A Gestão Democrática na escola pública como método e concepção: uma abordagem para além dos clichês das políticas mercadológicas e de coalizão.

Elisane Fank – SEED

A Gestão Democrática na escola pública como método e concepção: uma abordagem para além dos clichês das políticas mercadológicas e de coalizão.Resumo

Na medida em que se analisa a falta de participação no âmbito da escola, suscitam-se questionamentos sobre os condicionantes políticos, históricos, econômicos e sociais desta possível não participação. Tais questionamentos expressam uma dimensão contraditória, uma vez que, no discurso oficial, vivemos em uma sociedade democrática que se expressa, então, na democratização da gestão. Contudo, não temos ainda uma cultura de participação no interior da escola. Concebe-se que para avançar sobre a insuficiência desta participação é necessário situar o sentido desta democracia em seus múltiplos determinantes. Este movimento se coloca numa análise entre o discurso propalado, efetivado e a intenção (não) revelada. Este documento tem, portanto, o objetivo de reunir reflexões de alguns autores sobre os processos de definição e desenvolvimento desta democracia, possibilitando, em certa medida, compreender alguns aspectos que condicionam ou condicionaram a cultura de participação no interior da escola, a qual ainda há de avançar.

Introdução

Tomar a Gestão Democrática como princípio implica em concebê-la ante a um projeto de escola que, sobretudo, expressa um projeto social. Ela não pode referendar mais um dos tantos clichês que embasam os discursos políticos de coalizão. Este destaque se faz necessário, uma vez que a “gestão democrática” ao cair no “lugar comum” de tantas falas de adesão pode deixar de representar uma defesa, para ser tomada como mais um termo que encerra em si uma dimensão muitas vezes abstrata, haja vista estar descolada de todos os outros princípios fundantes da e para a escola pública.

Por sua vez, a escola pública em sua concretude deve estar situada, historicamente, em seus determinantes políticos, econômicos e sociais. A escola expressa um projeto social e, por isso, ela não se esgota em si mesma, mas caminha para uma intencionalidade coletiva e social. A escola pública não é um organismo isolado. Ela depende das políticas de gestão pública.

Portanto, sua autonomia está, de um lado, limitada pelas necessidades, aspirações e condições reais da comunidade escolar e, do outro, pelas políticas públicas em curso: o fundo público destinado à escola para gerir seus gastos internos – políticas de financiamento, políticas de formação continuada, regimes de trabalho, política de eleição ou indicação dos diretores, cumprimento do calendário escolar, diretrizes e legislações em educação.

Há de se perguntar, no entanto, qual o papel da gestão como definidora de políticas públicas? Em que medida a própria gestão democrática, entendida como direito na escola pública, é concebida desse modo ou apenas propalada como política de governo?

Contudo, a democratização da gestão e da própria escola pública só se efetivará quando a própria comunidade, tomada pela conscientização do processo democrático, conceber-se no seu papel de partícipe deste processo, uma vez que é para o público que se destinam as políticas e a escola pública. Há de se fazer, neste sentido, outros questionamentos.

Ainda que tomada nas contradições da ditadura capitalista, o discurso oficial se apresenta na perspectiva de uma sociedade democrática. Se, em tese, vivemos esta democracia anunciada, que elementos podem ser analisados no arrefecimento desta participação? Enfim, qual o sentido da participação e da autonomia na escola?

Apresentam-se aqui algumas reflexões que, em alguma medida, podem subsidiar uma tomada de consciência sobre os aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos que, de algum modo, condicionaram a insuficiência da participação da comunidade nos processos decisórios no interior da escola. Não se pode prescindir, portanto, desta análise para se avançar no sentido de construir uma cultura de participação.

O sentido da democracia na gestão: o discurso propalado e o efetivado na (não) construção de uma cultura de participação

A definição de políticas historicamente assume uma relação dialética entre o instituinte e o instituído (VEIGA, 2001), ou seja, entre as decisões da mantenedora e as pressões da base. Foram muitas as lutas dos movimentos pela educação que se consubstanciaram nos princípios da Gestão Democrática e em conquistas como: o concurso para professores, a eleição de diretores, a construção do Projeto Político[1]Pedagógico, a autonomia escolar, entre outras. É nesta relação que algumas políticas de governo se convertem em políticas públicas de fato.

