A dislexia é o transtorno específico de aprendizagem mais comum e está presente em todos os lugares do mundo, apresentando diferentes estimativas de prevalência. No Brasil, a estimativa é de 5%, na Itália de 3%, nos Estados Unidos entre 5 e 6% e no Japão, que tem o menor índice, 1% (ALTREIDER, 2016).
Apesar da alta ocorrência, a dislexia é subdiagnosticada no Brasil, ou seja, acredita-se que muitas pessoas possuem o transtorno, mas não receberam o diagnóstico, portanto, desconhecem sua condição. Isso se deve ao limitado conhecimento acerca de seus sintomas e manifestações clínicas. Este cenário contribui para que muitos alunos sejam rotulados de preguiçosos, “burros” e inaptos, ceifando assim suas oportunidades de aprendizagem.
Mas, afinal, o que é a dislexia?
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A partir do texto acima você conseguiria definir o que é a dislexia?
Possivelmente você teve dificuldades para compreendê-lo. Para algumas pessoas com dislexia é assim que as letras aparecem e é assim que eles escreveriam. Vejamos o que diz o trecho acima:
ATENÇÂO: a dislexia é um transtorno de aprendizagem que se caracteriza por dificuldades na leitura, escrita e soletração. Não é uma doença, trata-se de um funcionamento peculiar do cérebro para o processamento da linguagem.
Agora, vamos compreender um pouco mais esse transtorno. A International Dyslexia Association (2013) apud RODRIGUES e CIASCA (2013) define dislexia como:
[…] um transtorno específico de aprendizagem, de origem neurológica. Acomete pessoas de todas as origens e nível intelectual e caracteriza-se por dificuldade na precisão (e/ou fluência) no reconhecimento de palavras e baixa capacidade de decodificação e de soletração. Essas dificuldades são resultados de déficit no processamento fonológico, que normalmente está abaixo do esperado em relação a outras habilidades cognitivas (IDA, 2013 apud RODRIGUES; CIASCA, 2016, p. 87).
A dislexia caracteriza-se por um prejuízo na capacidade para processar informações de forma eficaz e precisa. É marcada por dificuldades na aprendizagem e no uso de habilidades acadêmicas que estão abaixo do esperado para a idade cronológica, o que interfere no desempenho do indivíduo, seja em sua vida acadêmica ou profissional.
Segundo o DSM-5 (2014, p.67), pode ser definida como “um termo alternativo usado em referência a um padrão de dificuldades de aprendizagem caracterizado por problemas no reconhecimento preciso ou fluente de palavras, problemas de decodificação e dificuldades de ortografia.” De acordo com o referido Manual, o diagnóstico da dislexia requer a identificação de pelo menos um dos seguintes sintomas:
-
Leitura de palavras é feita de forma imprecisa ou lenta, demandando muito esforço. A criança pode, por exemplo, ler palavras isoladas em voz alta, de forma incorreta (ou lenta e hesitante); frequentemente, tenta adivinhar as palavras e tem dificuldade para soletrá-las;
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Dificuldade para compreender o sentido do que é lido. Pode realizar leitura com precisão, porém não compreende a sequência, as relações, as inferências ou os sentidos mais profundos do que é lido;
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Dificuldade na ortografia, sendo identificado, por exemplo, adição, omissão ou substituição de vogais e/ou consoantes;
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Dificuldade com a expressão escrita, podendo ser identificados múltiplos erros de gramática ou pontuação nas frases; emprego ou organização inadequada de parágrafos; expressão escrita das ideias sem clareza (DSM-5, 2014, p. 66).
Todavia, a simples presença de um ou mais sintomas não é suficiente para o diagnóstico de dislexia, uma vez que estas dificuldades podem ser decorrentes de outras condições, como: deficiência intelectual e sensorial; síndromes neurológicas; transtornos psiquiátricos e fatores de ordem socioambiental e emocionais.
Termo do glossário: deficiência sensorial se caracteriza pelo não-funcionamento (total ou parcial) de algum dos cinco sentidos. A surdez e a cegueira são os exemplos mais comuns de deficiência sensorial.
Sendo assim, na avaliação dos sintomas de dislexia deve-se atentar para os seguintes critérios (DSM-5, 2014):
- As dificuldades devem estar presentes há pelo menos seis meses e persistirem apesar de intervenção dirigida;
- As habilidades acadêmicas estão qualitativamente abaixo do esperado para a idade cronológica, o que deve ser avaliado através de testes individuais e avaliação clínica;
- As dificuldades iniciam-se durante os anos escolares, mas podem não se manifestar completamente até que as exigências acadêmicas excedam a capacidade limitada do indivíduo.
- Deve-se descartar outras possíveis causas para as dificuldades, como: deficiências, transtornos neurológicos e psiquiátricos, instrução acadêmica inadequada ou falta de proficiência na língua de instrução acadêmica. Exemplo: um aluno que residia na Argentina e se muda para o Brasil poderá ter dificuldades em ler e escrever em português por não dominar a nossa língua.
