A discalculia do desenvolvimento é um transtorno que afeta as habilidades matemáticas e caracteriza-se por dificuldades na realização de operações matemáticas, tendo como provável causa disfunções cerebrais específicas (PAIN, 1985). Nas palavras de Garcia,
[…] a discalculia é um distúrbio neurológico que afeta a habilidade com números. É um problema de aprendizado independente, mas pode estar também associado à dislexia. Tal distúrbio faz com que a pessoa se confunda em operações matemáticas, fórmulas, sequência numérica, ao realizar contagem sinais numéricos e até na utilização da matemática no dia-a-dia (GARCIA, 1998, p. 37).
O DSM-5 (2014, p. 66) define discalculia como “um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades caracterizado por problemas no processamento de informações numéricas, aprendizagem de fatos aritméticos e realização de cálculos precisos ou fluentes.” As dificuldades podem ser no senso numérico, memorização de fatos numéricos, precisão ou fluência de cálculo e/ou precisão no raciocínio matemático. Segundo o referido manual, os critérios diagnósticos são:
5) Dificuldades para dominar o senso numérico, fatos numéricos ou cálculo (p. ex., entende números, sua magnitude e relações de forma insatisfatória; conta com os dedos para adicionar números de um dígito em vez de lembrar o fato aritmético, como fazem os colegas; perde-se no meio de cálculos aritméticos e pode trocar as operações).
6) Dificuldades no raciocínio (p. ex., tem grave dificuldade em aplicar conceitos, fatos ou operações matemáticas para solucionar problemas quantitativos). (DSM-5, 2014, p. 66
Assim como a dislexia e a disortografia, a discalculia afeta pessoas com inteligência dentro do esperado e sua provável causa é neurológica. Portanto, as dificuldades não se devem a comprometimento cognitivo, deficiência intelectual, nem a aspectos emocionais, pedagógicos e socioculturais.
Características da discalculia
A discalculia também não tem uma apresentação única, sua manifestação não é uniforme. Cada aluno pode apresentar diferentes dificuldades com variados níveis de gravidade. Nesta perspectiva, seguem algumas características que podem estar presentes nos indivíduos com o transtorno (FARRELL, 2015).
- Dificuldade para aprender a contar;
- Problemas associados à compreensão de números;
- Dificuldades em realizar cálculos simples, como adição;
- Inversão de números (exemplo: 6 por 9);
- Dificuldade na leitura de números com muitos dígitos;
- Dificuldade com conceitos relativos (exemplo: mais/menos);
- Inversão na escrita dos numerais (exemplo: ɛ em vez de 3);
- Alinhar mal os símbolos (exemplo: aluno deseja escrever 1,12 mas escreve 11,2);
- Nomear, ler e escrever incorretamente símbolos matemáticos;
- Errar sinais das operações (exemplo: 30 – 10 = 40);
- Confusão de símbolos semelhantes, mas possuem orientação diferente (exemplo: + e x);
- Dificuldades em associar um número com uma situação da vida real (exemplo: vincular o número “2” à possibilidade de ter 2 balas, 2 livros, 2 pratos);
- Repetir um ou mais números numa série numérica (exemplo: 1, 2, 4, 4, 5, 6, 7, 7, 8, 9);
- Intercalar um ou mais números não pertencentes à série (exemplo: listar números pares – 2, 4, 5, 6, 8, 9, 10);
- Problemas na associação do número e seu conceito (exemplo: incapacidade para associar o número 5 ao conceito de cinco);
- Inversão na posição dos algarismos. (exemplo: 37 por 73);
- Dificuldades para reconhecer e discriminar figuras geométricas (exemplo: triângulo, quadrado);
- Falha na ordenação de colunas para montar o algoritmo, conforme figura 25
Além destas características, o indivíduo com discalculia também pode apresentar, em variados níveis: dificuldades em diferenciar direita e esquerda; em cima e embaixo; problemas com orientação espacial e dificuldade em lidar com grande quantidade de informação.
