No behaviorismo radical, a intencionalidade é comumente apresentada como comportamento intencional e é, enquanto tal, o comportamento supostamente voltado para o futuro, controlado por desejos, intenções e propósitos. Mas não há necessidade de postular a existência de um tipo especial de comportamento cuja característica definidora seria a teleologia, pois “o comportamento operante é o verdadeiro campo do propósito e da intenção” (Skinner, 1974, p.55). É possível supor que a gênese da intencionalidade na explicação do comportamento operante se deva a dois fatores.
Em primeiro lugar, devido à sua própria natureza, no operante não há estímulos eliciadores, fato que supostamente justificaria a voluntariedade do sujeito que se comporta (Skinner, 1953/1965, 1974). Em segundo lugar, dizer que o organismo “emite a resposta” pode sugerir a interpretação errônea de que o organismo controla a emissão como se fosse um agente do seu próprio comportamento, mas Skinner (1954, p.301‑2) é contra a ideia de agência:
O modelo de explicação interna do comportamento é exemplificado pela doutrina do animismo, que está primariamente preocupada em explicar a espontaneidade e inconstância do comportamento. O organismo vivo é um sistema extremamente complicado se comportando de maneira extremamente complicada. Muito do seu comportamento parece ser, à primeira vista, absolutamente imprevisível. O procedimento tradicional tem sido o de inventar um determinante interno, um “demônio”, “espírito”, “homúnculo” ou “personalidade” capaz de mudar espontaneamente o curso ou a criação da ação. Esse determinante interno oferece apenas momentaneamente uma explicação do comportamento do organismo externo, porque ele precisa, também, ser compreendido.
Isto é, atribuir o controle do comportamento operante (ou de qualquer outro comportamento) a um agente iniciador não é explicar o comportamento, pois seria necessário explicar, então, o agente. Geralmente, o controle do comportamento operante é atribuído a um agente interno porque as variáveis de controle das res‑ postas operantes não são proeminentes (Skinner, 1974, 1977). No operante não há estímulos eliciadores, mas apenas estímulos que configuram a ocasião em que a probabilidade de ocorrência de res‑ postas pertencentes à mesma classe pode aumentar ou diminuir.
Não há na contingência tríplice uma relação entre estímulo, res‑ posta e consequência tão conspícua quanto na relação respondente (Skinner, 1977). Dessa forma, a ausência de estímulos eliciadores das respostas operantes faz com que o controle seja atribuído ao organismo enquanto agente do seu próprio comportamento e, assim, há a invenção de entidades mentais como intenção, propósito e desejo, que pretendem, por sua vez, preencher a lacuna deixada por essa ausência. Todavia, o controle das classes operantes ocorre em função das contingências de reforço pelas quais o organismo foi submetido no passado.
Um organismo não responde para que uma consequência seja apresentada. Essa consequência não pode controlar a emissão de uma resposta pelo simples fato de que ela ainda não existe. O controle está no fato de que, no passado, respostas funcionalmente semelhantes seguiram‑se de consequências reforçadoras (Skinner, 1953/1965). Assim, um rato não pressiona a barra com a intenção de ganhar água, mas o faz porque, no passado, respostas pertencentes à mesma classe (pressionar a barra) foram seguidas de consequências reforçadoras (água). Todas as formas de “estados intencionais”, como intenção, desejo e crença, surgem a partir do momento em que o sujeito passa a descrever o seu próprio comportamento, isto é, surgem com a consciência (Skinner, 1966b, 1969b). Nas palavras de Skinner (1969b, p.126):
Uma pessoa pode exprimir seu propósito ou intenção, dizer‑nos o que ela espera fazer ou conseguir, e descrever suas crenças, pensamentos ou conhecimento. (Ela não pode fazer isso, é claro, quando não for “consciente” das conexões causais.) As contingências são, não obstante, efetivas [mesmo] quando a pessoa não pode descrevê‑las. Nós podemos pedir que ela as descreva de‑ pois do fato (“Por que você fez isso?”), e ela pode, então, examinar o seu próprio comportamento e descobrir seu propósito ou sua crença pela primeira vez. […] Uma declaração mais explícita pode ser feita antes da ação: um homem pode anunciar seu propósito, exprimir sua intenção, ou descrever seus pensa‑ mentos, crenças ou conhecimento sobre os quais a ação será baseada. Esses não podem ser relatos da ação porque esta ainda não ocorreu; mas parecem ser, em vez disso, as descrições de precursores [da ação]. Uma vez que a declaração tenha sido feita, ela pode determinar a ação como um tipo de regra autoconstruída. Ela é, então, um verdadeiro precursor que tem efeito óbvio no comportamento subsequente. Quando encoberta, ela pode ser difícil de localizar; mas mesmo assim é uma forma de comporta‑ mento, ou um produto do comportamento, em vez de um precursor mental.
Ou seja, as intenções, os desejos e os propósitos não são características de agentes mentais que controlam voluntariamente o comportamento. Pelo contrário, são descrições das contingências responsáveis pelo controle do comportamento. Um sujeito observa o seu próprio comportamento e, portanto, é capaz de descrever as contingências de controle. A descrição dessas contingências pode ser feita em relação a estados mentais intencionais. Um sujeito pode anunciar o que ele fará em seguida e justificar sua resposta baseando‑se no conhecimento que adquiriu ao observar a si mesmo.