Portanto, a autonomia necessária à escola não está dada. A autonomia, segundo Barroso (1996), está por ser construída. E é neste sentido, na relação entre o instituinte e o instituído e na compreensão do que consiste a democracia dos processos de gestão, que se fundamenta e se contextualiza a intencionalidade e os fins da escola. Segundo Paro (1990, p. 18) “a administração é a utilização racional de recursos para a realização de fins determinados […]”.

Portanto, se não tivermos clareza de qual é o FIM ou de quais são os objetivos da escola, outros grupos que representam os interesses que não são das massas trabalhadoras a terão em relação ao que se esperar da escola pública. Os fins da escola estão definidos em meio a um conjunto de interesses distintos, inerentes à forma de organização econômica sob e no capitalismo.

Isso implica em dizer que a forma de organização social pautada na acumulação dos bens, na propriedade privada, na obtenção do lucro, na compra e na venda da força de trabalho e, consequentemente, na reprodução das classes sociais, determina e tem determinado historicamente o sentido da escola. Diante disso, não há como se avançar na democracia escolar se não for pela análise dos aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos, tais como:

1 – A universalização do acesso e controle social;

2 – a incipiente democracia pós abertura democrática ;

3 – a pseudo democracia na escola, velada na eleição de diretores, ainda que se conceba esta como condição para gestão democrática;

4 – a prática do democratismo ao invés da democracia;

5 – a perspectiva neoliberal de gestão e de qualidade que concebe a escola nos princípios da produtividade empresarial e,

6 – a participação na forma de voluntariado no lugar da participação no processo de tomadas de decisão e do controle social.

(1) A finalidade da escola hoje e historicamente pode ser ilustrada a partir de quem ocupa ou ocupou os bancos escolares das unidades públicas de ensino. Ocorre que, segundo Paro, há mais de quatro décadas atrás não tínhamos a totalidade dos nossos jovens e crianças na escola pública. Ela era destinada apenas aos filhos das camadas sociais mais altas e médias da população, cujo objetivo era ocupar as consideradas “boas posições no mercado” (contadores, administradores, políticos e professores).

Hoje vivemos uma grande contradição no que se refere à gestão e à definição de políticas públicas. Anteriormente, a parcela da sociedade economicamente mais favorecida, de alguma forma, exercia mais pressão junto ao Estado (quando não ocupava os cargos públicos); contava com mais recursos e melhores condições para atingir seu objetivo, para “preparar intelectualmente os filhos das famílias mais privilegiadas” (PARO, 2006, p.87).

Hoje, com a necessária universalização do acesso, a escola passa a atender a todos, mas isto implica em atender aos filhos da classe trabalhadora, a qual, não tem tanta força política, ou seja, não responde diretamente aos interesses hegemônicos. Ante a esta universalização, a escola passou a ser oferecida “para todos”, mas não com os mesmos recursos.

Este aspecto implica, segundo Paro, em uma crise de identidade da escola que se configura na crise da definição do seu papel. Atualmente a escola não mais deve se destinar a formar poucos privilegiados com boas profissões: almeja-se uma escola para a democracia, que socialize e democratize o saber como via de enfrentamento e não conformação às desigualdades inerentes à lógica produtivista do capital.

Enfim, o que é uma escola para a democracia?

É democrático na escola: uma educação com qualidade; a socialização do saber construído historicamente pela humanidade; a elevação cultural das massas; o tratamento igualitário a todos; a participação ativa dos cidadãos na vida pública (tendo como exercício desta a tomada de decisões dentro da escola); o exercício da cidadania; a participação dos profissionais e da comunidade escolar; a autonomia de gestão administrativa e pedagógica; a mobilização dos segmentos de gestão a partir de suas várias instâncias – Conselhos Escolares, Grêmios Estudantis, Associação de Pais e Professores, enfim, a construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico.

Ou seja: é também, e essencialmente, na perspectiva do “controle social” que se espraia a concepção de gestão democrática. Ocorre que esta participação, tão sonhada, nem sempre é concreta na escola e nem sempre a própria escola pública tem clareza de como ela deve organizar-se, para expressar-se democraticamente.

