Violências
Viver em condições de violência provoca graves prejuízos ao desenvolvimento humano, a curto e longo prazo. A violência pode ser mais devastadora quando é cometida por aqueles de quem se espera afeto e proteção, em especial, os pais. Uma das formas mais danosas para a formação da criança é a violência psicológica.
Ocorre quando os adultos sistematicamente 53 rejeitam, depreciam, discriminam, desrespeitam, cobram ou punem exageradamente a criança. É também uma das formas mais frequentes e menos detectada de violência.
Estima-se que 48% dos adolescentes escolares de São Gonçalo já sofreram violência psicológica de pessoa significativa em sua vida (Assis; Avanci, 2004). No gráfico 8 nota-se como a violência familiar se destaca dentre todas as adversidades investigadas neste livro, que foram vivenciadas por crianças.
As formas de violências físicas existentes na família estão mais presentes nas crianças com sintomas de ansiedade e TEPT. A violência física nas famílias é muito comum, envolvendo vários integrantes do núcleo familiar. É uma forma distorcida de comunicação e de relação interpessoal. Costuma atingir todas as classes sociais.
Para o profissional de saúde que lida com crianças é útil indagar sobre as práticas disciplinares utilizadas pela família: quanto mais frequente for a utilização de práticas restritivas e punitivas, mais elevado o risco de violência física e emocional no contexto familiar (Koller, 1999; Assis et al., 2006).
É muito comum que relações autoritárias praticadas sobre as crianças também permeiem as relações dos pais entre si. O “ciclo da violência” costuma enredar todos os membros da família, que reagem de formas diferenciadas.
Léo, uma criança de 8 anos com sintomas de TEPT, é um exemplo de como os sintomas de ansiedade têm solo fértil para se instalarem. Tendo vivido doenças e perdas na família, além do sequestro de parente, está totalmente envolvido em situação de violência familiar.
A violência entre irmãos é muito mais comum do que se pensa. Dentre as crianças de São Gonçalo, 47,4% vivenciaram este tipo de relação agressiva, avaliada através de atos como agressões a ponto de se machucarem ou humilharem um aos outros.
Agressões físicas foram frequentemente relatadas e os ciúmes pela atenção dos pais ou pela divisão de bens materiais foram a tônica que define esse universo relacional, presente entre irmãos de mesmo sangue ou oriundos de diferentes casamentos.
A violência sexual é outra gravíssima situação que pode acometer algumas crianças. Envolve a participação de um agressor em estágio mais avançado de desenvolvimento psicológico e sexual que a criança vítima de violência. Pode ser praticada através de estimulação direta da criança ou a utilizando para obter gratificação sexual, seja ela imposta pela força ou pela sedução.
Nem sempre é acompanhada pelo contato corporal, ocorrendo atos violentos como exibição de partes íntimas para a criança, sexualizando-a precocemente, pornografia infantil e prostituição. É tão mais grave quando envolve figuras de afeto e autoridade como pais, irmãos ou outros familiares. Profissionais de saúde podem ajudar às crianças e familiares em situação de violência na família se os orientarem sobre outros métodos educativos, que não a agressão física, e sobre as consequências para as crianças de serem humilhadas, rejeitadas ou agredidas física ou sexualmente.
Também têm importante função social ao acionar a rede social de apoio para esta criança e família. Os profissionais que trabalham em serviços de saúde além de prestarem um serviço singular no atendimento às vítimas de violência, podem compartilhar os casos com colegas e direção da Unidade, trocando ideias sobre encaminhamento e condutas necessárias. Para que a as ações sejam eficazes, investir no conhecimento sobre o tema e sobre as formas de atendimento é também passo importante para cada profissional.
Essas formas de violência podem alcançar a criança nos seus diversos âmbitos de convivência, ou seja, no seu seio familiar, escolar, na vida comunitária e na sociedade em geral. Além dessas formas de violência, crianças estão submetidas à violência estrutural em uma sociedade profundamente desigual como a brasileira. No gráfico 9 vemos que os sintomas ansiosos e de TEPT são mais frequentes entre as crianças que passaram por quase todas as formas de violências ocorridas na escola e comunidade.
A insegurança de viver em situação de risco na vizinhança e ser testemunha de roubo ou ferimentos por armas de fogo são mais comuns nas crianças com sintomas de ansiedade e de TEPT, se comparadas a crianças que nunca passaram por tais situações.
A violência na comunidade é uma situação traumatizante para a criança. Está relacionada à violência social, sendo comprovadamente mais presente nas localidades onde a população tem menor poder aquisitivo e onde faltam recursos institucionais protetores de saúde, educação, habitação e segurança pública.
Manifesta-se por relações baseadas em meios agressivos de solução de conflitos nos locais em que as famílias residem, frequentemente com criminosos dominando o território e cerceando o direito de ir e vir. Além dos efeitos deletérios da convivência em áreas de elevado risco, o medo originado pelo descontrole e insegurança toma lugar de destaque nessas áreas, sendo tão limitador quanto os reais eventos que ocorrem.
Destaca-se o sentimento de perigo na vizinhança, que tem um caráter ampliado e abstrato, e depende da representação que cada pessoa faz do que entende como “perigo”. A vivência em localidades violentas pode levar as pessoas que nelas vivem a perceberem a violência como parte da vida cotidiana, impactando-as emocionalmente no sentido da naturalização do fato, mesmo na presença de abalos à saúde mental.
Um estudo realizado com crianças em situação de violência aguda mostrou como a representação da violência sofrida varia muito entre os indivíduos, dependendo: da proximidade em relação ao evento traumático, da história de vida de cada um e dos mecanismos subjetivos e relacionais que cada pessoa conta quando se confronta com situações adversas.
Um exemplo típico é o de surgimento de TEPT após um tiroteio ocorrido em escola norte-americana (Pynoos; Nader, 1989). A violência na escola prejudica crianças, especialmente por destruir a confiança na instituição – naturalmente reconhecida como fonte de proteção. Esta forma de violência comumente desencadeia temor de ir à escola.
Profissionais de saúde que atendem crianças podem ajudar mais na detecção de sintomas de ansiedade frente a violências na escola e na comunidade. Seja qual for a situação adversa vivida pela criança e sua família, é importante que o profissional de saúde escute com carinho e atenção às crianças, que as atenda e as encaminhe, quando necessário à outras instituições que possam atuar como rede de proteção para as mesmas, a exemplo de outros serviços de saúde, assistência social ou de justiça. Pensar em interações com o Programa Saúde na Família ou com serviços de saúde escolar podem ser outra fonte de ajuda para apoiar as crianças e famílias com quadro de grande gravidade.
REFERÊNCIAS:
Assis, Simone Gonçalves de Ansiedade em crianças: um olhar sobre transtornos de ansiedade e violências na infância / Simone Gonçalves de Assis; Liana Furtado Ximenes; Joviana Quintes Avanci; Renata Pires Pesce. — Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ENSP/CLAVES/CNPq, 2007. 88p. (Série Violência e Saúde Mental Infanto-Juvenil)
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