Sabemos que para viver temos que ter comida, água potável, roupas e uma moradia segura. Mas sabemos também que na sociedade capitalista o caminho para ter o acesso à “comida, diversão e arte” não é nada fácil, é uma verdadeira odisseia. Então, como é possível suprir estas necessidades básicas? Se “(…) a gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte(…)”, o que fazemos afinal, para conseguirmos garantir e resolver estas questões? O que você faz? Agora, como estão nos versos da música, queremos ter a garantia que as chamadas questões materiais – a comida, a água potável, as roupas adequadas para cada tipo de estação, a casa com segurança – e as questões subjetivas – sentimentos, desejos, gostos – sejam resolvidas.
Temos aqui, portanto, duas questões essenciais: o que é imediato ou básico são necessidades materiais do ser humano; o que é subjetivo são necessidades imateriais. Mas esta preocupação não é somente uma preocupação particular, mas de todas as sociedades ao longo da história humana. Como “(…) a gente não quer só comida (…)”, estas duas necessidades devem ser resolvidas, e na busca destas soluções, novas necessidade vão surgindo. Assim, o contorno do nosso cotidiano vai sendo desenhado na medida em que as soluções de todos os tipos vão se realizando.
Para pensar sobre isso, vejamos como a Sociologia pode nos auxiliar. O pensador alemão Karl Marx (1818-1883) afirmou que, para resolver as suas necessidades básicas, o ser humano vai se apropriando da natureza, estabelecendo relações com outros seres humanos, pensando sobre a sua vida e criando novas e novas necessidades. Como isso é possível? Imagine que você tem que construir um banco de praça e a matéria-prima é de “segunda mão”. Tendo o material, o que mais é necessário para construir o banco? Bem, o conhecimento de como fazê-lo, e de como utilizar o material reciclável e as ferramentas. Temos, portanto:
- você – um SER HUMANO;
- o CONHECIMENTO;
- a natureza que já foi modificada, a MATÉRIA-PRIMA;
- e os INSTRUMENTOS – máquinas, ferramentas e utensílios.
São necessários todos estes elementos juntos para que o banco seja construído. Temos uma unidade que permite que você produza ou melhor construa o banco. Esta unidade é o que chamamos de PROCESSO DE TRABALHO. Foi com este processo que a humanidade construiu tudo o que existe na vida: ferramentas, máquinas, a matéria-prima transformada ou não (um exemplo disto é o ferro encontrado bruto na natureza, transformado em aço para a fabricação de tratores, ônibus, geladeiras, bicicletas), os prédios, os estádios de futebol, as escolas, as ruas e estradas, os ônibus espaciais… enfim um conjunto imenso de coisas.
Se isolarmos o conhecimento, as ferramentas e a matéria-prima e retirarmos você da construção do banco, vamos observar que o banco não será construído. Então consideramos você – o ser humano – o principal elemento desta unidade. Isto porque é você quem vai dar asas à imaginação (pois não é só de pão que vive o homem) e construir e transformar tudo que o cerca.
Então, seguindo o raciocínio anterior, sabemos que para viver temos que resolver problemas de ordem material e básica como comer, beber, vestir e morar. Mas como nos indica a música não é só disto que vivemos. Ir ao cinema, sair com os amigos, ir ao futebol, participar das festividades na família, exercitar e exercer nossa sensibilidade e gosto por um tipo de roupa, de música, de filme, de time de futebol, de professor, e de amigo fazem parte desta busca de resoluções. Para isto, os seres humanos vêm modificando a natureza e tudo ao seu redor, até a nós mesmos. Já sabemos que o ser humano é o principal elemento do processo de produção.
Se acompanhamos os jornais vamos perceber que as ações não caminham para a resolução das necessidades materiais e imateriais. A destruição do planeta e de outros seres humanos ocorrem indiscriminadamente em quase todos os lugares do mundo. Isto é o que em Sociologia foi chamado de contradição, por Karl Marx, pensador alemão já citado anteriormente neste texto: a não-resolução das necessidades humanas mesmo tendo condições para fazê-lo. São problemas que a humanidade não resolveu desde que o gênero homo começou a dominar o planeta. Você sabe que nesta caminhada do ser humano, para resolver estas necessidades, ele desenvolve ligações com os outros seres humanos e várias formas de organizações sociais vão surgindo. Seguindo este raciocínio, é a unidade entre o ser humano, o conhecimento, os instrumentos e a matéria-prima, que possibilita a relação como o mundo natural e a criação do mundo social modificado.