(2) A este respeito Prais (1990) contextualiza que ainda não temos uma cultura de participação no âmbito da escola, uma vez que, além de outros determinantes destacados aqui, temos uma incipiente história de democracia. Segundo Prais, com vistas a calar as forças progressistas que tinham seu apoio no governo de Jango, o golpe de 64 no contexto da ditadura procedeu à repressão, arrefecendo a participação política das massas.

Uma das primeiras intenções era abafar as forças de esquerda representadas pelo trabalhador, as quais exigiam do governo as bases de um Brasil economicamente forte a partir da ideia do nacionalismo desenvolvimentista. Neste sentido, pode-se dizer que a ditadura foi do capital com braços militares que se propôs ao combate à ideologia do nacionalismo desenvolvimentista instituindo “o desenvolvimento com segurança” – ideologia nacional da Escola Superior de Guerra. A ditadura imposta pelos militares – com razões burguesas – estrutura seu poder de forma absolutamente centralizadora e acaba com a participação das classes assalariadas.

Neste contexto extinguem-se os partidos políticos, cessam-se direitos, proíbe-se a greve, instauram-se medidas repressivas contra qualquer manifestação civil (AI-5, 1968). A partir de 1974, o descontentamento e a revolta da classe trabalhadora evidenciam o divórcio entre as tendências da sociedade civil e o Estado ditatorial. O modelo econômico entra em crise.

Ainda segundo Prais (1990), no seu conjunto, o período político de 1975-1985 caracterizou-se pelo atrofiamento da sociedade civil, enfraquecimento da participação das classes assalariadas em qualquer tipo de tomada de decisão. Ou seja, ainda que a década de 80, caracterizada pela abertura democrática e pela necessidade de rearticulação da classe trabalhadora, bem como pela liberdade de imprensa, anistia política, reorganização partidária, eleições diretas (1982), pelo fim da fase militar e pelo aumento da tendência à democratização interna da escola, a participação das massas foi severamente afetada pelo conjunto de medidas repressoras pós golpe.

Por outro lado, a administração colegiada, conforme denominação de Prais, ou a gestão democrática, se expressou numa necessidade e conquista histórica movida pela reestruturação da classe trabalhadora, a qual, ainda que arrefecida pelo movimento da ditadura militar, lutou pelos seus direitos democráticos, políticos e sociais no contexto da transição democrática do país. Neste sentido, em suas contradições, o processo de abertura política no país após 1979, possibilitou a reconquista da democracia no interior da escola, ainda que de forma incipiente.

(3) Até este momento, no Brasil, os diretores das unidades escolares eram indicados pelo órgão mantenedor por critérios como confiança ou competência; os regimes de contratos de trabalho dos docentes eram ilegítimos, fato este que acentuava a insegurança funcional dos professores. A partir do movimento de abertura democrática, a eleição de diretores foi conquistada. Contudo, no contexto de uma democracia incipiente e, de certa forma, clientelista ou corporativista não havia se expressado ainda na participação coletiva e organizada no interior da escola.

Embora não se possa conceber Gestão Democrática sem a escolha direta dos diretores por parte dos pais, alunos, professores, funcionários e comunidade escolar, neste contexto ela, de certa forma, acabou encobrindo ou secundarizando o verdadeiro sentido da democracia. A eleição acabou servindo de “cortina de fumaça” para encobrir a falta de participação do interior da escola. Isto significa que, se não for garantida pelo processo democrático de tomada de decisão, a eleição de diretores representa, mas não garante a gestão democrática.

(4) Democracia, no entanto, não se confunde com “democratismo”. O voto do colegiado da escola para uma tomada de decisão, nem sempre expressa o sentido democrático. A grande questão a se fazer na escola é: quem é de fato a maioria para a qual o projeto de escola deve voltar-se? Não é o consenso e, sim, é a maioria pela qual a escola se propõe a defender seus interesses e necessidades.

O consenso não é a expressão da democracia. Ainda que haja um compromisso com o colegiado que elegeu seu representante, o compromisso político da gestão é possibilitar que a democracia na escola se expresse na garantia do acesso à educação (e a uma boa educação). Isto não implica em reunir o colegiado para decidir, por exemplo, a mudança da cor da cortina das salas ou da pintura da escola. Estes e outros exemplos podem ilustrar certa política de adesão ou de coalizão que se resumirá em atos de “democratismos”.

