“Depois de terem embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranquilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes em seguida o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas.” (Kant)
Há diferença entre Moral e Ética?
Claro que dependerá da filosofia que se escolher. Proponho que Moral, proveniente da palavra Mos, mores, do latim, significa costume ou hábito tenha uma conotação menos universal, e, portanto, dependerá do costume de cada povo, daquilo que este povo define como valor. Tem um sentido mais sociológico, mutável.
O que é moralmente correto para um povo, como o consumo dos mortos como ato de piedade, poderá ser considerado rechaçado como violência para a grande maioria de outros grupos humanos. A moral, portanto, é mais exterior, mais comportamental, sociológica, ou brincando, é o varejo da ética.
Ética vem da palavra grega ethos diz respeito à dimensão de identidade do ser humano, aquilo que faz com que ele seja humano, expressando o que tem de universal. A ética é o que torna a moral um valor, que lhe confere valor. Proponho que valha o seguinte: A ética é o que dá lastro à moeda corrente que é a moral.
Ficou conhecido na filosofia identificar a ética como um estudo das condições da moral, de como funcionam os valores na vida da sociedade e das pessoas, da validade das normas sociais de conduta.
Há três grandes pilares que sustentam um ato humano ético:
O conhecimento, a vontade e a liberdade.
Se faltar um único destes ingredientes, a dimensão ética de uma pessoa se encontra comprometida. Ninguém pode avaliar o interior, a intencionalidade das pessoas, apenas pelo seu comportamento. Se a ausência destes elementos for imposta de fora ou desconstruída, é a sociedade como um todo que é responsável pela desumanização em curso, pela violência e pelo terror.
Neste caso, a sociedade não é o conjunto dos “outros” sem mim, o que diminui qualquer ser humano neste planeta me diminui como humanidade. A luta por eticidade é a luta pela constituição paidêutica, educativa, de pessoas humanas. O que humaniza os povos, a mim humaniza. O que desumaniza pessoas, a mim desumaniza. A ética é patrimônio que pertence a todos, por direito.
Uma das mais belas páginas da filosofia nasce como um artigo de resposta a uma provocação. O pastor, na mesma cidadezinha de onde Kant jamais saíra escreve comentando que todos falam de esclarecimento (Aufklãrung) mas ninguém sabe explicar. Isso incomodou Kant. E após, não menos de cinco meses, respondeu.
O teor do documento expõe seu pensamento de que existe o medo das pessoas assumirem a sua liberdade e autonomia, por isso, seguem conselhos, ajustam seus sonhos ao seguro, ao permitido, ao enunciado, ao mandado, evitando o risco de assumirem a condição única de sua humanização: o risco da liberdade.
Mas Kant vai bem mais além, em sua vida. Para ele, muito semelhante a Jean Paul Sartre – filósofo francês contemporâneo, falecido em 1968, há três tipos humanos, os covardes, os safados e os atrevidos.
Os primeiros são aqueles que fogem da responsabilidade de definirem o próprio caminho por medo de errarem; os segundos são aqueles que em cima das costas dos outros, se eximem da responsabilidade do que fazem, depositando qualquer fracasso nas contas dos responsáveis que lhe mandaram executar a ação, e os terceiros são aqueles que inauguram um caminho que implica arte, o de saber que naquela condição histórica, respondem por toda a humanidade ali, e irão através de suas ações dizer:
“Na minha pele vou escolher, por toda a espécie humana, a melhor maneira de alguém poder viver com sentido toda a sua humanidade, neste lugar.” Não há caminho pronto para a ética. Sempre estarei só, porque ela é parturizada – e tirada do próprio corpo – no trilhar do caminho, entre dúvidas, possibilidades, que surgem ao andar.
Texto de Kant:
“A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (a minoridade por natureza) […] continuem, no entanto, de bom grado menores durante toda a vida. É tão cômodo ser menor.
Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimentos, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso de esforçar-me eu mesmo Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outro se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. […] Por isso são muito poucos aqueles que conseguiam, pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender então uma marcha segura”.
(Kant: O que é o iluminismo)
REFERÊNCIAS:
Fundamentos de Filosofia: os caminhos do “Pensar” para quem quer transformação / Luiz Augusto Passos. — 1ª ed., 1ª reimp. — Brasília/DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 2014.