Características da dislexia
Embora a dislexia se caracterize por dificuldade de leitura, escrita e ortografia indicada por um desempenho em letramento abaixo do esperado para a idade, a sua manifestação não é homogênea. Nem todos os indivíduos terão as mesmas características e a mesma gravidade dos sintomas. Portanto, é essencial um olhar atento à singularidade de cada um para que não incorramos no erro de generalizações.
Algumas características da dislexia são comuns e aparecem com mais frequência, conhecê-las é fundamental. Especialmente ao considerar que, geralmente, o professor é o primeiro a suspeitar do transtorno. Diante disso, seguem algumas manifestações que PODEM estar presentes nos indivíduos com dislexia (FARRELL, 2015; RODRIGUES; CIASCA, 2016; ALTREIDER, 2016; DSM-5, 2014).
- dificuldade acentuada em fazer a correspondência entre letra e som;
- confusão de letras que possuem formas semelhantes (exemplo: u e n);
- dificuldade acentuada em ler palavras, mesmo que simples;
- inversão total ou parcial de palavras e números (exemplo: sol – los);
- substituição de palavras por outras de estrutura similar ou criação de palavras com significado diferente (exemplo: travessa – atravessava);
- dificuldade em diferenciar letras que possuem um ponto de articulação comum e cujos sons são acusticamente próximos (exemplo: d – t);
- confusão de letras com grafia similar, mas com diferente orientação no espaço (exemplo: b e d; ajuda – aduja);
- dificuldade para separar e sequenciar sons (exemplo: p – a – t – o);
- omissão ou adição de letras e sílabas (exemplo: bata em vez de batata – ocarro em vez de carro);
- dificuldade para perceber a diferença entre p – q – d – b, o que se deve a prejuízos na percepção e orientação espacial;
- erros de leitura (sem conexão entre fonemas/grafemas) (exemplo: ler panela em vez boneca);
- leitura silábica, hesitante e com erros;
- dificuldade em compreender o que leu;
- dificuldade para copiar do quadro e ter mais facilidade em copiar de materiais que estejam mais próximos;
- ortografia muito ruim;
- pronúncia ruim ou supressão de partes de palavras longas e multissilábicas (exemplo: tempo em vez de tempestade) e confusão entre palavras com sons semelhantes (exemplo: comestível e combustível);
- dificuldade para lembrar datas, nomes e números de telefone;
- dificuldade na organização do tempo (exemplo: concluir uma prova, temas de casa ou testes);
- lê a primeira parte de uma palavra e depois tenta adivinhar o restante (exemplo: lê cama quando a palavra é caminhão);
- tendência à recusa em situações de leitura.
Termo do glossário: fonema: são as unidades SONORAS empregadas para formar e distinguir palavras. Grafema: São as letras e demais SÍMBOLOS GRÁFICOS que constituem um sistema de escrita.
Importante destacar que, apesar das manifestações acadêmicas acima citadas serem os sintomas mais aparentes e, portanto, fáceis de serem reconhecidos por pais e educadores, há outros aspectos que costumam estar presentes nos indivíduos com dislexia, como: comprometimento da linguagem, desatenção, dificuldade na coordenação motora, prejuízo das funções executivas, entre outros (CARROLL, 2005; LIMA; AZONI; CIASCA, 2015).
Termo do glossário: as funções executivas são habilidades que, integradas, capacitam o indivíduo a tomar decisões, avaliar e adequar seus comportamentos e estratégias, buscando a resolução de um problema. (BRIDIFILHO, BRIDI, 2016)
Nem todas essas características acima citadas estarão presentes e com a mesma intensidade em todos os indivíduos com o transtorno. Além disso, no processo de alfabetização algumas dessas dificuldades poderão estar presentes, o que se deve à aquisição da leitura e escrita e não necessariamente à ocorrência do transtorno.
Diagnóstico
O diagnóstico da dislexia não é tarefa fácil, exige uma avaliação abrangente com profissionais qualificados e só pode ser feito após o início da educação formal (DSM-5, 2014). Para Altreider (2016), até o 3º ano do ensino fundamental só falamos em hipótese diagnóstica. O diagnóstico é essencialmente clínico e envolve:
- investigação da história familiar, pois o fator hereditário associado ao transtorno acarreta maior prevalência entre membros da mesma família;
- investigação da trajetória educacional do aluno (dificuldades atuais e pregressas, habilidades, progressos, alterações no desempenho, mudanças de escola, relação com colegas e professores, etc.);
- investigação do desenvolvimento neuropsicomotor (informações da gestação, idade que caminhou, surgimento da linguagem, etc.);
- avaliações e testes padronizados (aplicação de testes de avaliação cognitiva e psicopedagógica).
Sendo assim, uma única fonte de informação não é suficiente. Neste contexto, o relato dos professores é essencial e indispensável, uma vez que é ele que acompanha o aluno, conhece suas dificuldades e sua trajetória acadêmica (DSM5, 2014; ALTREIDER, 2016).