Gestão Democrática, segundo Souza (2006)2 , é o processo político através do qual as pessoas na escola discutem, deliberam e planejam, solucionam problemas e os encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola. Este processo, sustentado no diálogo e na alteridade, tem como base a participação efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar, o respeito a normas coletivamente construídas para os processos de tomada de decisões e a garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos da escola.

Neste sentido, o redimensionamento do papel da escola, enquanto agência de formação, não pode vincular-se meramente à lógica do mercado de trabalho, mas cumprir sua função política e social. Contudo, quando se fala em política não se fala em partidarismos.

Toda ação que remete a uma reflexão e exige uma mudança de postura para uma transformação histórica, é uma ação essencialmente política. É neste sentido que a Gestão Democrática envolve aprendizado e luta política, que vai para além da prática educativa, ou melhor, a partir dela se possibilita a participação efetiva.

(5) É nesta perspectiva que se situa outro aspecto contraditório no âmbito da democratização da escola e, a este respeito, a década de 90 tratou de prestar às políticas públicas nacionais e estaduais um desserviço na compreensão de gestão democrática, em nome da tão propalada gestão compartilhada ou de qualidade total. Segundo Ferreira (2006):

A administração da educação pública, especialmente a gestão escolar, a partir de 1995 até 2002, seguiu as linhas gerais da administração pública gerencial adotada pelo governo federal, assim como as determinações dos organismos multilaterais, os quais incorporam elementos da reestruturação do trabalho capitalista e sua administração, principalmente no que se refere à adoção da gestão por resultados […] No que tange à participação e à responsabilidade da coletividade, as esferas da sociedade civil são chamadas a contribuir por meio de ONGs (Organizações Não- Governamentais), centros comunitários, trabalho voluntário e parcerias privadas, apresentados com um caráter claro de centralização da decisão e descentralização das responsabilidades, focalização e meritocracia, direcionados às comunidades, lançando a estas a responsabilidade de esforçarem devidamente para resolver localmente seus problemas. (p.56)

As reformas de 1990 segundo alguns autores como Oliveira (1997), Paro 1997), Souza (2000), Marrach (2000), Kuenzer (1991), Anderson (1995), Antunes (2004), Sader e Gentili (1995), estão vinculadas à crise de legitimidade do Estado na condução e implementação das políticas no contexto do capital financeiro internacional.

No contexto da abertura econômica e do acirramento da competitividade do capitalismo neoliberal, as políticas educacionais, definidas a partir de 1990, imputaram à escola o papel de cumprir sua função de adequação às novas exigências mercadológicas. Consistem, na prática, na redução de investimentos nos setores públicos (saúde, educação, segurança, etc), bem como em programas implantados de forma autoritária via reformas educacionais.

No âmbito da administração escolar ocorre a transposição de modelos burocráticos, cuja base está na racionalização de custos, na eficiência técnica e na produtividade empresarial. É neste contexto que surge o termo descentralização. Tem-se aí a ideia de desconcentração econômica em nome da descentralização financeira. A tão sonhada autonomia da gestão financeira acabou se expressando na autonomia para buscar recursos financeiros necessários para suprir as carências de recursos públicos destinados à educação pública, haja vista a insuficiência de políticas no contexto da lógica neoliberal.

A autonomia, neste contexto, não é construída, como defende Barroso (1996). Ela é decretada, uma vez que ela vem atrelada ao aumento de tarefas e responsabilidades atribuídas à escola. Segundo alguns dos autores já destacados, na concepção de financiamento apregoada pelo Banco Mundial, a descentralização é a principal ferramenta para a redução de custos do governo nacional, para a produção de uma política voltada para o aproveitamento escolar eficaz e para o controle da produtividade no ensino ( princípios empresariais aplicados à escola).