Vamos tentar entender como se desenvolvem estas ligações. Quando o homem se espalhou pelo mundo, saindo da África e convivendo, segundo as recentes pesquisas da Paleoantropologia, com outras espécies do gênero, criou laços com os membros do seu grupo. Estes laços se estreitaram, ficando cada vez mais fortes, pois enfrentar a natureza – clima, vegetação, relevo, animais selvagens – revela-se uma aventura difícil e perigosa. Por isso, a união para garantir a existência passa a ser o elemento principal para continuar vivendo. Essas ligações são denominadas de relações sociais. Estamos vendo que, no início do processo de surgimento das primeiras formas de organização social estas relações eram coletivas.
Então, o que significa dizer que essas relações eram coletivas? Imagine que você e seus amigos estão perdidos na floresta Amazônica e não conhecem o território, e necessitem fabricar instrumentos e utensílios. O mundo natural parece ameaçador e com certeza vocês buscarão ficar unidos, dividir igualmente a comida, a água, os cuidados com aqueles que estão doentes e com medo. Querem resolver tudo para que todos fiquem bem. Então, unidos, zelarão para que o grupo consiga sobreviver em um ambiente inóspito para o forasteiro.
É muito importante observar que no processo de transformação da natureza, o homem vai modificando o espaço natural considerando as suas capacidades e as ferramentas que possui. É uma combinação e uma escolha entre a capacidade humana de transformação e aquilo que ele vai encontrar na natureza. O que resulta desta relação é uma nova realidade que continua a ser explorada. Veja na proposta de trabalho a seguir como isto é possível.
Então, no início da existência da humanidade (40.000 a.C.), havia uma relativa igualdade entre os membros de um mesmo agrupamento social. Relativa porquê do ponto de vista das questões básicas de sobrevivência todos têm acesso a eles. Ao mesmo tempo estas sociedades eram hierarquizadas tanto com a divisão sexual do trabalho quanto com as demarcações etárias. Como sabemos disto? É só observarmos os povos indígenas brasileiros, antes da chegada dos europeus (século XIV da Era Cristã). A forma de organização e de resolução dos problemas de sobrevivência destes povos é exemplo deste período quando havia a necessidade de agir coletivamente, para enfrentar a natureza. Veja, os indígenas que habitam o Parque Nacional do Xingu e os Bosquínamos da África setentrional.
Atualmente, são exemplos deste período (quando havia a igualdade descrita acima – 700.000 a.C. a 40.000 a.C.) em que, ao resolver suas necessidades básicas, o ser humano o fazia coletivamente. Com o aprimoramento dos instrumentos e dos utensílios, e um controle maior sobre a natureza, com a agricultura e a domesticação dos animais, passa a existir em algumas regiões e entre alguns povos o acúmulo de alimentos. As casas são melhoradas para garantir um abrigo mais seguro e as roupas também acompanham estas mudanças com a utilização de novas matérias-primas para a sua confecção. Essas alterações acompanham a ocupação do espaço geográfico fazendo com que deixem de ser nômades e se transformem em povos sedentários. A Geografia, a História e a Sociologia são as Ciências que vão pensar o processo de trabalho interpretando como este se desenvolve nesta busca do ser humano de resolução das necessidades materiais e subjetivas.
O armazenamento da água e alimentos fica mais aprimorado com a utilização da cerâmica como matéria-prima. O aperfeiçoamento da navegação e a utilização da roda e do transporte acompanham este ritmo. É importante frisar que estas transformações não são lineares nem evolutivas. Elas são desiguais e acompanham a forma utilizada por cada povo na sua região na ocupação do espaço e na criação da sociedade. Não podemos achar que todos fizeram da mesma maneira. Ao contrário, a forma de ocupação e o processo cultural revelam como cada povo enfrentou a natureza e foi resolvendo suas necessidades básicas.
As formas mais apuradas de solução dos problemas imediatos: comer, beber, vestir e morar, na medida em que são resolvidos acabam criando outras e novas necessidades. Assim, locais onde é possível guardar os alimentos e a água vão sendo construídos para que estes sejam utilizados nos momentos de escassez, que são frequentes e fazem com que as contradições (Lembra? A não-resolução das primeiras necessidades) assombrem os seres humanos. Vai ser necessário que alguns cuidem deste acúmulo e da sobra do que foi produzido ou consumido.
Estes que vão cuidar do que todos produziram vão criar um grupo de segurança para auxiliá-los nesta nova tarefa. Este corpo de segurança, provavelmente são os mais fortes ou os que já tinham a tarefa de serem os guerreiros do grupo. Temos aqui um conjunto de pessoas que se desliga, se afasta daqueles que estão produzindo o necessário para a sobrevivência de todos. Você pode perguntar: quando isso ocorreu?
