isto é, a “forma de organizar o pensamento”. Insistia eu, no início deste texto, que a linguagem era um jeito do pensamento operar.
Hoje depois de muitas águas que giraram as pás do moinho da filosofia podemos dizer que o mundo em sua verdade é muito maior que o nosso pensamento! Também assim o mundo nos precede, diria Merleau-Ponty! “Podemos muito com a filosofia e não podemos nada: esta nossa contradição” – dizia Sartre numa bela entrevista.
REFERÊNCIAS:
Fundamentos de Filosofia: os caminhos do “Pensar” para quem quer transformação / Luiz Augusto Passos. — 1ª ed., 1ª reimp. — Brasília/DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 2014.
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