Todos estes princípios se espraiam de um lado na ideia de preparar a força de trabalho para uma nova forma de produzir na fábrica – mais dinâmica, flexível e competitiva e, de outro lado, de responsabilizar a escola pela insuficiência competitiva do país. Estes aspectos cunharam à escola pública e à gestão uma dimensão absolutamente pragmática. Sob os olhos das reformas neoliberais (já citadas) os problemas educacionais têm sido considerados apenas como resultado de má gestão e do desperdício do Estado, como falta de produtividade e falta de esforço por parte do corpo docente que ainda utiliza métodos atrasados com currículos anacrônicos. (CEPAL, 1992)

O “remédio” seria então a adoção dos conceitos empresariais de produtividade, eficiência e competitividade. É neste contexto e nas “saídas” para administrar os parcos recursos transferidos para as escolas, a partir das políticas de financiamento, que surge o conceito de “Qualidade Total”, de Cosete Ramos (1992), definidos a partir dos indicadores de qualidade empresariais de Edward Deming.

Princípios tais como racionalidade econômica, produtividade, competitividade como método, eficiência e eficácia, dinamismo, criatividade para resolver problemas com falta de recursos, incentivo à busca de sucesso individual, referem-se aos desígnios da “Qualidade Total”. São princípios inerentes às políticas neoliberais que acabam responsabilizando o diretor, o professor e à gestão pela falta de qualidade de ensino.

(6) A ausência de recursos públicos suficientes para gerir todos os aspectos, sejam administrativos ou pedagógicos, da escola foi conciliada pela ideologia do voluntariado (“Amigos da Escola”); dos programas de ajuste idade-série (“Correção de Fluxo”); de gestão (“Pró-Gestão”, que implica na premiação aos diretores que apresentaram melhores resultados e foram mais criativos na busca de recursos); parceria com empresas na educação (“Parceria Público-Privado”); da participação de ONGs e na lógica da participação da comunidade local na perspectiva do provimento de recursos com ações compensatórias que desvirtuaram o caráter efetivamente democrático da gestão escolar.

Estas políticas, portanto, referem-se ao que Nunes (1999) chama de gestão “compartilhada” e não de gestão democrática. A gestão é compartilhada com outras instâncias (voluntários, empresas, ONGs) e, neste sentido, gerenciada pela direção e não “gerida” pelos próprios segmentos que compõem a escola pública e dela necessitam. Por outro lado, a gestão participativa não pode ser confundida com filantropia.

Ainda que o voluntariado seja uma prática tão incitada, especialmente pelos meios de comunicação, ele incorre em dois aspectos complicados para a gestão pública: a desprofissionalização e a secundarização do papel do Estado. O que se tem é uma apologia à gestão participativa, ou melhor, compartilhada que, empunhando bandeiras da democracia, articula-se às necessidades, expectativas e concepções do setor privado em detrimento exatamente ao que é do e para o público.

O diretor não é o líder na acepção empresarial, nem tampouco, é o soberano que deve, com criatividade, empreendedorismo e iniciativa, buscar “parceiros de boa vontade” para superação imediata de problemas cotidianos.

No primeiro aspecto temos que a escola – espaço incontestável de acesso ao conhecimento – não pode prescindir de profissionais preparados e especializados. Ela não é um lugar de ensaio e erro; não se pode pensar na formação humana de forma empírica. Em segundo lugar, lembrando Paro, se antes aqueles que estavam na escola pública eram os que exerciam maior pressão junto ao Estado e, por isso, contavam com maior provimento de recursos e políticas públicas, concluímos que o sentido mais especial da Gestão Democrática está – além da participação coletiva no processo de tomadas de decisão – no controle social.

O sentido da participação no que se concebe como democracia na e para a escola pública: Algumas reflexões conclusivas

Não se pode esquecer o papel fundamental da comunidade, dos cidadãos e dos movimentos organizados na definição de políticas públicas. À medida que a comunidade, incitada pelo ato de solidariedade e boa vontade, estiver na escola fazendo o que caberia às políticas públicas, ela está, ainda que sem se aperceber disto, corroborando para a minimização do papel do Estado.

Cabe ao Estado destinar as políticas necessárias para o bom funcionamento da escola, dentre elas concursos para profissionais da educação, ampliação da estrutura escolar para ir ao encontro do aumento da demanda local, promover políticas de recuperação de estudos, destinar recursos para pequenos reparos, etc. Ou seja, a eleição direta dos diretores – ainda que na perspectiva de indicação da comunidade – e a participação da comunidade são condições para a gestão democrática, mas não se encerram em si mesmas.

