Falaremos brevemente sobre alguns outros transtornos, menos comuns em crianças: transtorno obsessivo-compulsivo, fobia social, transtorno do pânico e agorafobia.
Transtorno obsessivo-compulsivo
Relato da psicóloga sobre a entrevista com a mãe de Alan
A mãe falou muito pouco e muito baixo durante toda a entrevista, parecendo muito deprimida. Alan tem vários tiques nervosos e compulsões. Segundo a mãe, ele tem mania de repetir uma palavra “tineli”. Ele repete quando alguém briga com ele ou quando ele fica nervoso. Alan repete compulsivamente a palavra “doneli” e os tiques nervosos vão mudando e ficando piores, especialmente quando as crianças ficam zombando dele, principalmente o irmão. Alan lava as mãos três vezes, bate à porta três vezes, faz tudo três vezes. Se alguém encostar em seu prato ou copo, ele não come mais. Se o irmão encostar em Alan ou em suas coisas, fica se limpando. Acha que vai virar “viado” se algum homem o abraça ou encosta nele. Nessas ocasiões, fica se limpando. A única pessoa que pode encostar em Alan é a mãe, que acha essa situação engraçada. A avó que mora com a família diz que Alan é maluco, que a mãe tem que procurar um tratamento porque ele não é normal. A mãe diz que Alan piorou depois que o pai morreu, quando começou a fazer tudo três vezes.
Alan, 8 anos, sintomas de ansiedade, pai assassinado.
Obsessões são ideias, pensamentos, impulsos ou imagens persistentes, que são vivenciados como intrusivos e inadequados e causam acentuada ansiedade ou sofrimento. Entre os exemplos de obsessões mais comuns estão:
- contaminação (medo de ser contaminado ao apertar as mãos das pessoas);
- dúvidas repetidas (imaginar que deixou uma porta destrancada, ou se questionar/ficar em dúvida se machucou alguém);
- organização/ordem (sofrimento acentuado quando as coisas estão desorganizadas ou fora de ordem);
- impulsivos agressivos ou horrorizantes (pensamento de machucar um familiar ou falar palavrões em momentos não apropriados);
- imagens sexuais (imagem de conteúdo sexual).
Compulsões são comportamentos repetitivos (por exemplo, lavar as mãos, ordenar, verificar) ou atos mentais (orar, contar, repetir palavras em silêncio) cujo objetivo é prevenir ou reduzir a ansiedade ou sofrimento, em vez de oferecer prazer ou gratificação.
Costumam ser mais presentes em crianças do que as obsessões. A criança com transtorno obsessivo-compulsivo pode tentar evitar o pensamento, imagem, obsessão com algum outro pensamento ou ação, desencadeando a compulsão, com ações excessivas e em desacordo com a realidade.
Assim, ao temer se contaminar ao segurar as mãos de outra pessoa, lavará suas próprias mãos até que se sinta menos ansioso. Isso faz com que lave as mãos muitas vezes e durante muito tempo. O início do transtorno obsessivo-compulsivo dá-se mais cedo em homens (dos seis aos quinze anos) que em mulheres (dos vinte aos vinte e nove anos).
É mais comum em meninos e os sintomas na infância são os mesmos que na idade adulta. As obsessões ou compulsões recorrentes consomem tempo e causam prejuízo ou sofrimento. Para o diagnóstico do transtorno obsessivo-compulsivo, os comportamentos compulsivos precisam consumir mais de uma hora por dia e redundarem em sofrimento significativo com prejuízo na vida social e escolar.
Crianças com este transtorno geralmente começam a apresentar queda de rendimento gradual na escola, dificuldade de concentração, dificuldades sociais e de relacionamento com pessoas próximas (APA, 2002). Não há informação sobre a presença de traumas no surgimento do transtorno obsessivo-compulsivo, mas exacerbações dos sintomas podem estar relacionados a vivência de estresses.
Fobia social
Medo acentuado e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho, quando a criança se depara com pessoas estranhas, com possível avaliação de outras pessoas ou com a necessidade de desempenhar alguma tarefa. Este medo interfere na vida, no desempenho social e escolar.