Também pode haver problemas de atenção, o que intensifica as dificuldades. A desatenção pode ser em decorrência da presença concomitante do TDAH ou resultar da ansiedade despertada ante as limitações percebidas. A matemática faz parte do nosso cotidiano.
Talvez você já tenha escutado alguém dizer “vou fazer tal curso porque não tem matemática”, mas você já se deu conta de que ela está presente em vários momentos de nossa vida, independente do que estudamos? Fazer compras, calcular o valor dos produtos, conferir o troco, calcular o tempo que levamos até chegar na escola, saber as medidas para fazer um bolo, entre tantas outras atividades corriqueiras requerem habilidades matemáticas.
Adaptações e recomendações em sala de aula
A fim de diminuir o impacto das dificuldades apresentadas pelo estudante com discalculia, bem como explorar seus potenciais, seguem sugestões de adaptações e recomendações possíveis de serem adotadas em sala de aula:
- Usar papel quadriculado, especialmente com alunos que tenham dificuldade com o espaçamento entre os números e em organizar as colunas de cálculos, permitindo que cada número esteja em um quadrado diferente;
- Orientar o aluno sobre a direção do cálculo utilizando de flechas;
- Incentivar o aluno a ler em voz alta os problemas matemáticos, mesmo que não sejam problemas verbais (exemplo: 4+5=: “quatro mais cinco, igual a”);
- Apresentar os problemas matemáticos de forma prática, utilizando exemplos do cotidiano;
- Oportunizar o uso de material concreto que possa ser manipulado (exemplo: material dourado, ábaco);
- Possibilitar o uso da calculadora;
- Abordar de diferentes maneiras os fatos aritméticos (exemplo: não estimular apenas a memorização da tabuada);
- Explicar ideias e problemas de forma clara e objetiva, incentivando o aluno a questionar;
- Priorizar um lugar tranquilo, com poucas distrações. Comumente a atenção do aluno com discalculia está prejudicada;
- Oferecer tempo extra para a realização das tarefas;
- Valorizar o raciocínio matemático mais que a realização do cálculo em si;
- Introduzir os conteúdos de acordo com os conhecimentos do aluno, especialmente ao considerar que a matemática tem natureza cumulativa, portanto, não é recomendado avançar para problemas mais complexos enquanto habilidades mais básicas não forem adquiridas;
- Oferecer materiais de referência (exemplo: tabuadas, fórmulas e calculadora), principalmente na realização de tarefas avaliativas cujos problemas exijam a realização de vários passos sequenciais para se chegar à resposta, dando oportunidade para que o aluno demonstre ter entendido a atividade, mesmo que tenha dificuldades com os cálculos;
- Dividir as explicações e atividades em etapas menores, cuidando para que o aluno compreenda o quadro global da tarefa;
- Utilizar abordagens multissensoriais (visuais, auditivas e cinestésicas). Caso o professor identifique o canal sensorial preferido do aluno, assegurar que esse seja mais utilizado e estimulado;
- Utilizar jogos que ajudam a reduzir a ansiedade e auxiliam na concentração e atenção;
- Quando o aluno apresentar dificuldades com a orientação dos números, como confusão entre 6 e 9 / 2 e 5, utilizar abordagens cinestésicas (exemplo: escrever o número em um recipiente de areia, construir o número com massa de modelar).
PREVALÊNCIA: É difícil estimar a prevalência da discalculia, pois ela nem sempre é vista como uma condição isolada. Com frequência as dificuldades matemáticas aparecem associadas à dislexia e à dispraxia, e as intervenções precisam ser planejadas nesse contexto.
Termo do glossário: praxia “é a capacidade de realizar um ato motor, mais ou menos complexo, anteriormente aprendido, de forma voluntária” (LEONHARDT; FORNER, p. 292, 2016) e a dispraxia é o comprometimento do planejamento da função motora.
Título : Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem
Autoras : Josieli Piovesan, Juliana Cerutti Ottonelli , Jussania Basso Bordin e Laís Piovesan
Fonte:Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem [recurso eletrônico] / Josieli Piovesan … [et al.]. – 1. ed. – Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.
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