Ele pode dizer “Eu farei isso porque acredito que isso ocorrerá em seguida” ou “Eu farei isso porque minha intenção é que isso ocorra em seguida” e assim por diante. À primeira vista, esse sujeito parece estar narrando verbalmente seus estados mentais responsáveis pela resposta manifesta, mas, na verdade, o que está por trás de sua narrativa são as contingências que controlam o seu comporta‑ mento, e não há nada de mental ou de teleológico nessas contingências. Entretanto, essas descrições em forma de intenções, desejos e propósitos, por serem verbais, podem ocorrer de maneira encoberta: o sujeito pode declarar para si mesmo suas intenções, desejos, crenças e propósitos e agir de acordo com elas.
Nesse caso, essas descrições verbais são regras criadas pelo próprio sujeito que podem, enquanto tais, atuar como precorrentes de respostas operantes. Isto é, essa narrativa serve como precorrente para que o sujeito se decida sobre suas respostas subsequentes, o que, em poucas palavras, significa que o comportamento de narrar as contingências de controle, enquanto precorrente e mesmo que por meio de uma linguagem intencional, pode ter, afinal, algum peso no controle de classes operantes (Skinner, 1963b, 1969b).
Resta‑nos saber como o behaviorismo radical lida com o que seria, de acordo com as discussões da filosofia da mente, a principal característica da intencionalidade: ser direcionada para, ou acerca de, objetos e estados de coisas do mundo (Searle, 1983/2002). Até o momento tratamos do que poderia ser chamado de tipos de estados intencionais, como crenças, desejos e intenções, mas ainda não lidamos com os conteúdos ou significados desses estados. As questões pertinentes, nesse contexto, seriam: (1) qual a natureza dos significados e dos conteúdos dos estados intencionais?; e (2) o que os determina?
Possivelmente não haverá na obra de Skinner referências diretas a esse problema, já que o autor nega, em princípio, que a intencionalidade seja uma propriedade “mental” – em vez disso, a intencionalidade seria uma produção verbal fruto do vocabulário mentalista. Portanto, baseando‑se no que foi até aqui apresentado, é possível perceber que o tratamento do tema dado pelo autor fundamenta‑se principalmente nas discussões sobre comportamento verbal. Sendo assim, talvez existam pistas que levem à posição behaviorista radical sobre essas questões na teoria do comportamento verbal. De fato, a primeira delas está na passagem em que Skinner (1957, p.13‑4) discorre sobre o problema do significado:
É geralmente defendido que podemos ver o significado ou o propósito no comportamento e que não devemos omitir isso da nossa explicação. Mas o significado não é uma propriedade do comportamento enquanto tal, e sim das condições sob as quais o comportamento ocorre. Tecnicamente, numa explicação funcional, os significados devem ser encontrados entre as variáveis independentes, e não como propriedades da variável dependente. Quando alguém diz que consegue ver o significado de uma resposta, esse alguém quer dizer que consegue inferir algumas das variáveis das quais usualmente a resposta é função.
Em outra passagem o autor é mais direto em sua posição e utiliza o termo “conteúdo” como correlato do termo “significado”: “os significados, conteúdos e referências devem ser encontradas entre os determinantes, e não entre as propriedades, da resposta” (Skinner, 1945/1961g, p.274). Em suma, o significado e o conteúdo não são características intrínsecas dos estímulos, das respostas e das consequências presentes em uma classe comportamental; pelo contrário, eles são as contingências que controlam o comportamento.
Assim, os conteúdos ou os significados nada têm de mentais. Enquanto os “estados intencionais” seriam descrições verbais das contingências que controlam o comportamento do sujeito consciente que aprendeu a se auto observar graças ao controle da comunidade verbal, os “conteúdos” ou “significados” desses estados seriam nada mais que as próprias contingências descritas. Não faz sentido, por outro lado, perguntar o que determina os significados ou os conteúdos dos estados intencionais porque eles são os próprios determinantes do comportamento.
Essa questão só teria sentido se fosse sustentado que os conteúdos ou os significados são algo além dos estados de coisas do mundo que servem como referência – ou seja, quando há um estado de coisas e, em adição, há uma mente intencional capaz de representar ou de fazer “cópias” desse estado de coisas. Os conteúdos ou significados seriam, portanto, constituintes dessas representações. Entretanto, se não há, de acordo com o behaviorismo radical, estados intencionais mentais, tampouco haverá representações mentais. Sendo assim, os conteúdos das descrições intencionais e o que as determina são, em um só tempo, a mesma coisa, a saber, as contingências que controlam o comportamento.
Para concluir, é importante ressaltar que a análise da intencionalidade proposta pelo behaviorismo radical não encontra semelhanças com as análises feitas pela filosofia da mente (e.g., Searle, 1983/2002). Isso ocorre por conta de princípios incompatíveis: na filosofia da mente, a intencionalidade é comumente apresentada como a propriedade da mente de ser direcionada para estados e coisas do mundo. Trata‑se, essencialmente, da capacidade representativa da mente (Searle, 1983/2002). Para o behaviorismo radical, por outro lado, só é possível falar de “direcionalidade” no sentido de que regras ou descrições verbais possam ser “direcionadas” para contingências, ou seja, possam ser “sobre” contingências. Não há “direcionalidade” não verbal.
Muito menos há representação – nem mesmo no âmbito verbal podemos falar que regras ou descrições “representam” contingências, pois não ocorre propriamente uma reapresentação das contingências através de suas descrições. São coisas distintas: descrições verbais não são, nem, no sentido estrito da palavra, representam as contingências (seção 2.5).
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REFERÊNCIAS:
A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente / Diego Zilio. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.