Essas mudanças ocorrem na passagem do Neolítico para o surgimento da sociedade desigual (III milênio antes da Era Cristã), quando vai existir a propriedade e esta não vai ser coletiva. Este distanciamento em que alguns vão viver do TRABALHO que outros executam, permitiu o surgimento da desigualdade entre os seres humanos dentro da mesma sociedade. Essa desigualdade foi se aprofundando e as decisões sobre a distribuição do que foi produzido passam a ser realizadas por estes, que vão se tornando donos/proprietários das terras, dos animais, das ferramentas… Como isso é possível? Imagine que você está trabalhando no campo e as pessoas que cuidam do armazenamento observam que se não for estipulada uma cota de consumo para cada família, não terão comida suficiente para o próximo período de escassez.
Então devem, para garanti-la, criar punições para aqueles que não cumprirem o que foi determinado. Que tipo de punição? Algo como ter que trabalhar em dobro, dar os seus animais, dar as ferramentas que utilizam – daí, para trabalhar tem que utilizar as ferramentas de outros. Viu como começou a propriedade do que chamamos meios de produção – ferramentas, matérias-primas, os galpões e prédios. A forma de divisão da sociedade em que uns são proprietários dos meios de produção – ferramentas, matérias-primas, conhecimentos – e outros são somente proprietários da força de trabalho – energia gasta no dia-a-dia e o conhecimento de como executar a sua tarefa no processo produtivo – é a base para o que chamamos de sociedade capitalista.
Estas diferenças entre os seres humanos vão marcar as relações sociais que passaram a estabelecer a partir do fortalecimento das duas classes sociais: os donos dos meios de produção e os proletários. Podemos, assim, buscar no passado da humanidade muitas das explicações para a situação complicada que é a busca do emprego hoje. As soluções se inscrevem no plano daquilo que chamamos de conquistas da humanidade; mas não podemos esquecer o que chamamos de contradições. São elas que vão marcar estas conquistas e nos alertar para perguntar sobre o principal elemento do trabalho que é o ser humano.
Bem, voltando às questões do início do texto, vamos ver que a humanidade, para resolver as questões materiais e subjetivas (ter “comida, diversão e arte”) vai construindo o seu cotidiano, e que este já foram predominantemente coletivo, mas se modificou com a transformação da natureza. Surge a desigualdade entre os seres humanos e essa, por sua vez, vai marcar o dia-a-dia da sociedade. Assim, o que não podemos esquecer é que, na medida em que a humanidade vai se apropriando da natureza, modifica o espaço que a cerca e desenvolve não só ações criativas, mas também destrutivas – o aquecimento global – consequência do desmatamento, da poluição pelo dióxido de carbono, pela poluição de rios e solos, pela retirada de minerais de maneira predatória– sem citar a matança de animais e a destruição do seu hábitat.
E é justamente por isso que não podemos desejar somente a comida, pois junto dela deve vir a água potável, a vestimenta adequada, a casa segura, o acesso ao conhecimento, às artes, à Filosofia. Tudo o que foi criado pelo ser humano com a intenção de resolver os problemas para viver, e também as soluções para os problemas como os indicados acima relacionados com as ações destrutivas. Pense sobre as soluções que podem ser dadas para resolver estas novas questões – a destruição da natureza, que estão diretamente ligadas às necessidades materiais e subjetivas apontadas no início e nas indagações finais da música “Comida” referenciada no texto.
Essa busca de saídas para resolver as contradições entre produção e escassez – de alimentos, de água, de moradia, de escolas, de segurança, de saúde, de lazer…. de acesso à “diversão e arte” – transforma o ser humano em um ser que supera limites. Assim, uma indagação deve permanecer quando olhamos os problemas e vemos a dor e o sofrimento de muitos: “Você tem fome de quê?” Podemos fazer uma lista interminável de necessidades materiais e subjetivas que não foram resolvidas, mas com certeza o item Justiça deve aparecer.
Sabia que a ideia (e, portanto uma necessidade subjetiva) de justiça é uma construção humana? Muitas vezes para resolvermos questões materiais, nós recorremos a uma questão subjetiva, como a justiça. Então para sobreviver, o ser humano construiu tudo que temos – transformando a natureza, construindo relações sociais e também elaborando discussões complexas sobre as necessidades subjetivas. Leia nos versos da música e perceba como eles formam uma unidade: “(…)bebida é água /comida é pasto / você tem sede de quê? / você tem fome de quê? / a gente não quer só comida /a gente quer comida, diversão e arte”(…) !!!
RERERÊNCIAS:
Sociologia / vários autores. – Curitiba: SEED-PR, 2006. – 266 p.