Por exemplo, a criança com fobia social pode até apresentar um trabalho para sua turma, mas sente-se muito ansiosa, tem preocupações se as pessoas estão percebendo que ela está embaraçada (com as mãos tremendo, tremor na voz) ou que as pessoas achem que seja maluca ou estúpida. O início dos sintomas pode se dar após experiência estressante ou humilhante.
O transtorno só pode ser identificado em crianças e adolescentes até 18 anos se tais sintomas permanecerem por no mínimo seis meses. É mais comum surgir na adolescência, emergindo a partir de uma história de inibição social ou timidez na infância.
Ao se defrontar com essas situações sociais, a criança ou adolescente sente forte ansiedade e queixas somáticas como tremores, palpitações, desconforto gastrointestinal, rubor facial, confusão, tensão muscular. Pode até ter ataques de pânico diante da situação temida. A criança pode não reconhecer que seu medo é irracional ou excessivo, diferente dos adultos e adolescentes que reconhecem a irracionalidade do medo.
A criança com esse transtorno faz de tudo para evitar estas situações. Pode até conseguir suportar a situação, mas com sensação de pavor. Denomina-se fobia social generalizada quando os medos estão relacionados a uma ampla gama de situações sociais, como iniciar ou manter conversas, encontrar-se com pessoas do sexo oposto, comparecer a festas e escrever em público.
Essas crianças tendem a ter baixa auto-estima, sentimentos de inferioridade e hipersensibilidade às críticas, o que as deixam com uma rede de apoio social diminuída. Podem apresentar notas baixas por conta do medo e ansiedade nos testes, falta de participação em sala de aula e ansiedade durante os trabalhos de grupo. Inclusive podem apresentar fobia escolar por conta do medo de se relacionar com colegas e professores e de situações em que seu desempenho é avaliado.
Outras características específicas que podem acontecer às crianças são: choro, ataques de raiva, imobilidade, comportamento de estar junto permanentemente a uma pessoa na família e recusar-se a participar de brincadeiras em grupo.
Em crianças a fobia social pode ser considerada grave porque pode prejudicar o desempenho da criança nas tarefas, não permitindo que alcance um nível esperado de funcionamento. Também o isolamento é muito prejudicial, comprometendo o desenvolvimento afetivo da criança e sua capacidade de interagir com outras pessoas.
Transtorno de pânico
Presença de ataques de pânico recorrentes e inesperados, seguidos por pelo menos um mês de preocupação persistente acerca de ter outro ataque, das suas possíveis implicações ou consequências ou por alteração comportamental significativa relacionada aos ataques. É pouco comum em crianças. É mais frequente no final da adolescência e na idade adulta.
Os sintomas podem se iniciar e se exacerbar mediante a ocorrência de perdas, tais como rompimentos de relacionamentos importantes. O transtorno de pânico se caracteriza por período de intenso medo ou desconforto, no qual quatro (ou mais) de treze sintomas somáticos ou cognitivos estão presentes: palpitações ou taquicardia; sudorese; tremores ou abalos; sensações de falta de ar ou sufocamento; sensações de asfixia; dor ou desconforto torácico; náusea ou desconforto abdominal; sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio; desrealização (sensações de irrealidade) ou despersonalização (estar distanciado de si mesmo); medo de perder o controle ou enlouquecer; medo de morrer; parestesias (anestesia ou sensações de formigamento); calafrios ou ondas de calor.
Os sintomas desenvolvem-se abruptamente e alcançam um pico em dez minutos. Pode vir acompanhado de agorafobia, que é ansiedade de estar em locais de difícil fuga ou onde considera ser difícil obter socorro, caso tenha ataques de pânico. Deste modo, a criança pode apresentar medo de estar em multidões, filas, pontes, ônibus, trem, automóvel, sair de casa desacompanhada, podendo evitar estas situações ou suportá-las com dificuldade.
REFERÊNCIAS:
Assis, Simone Gonçalves de Ansiedade em crianças: um olhar sobre transtornos de ansiedade e violências na infância / Simone Gonçalves de Assis; Liana Furtado Ximenes; Joviana Quintes Avanci; Renata Pires Pesce. — Rio de Janeiro: FIOCRUZ/ENSP/CLAVES/CNPq, 2007. 88p. (Série Violência e Saúde Mental Infanto-Juvenil)
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