Após conhecer a tradição do pensamento curricular, neste tópico, estudaremos as mudanças ocorridas no campo de estudo do currículo, com a emergência das teorias curriculares críticas, que elaboram críticas ao currículo tradicional, a partir de categorias de estudos como:
Estudos sobre a história dos currículos (SILVA, 2009) situam a emergência das teorias curriculares críticas no contexto de transformações políticas, sociais e culturais na década de 1960. Nessa década, países como Europa, Estados Unidos e Brasil enfrentavam diferentes crises e vivenciaram grandes conflitos, assim como foram palco de movimentos sociais que lutavam por melhorias e mudanças na sociedade. Dentre os acontecimentos dessa época, pode-se citar:
Nesse cenário de críticas e lutas, observa-se também, no âmbito da produção acadêmica, em vários locais, a emergência da literatura que questiona o pensamento educacional tradicional, os quais contribuíram para a reconceptualização do currículo.
Em conjunto, as teorias críticas não se preocupam em estabelecer modelos ou técnicas de organização do currículo, mas em questionar e desenvolver conceitos que levem a compreensão sobre o que o currículo faz com as pessoas. O curriculista brasileiro, Tomaz Tadeu da Silva (2009), pontua que, na França, os ensaios sociológicos de Althusser, Bourdieu e Passeron, Baudelot e Establet revelaram que as experiências vivenciadas na escola contribuíam para manutenção da divisão e hierarquização das classes sociais.
Esses teóricos elaboraram análise sobre o papel da escola na reprodução dos valores sociais e culturais da sociedade capitalista, considerando-a como um dos aparelhos ideológicos do estado, ou seja, são meios de veiculação, reprodução e manutenção dos valores dominantes da sociedade.
A análise realizada pelos sociólogos franceses forneceu uma das bases para a emergência da crítica sobre o currículo, realizada posteriormente pelo teórico americano Michael Apple (1982), o qual centraliza sua crítica na forma como as relações de classe são reproduzidas pela escola.
Diferente das preocupações das teorias tradicionais, em responder o que e como ensinar, Apple (1982) preocupou-se em entender, entre outros aspectos, “como pode o conhecimento oficial representar configurações ideológicas dos interesses dominantes numa sociedade?” Assim, analisa a relação entre ideologia e currículo a partir do cotidiano escolar, questionando:
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como as regularidades diárias básicas das escolas contribuem para o aprendizado pelos estudantes dessas ideologias;
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como as formas específicas de conhecimento curricular, tanto no passado como no presente, refletem essas configurações;
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como essas ideologias se refletem nas perspectivas fundamentais empregadas pelos educadores para ordenar, guiar e conferir significado à sua própria atividade (APPLE, 1982, p. 27).
Vale salientar que as teorias curriculares críticas não são apenas representadas pelo pensamento de Michael Apple. Outra vertente também questiona o currículo tradicional, mas ao contrário das ideias de Apple, essas não estão centralizadas nas críticas estruturalistas, mas enfatizam o mundo vivido, os significados subjetivos e intersubjetivos dos sujeitos que constituem o currículo.
Teóricos americanos como William Pinar (2010) e Madeleine Grumet (citado por Silva, 2009) criticavam o currículo tradicional por ser distante da vida dos sujeitos. As análises sobre o currículo fundamentam-se na combinação das perspectivas fenomenológica, hermenêutica e autobiográfica. De acordo com Silva (2009), essa vertente caracterizada também por “reconcpetualização”, hoje encontra-se dissolvida no grupo chamado de pós-estruturalismo, que estudaremos posteriormente.
No Brasil, os estudos de Paulo Freire são de grande contribuição para teoria crítica curricular. Embora Freire não tenha elaborado uma teoria curricular, suas críticas à educação tradicional, concebida por ele como “educação bancária”, têm importante influência sobre os teóricos do campo curricular no Brasil.
Sua contribuição, entre outros aspectos, centra-se na proposta de educação problematizadora, cujo ato educativo implica uma relação pedagógica entre os sujeitos que aprendem e ensinam: professor e aluno.
Para Paulo Freire, a educação é intencional, ou seja, educa-se e aprende-se com intenção em algo. A educação consiste em envolver o sujeito em processo dialógico para conhecer e aprender a expressar o “mundo da vida”. O conteúdo a ser aprendido tem como fonte a experiência dos educandos, a realidade onde estão inseridos.
Após levantamento e conhecimento da realidade dos educandos, tais conteúdos são organizados e sistematizados conjuntamente pelos sujeitos envolvidos e transformados em conteúdos de aprendizagem, “impregnados de sentidos” para os sujeitos aprendentes. Nessa perspectiva, Freire introduz no currículo os aspectos culturais do “homem simples”, ausente tradicionalmente do processo educativo.
Com esse procedimento, legitima a presença da “cultura popular” no currículo, bem como desvela o aspecto político envolvido nesse processo. Para Freire (1967, p. 104), “a educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”.
As teorias críticas do currículo contribuíram também para a divulgação da noção de currículo oculto no meio escolar. Ao tomar como centro de análise a relação entre ideologia e currículo para compreender como a escola contribui para o aprendizado das ideologias dominantes, esse grupo de teoria considera que é por meio do currículo oculto que são perpetuadas as relações sociais predominantes numa sociedade de classe. Para esse grupo teórico,
o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações que permitem que crianças e jovens se justem da forma mais conveniente às estruturas e às pautas de funcionamento, consideradas injustas e antidemocráticas e, portanto, indesejáveis, da sociedade capitalista (SILVA, 2009, p. 78).
Segundo Silva (2009), a noção de currículo oculto atualmente expande-se para além de uma análise estruturalista, no sentido de considerar que, no ambiente escolar, se aprende valores de várias dimensões ligadas à sexualidade, ao gênero ou à raça, ou seja, aprende-se a como ser homem ou mulher, como ser heterossexual ou homossexual, bem como a identificação com uma determinada raça ou etnia.
Em resumo, as teorias críticas do currículo provocaram a análise crítica dos processos educativos no campo dos estudos curriculares. Esse processo fez emergir questões importantes sobre a função social do currículo, que revelaram aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais e as implicações na formação dos sujeitos.
Com as diversas mudanças ocorridas no mundo contemporâneo, observa-se a presença de novos sujeitos escolares, com novas culturas e novas necessidades. As demandas advindas da sociedade contemporânea suscitam novas formas de entender o processo escolar e consequentemente outra forma de conceber o currículo. Essa nova forma de conceber o currículo é representada pelas Teorias Pós-críticas, as quais discutiremos no próximo tópico.
Título : Currículos e Programas da EPCT
Autor : Fernandes, Natal Lânia Roque
Fonte: Currículos e Programas da EPCT / Natal Lânia Roque Fernandes; Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. – Fortaleza: UAB/IFCE, 2014.