Só se pode afirmar a existência de uma gestão democrática, no âmbito da escola, se houver a presença de um Conselho Escolar – não como um aparato formal, mas efetivo. O Conselho Escolar efetivo não é aquele que se reúne para legitimar as decisões do diretor, mas sim para participar do processo coletivo de tomada de decisão, seja na regimentação do Projeto Político[1]Pedagógico (ou na construção do mesmo), assim como na definição do destino dos recursos públicos provenientes do PDDE, do Fundo Rotativo ou das políticas de financiamento do governo federal.

O termo conselho, baseado em consus, se refaz no latim – consilium – que vem de consulo ou conselho: “ouvir alguém, submeter algo a deliberação após ponderação refletida, prudente e de bom senso” (CURY, 2006, p. 47). Tal deliberação vem a partir do diálogo. Para os gregos logos é a dimensão humana que, pela razão e bom senso, evita as guerras e se dissemina pela cidadania. O logos “encontra sua expressão máxima no diálogo público”. Portanto, o Conselho Escolar é um órgão colegiado, representativo da comunidade escolar, organizado para promover a democracia no interior da escola.

O Conselho Escolar tem função deliberativa, consultiva, avaliativa, e fiscalizadora. É representado por todos os segmentos, os quais são eleitos pelos seus pares, aqui consubstanciado pela possibilidade de representação dos Grêmios Estudantis e das Associações de Pais Mestres e Funcionários (APMF).

É bom destacar que a participação da agremiação estudantil, bem como a dos pais, não é uma concessão, é um direito. É ai que se situa a dimensão política pedagógica destas instâncias de gestão, no sentido de que a participação dos alunos, dos pais, dos funcionários e dos professores nos processos decisórios se configura no legítimo exercício da cidadania.

Em outros termos, é possível dizer que é legitima a presença da comunidade participando do processo de tomadas de decisões, participando da construção do Projeto Político-Pedagógico, se organizando nas Associações de Pais e Mestres, nos Grêmios Estudantis e, especialmente, tendo assento nos Conselhos Escolares.

É legitimo também o processo de instrumentalização desta comunidade sobre o sentido de sua participação. Afinal, se a escola é espaço de instrumentalização e socialização do conhecimento (SAVIANI, 1991), ela passa pela tomada de consciência da comunidade sobre o seu papel e o do Estado no destino das políticas públicas. É neste sentido que a Gestão Democrática também se consubstancia no controle social, expressado pelo acompanhamento da comunidade sobre as fontes e o destino dos recursos públicos, bem como sobre os caminhos que devem percorrer para que a escola possa contar com recursos adequados ao provimento de suas necessidades e seus direitos.

É por tudo isso que a Gestão Democrática não é uma concessão, não pode ser decretada ou instituída. Ela é um direito, é uma conquista, é “instituinte” e, como tal, vai para além de compartilhar a gestão. Não se trata, portanto, de abrir uma concessão para a comunidade e para o colegiado expressarem suas expectativas ou realizarem ações de benfeitorias pela escola. É um direito sobre o qual se democratizam as relações, os conhecimentos, os projetos de homem e de sociedade e se lutam por políticas que possam tornar a escola um espaço verdadeiro de produção do conhecimento. Isto implica em fazer com a escola e não pela escola ou pelo Estado.

É por isso, também, que a Gestão Democrática não pode ser mais um clichê. Se ela não for tomada como método e concepção pela escola, pela direção, pelos órgãos colegiados e pelas políticas públicas em nível estadual e federal, a participação continuará sendo um engodo e, mais uma vez, não estaremos contribuindo efetivamente para se consolidar uma cultura de democracia no âmbito da escola.

Assim, a democracia no interior da escola não é apenas um princípio manifesto na legislação e no Projeto Político-Pedagógico e, nem tampouco este pode ser apenas um documento formalista que se faz para entregar para os órgãos mantenedores. A democracia tem que ser assumida como MÉTODO e CONCEPÇÃO!

Assista aos Vídeos Abaixo:

   

   

REFERÊNCIAS:

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Título : Organização do Trabalho Pedagógico

Fonte: Organização do trabalho pedagógico / Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Coordenação de Gestão Escolar. – Curitiba : SEED – Pr., 2010.


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