Para fins de diagnóstico, deve-se descartar: problemas sensoriais (como de audição e de visão), deficiência intelectual, transtornos neurológicos, falta de proficiência na língua ou demais aspectos psicossociais que possam interferir na aquisição das habilidades de leitura, escrita e soletração.
Somente a partir de uma avaliação extensiva é que o diagnóstico da dislexia é possível, pois, como visto anteriormente, dificuldades na leitura e escrita podem estar relacionadas a muitos fatores e nem sempre se devem a um transtorno de aprendizagem. Um aspecto a ser considerado no diagnóstico da dislexia é a alta presença de comorbidades.
A associação com transtornos de ansiedade, depressão, TDAH, discalculia, entre outros é frequente, o que implica na necessidade de um olhar integral ao aluno. Ademais, a presença da dislexia tem repercussões na escola, na família e nos relacionamentos interpessoais, que precisam ser reconhecidos e considerados (LIMA; SALGADO; CIASCA; 2011).
Adaptações e recomendações em sala de aula
Rodrigues e Ciasca (2016), imbuídos da proposta da International Dyslexia Association, sugerem adaptações no contexto escolar com vistas a facilitar a condução adequada do processo de ensino-aprendizagem de alunos com dislexia. Dentre elas, destacam-se:
- Oferecer instruções curtas e simples, destacando as partes, palavras ou informações mais importantes para o aluno;
- Repetir as instruções e orientações. Caso o aluno tenha dificuldades em seguir instruções, pode-se solicitar que ele repita com suas palavras o que ele compreendeu. Quando uma instrução tiver várias etapas, sugere-se dividi -las ou apresentá-las uma de cada vez;
- Priorizar textos mais curtos. Se a atividade for extensa, dividir em tarefas menores;
- Ajustar os conteúdos a serem trabalhados num nível crescente de dificuldade;
- Escrever, no início da aula, palavras-chave no quadro ou desenhar breves esquemas visuais, a fim de organizar e apresentar o conteúdo que será explanado;
- Disponibilizar tempo extra para o aluno concluir a tarefa;
- Incentivar e, se necessário, ensinar o aluno a utilizar agendas, calendários e organizadores para que fique atento a datas e prazos de atividades acadêmicas;
- Auxiliar na organização da carteira e das tarefas;
- Adequar trabalhos e pesquisas de acordo com a demanda do aluno;
- Utilizar dispositivos que auxiliem na memorização das informações;
- Combinar informação verbal e visual. Não trabalhar somente com o texto como fonte de informação;
- Escrever claro e espaçado no quadro, delimitando as partes da lousa (duas ou três partes no máximo) com uma linha divisória vertical bem forte. Utilizar cores de giz/pincel diferentes para delimitar;
- Utilizar recursos eletrônicos, “tablets”, leitores eletrônicos, dicionários, audiolivros, calculadoras, papéis quadriculados para atividades matemáticas, entre outros;
- Oportunizar que o aluno faça gravações da aula para que, se necessário, possa reproduzir o áudio em casa com o objetivo de esclarecer dúvidas;
- Proporcionar atividades em grupo, em pares e individuais;
- Possibilitar ao aluno experiências práticas acerca do conteúdo abordado;
- Organizar e manter rotinas diárias. Muitos alunos têm dificuldade em organizar-se com autonomia;
- Posicionar o aluno próximo ao professor. Para aqueles com dificuldades de atenção, evitar lugares com muitos estímulos (exemplo: janelas, porta);
- Investigar e valorizar os conhecimentos prévios que o aluno tem sobre o assunto da aula e estimular que faça inferências e ligações com o conteúdo;
- Avaliar o aluno contemplando diferentes estratégias (apresentações orais, discussões, avaliações escritas, provas com múltipla escolha, entre outras);
- Valorizar respostas orais, uma vez que a emissão oral é comparativamente muito melhor do que a escrita;
- Cuidar para não expor o aluno, muitos terão dificuldades em ler em voz alta.
Salientamos que estas recomendações precisam ser avaliadas considerando a singularidade de cada aluno. Outrossim, tais adaptações não são para privilegiar o aluno com dislexia, mas são essenciais por se compreender que suas dificuldades são reais. Assim, é importante que o professor atente para as necessidades do aluno, que oriente os pais quanto à melhor maneira de auxiliar em casa e que atue em parceria com outros profissionais que atendem o aluno.
No Quadro 7 são apresentadas algumas pessoas famosas que têm dislexia e depoimentos acerca das dificuldades vivenciadas, demonstrando que, apesar dos desafios, o transtorno não é um limitador da capacidade de autorrealização.
Título : Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem
Autoras : Josieli Piovesan, Juliana Cerutti Ottonelli , Jussania Basso Bordin e Laís Piovesan
Fonte: Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem [recurso eletrônico] / Josieli Piovesan … [et al.]. – 1. ed. – Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.
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