Sendo o currículo o “coração” da escola, ele é norteado, entre outros aspectos, por questões referentes aos conhecimentos que devem constituí-lo, aos saberes e culturas a serem priorizadas, como também ao contexto social em que acontece o processo educativo. Portanto, neste tópico, refletiremos sobre esses importantes aspectos.
O papel da escola é contribuir para formação de sujeitos autônomos e conscientes, capazes de viver e participar ativamente de uma sociedade escolarizada e em constantes mudanças. Para desempenhar seu papel de formadora, a escola seleciona conteúdos diversos relacionados às diferentes áreas de conhecimento.
Nessa perspectiva, o conhecimento torna-se um dos elementos nucleares do currículo, entretanto, podemos nos questionar: mas que tipo de conhecimentos são selecionados? Os relacionados aos saberes da ciência ou da experiência e da cultura dos sujeitos? Sabe-se que escola é uma instituição historicamente situada, portanto, o papel que exerce modifica em decorrência das mudanças ocorridas em cada momento histórico e, consequentemente, o currículo modifica-se com ela.
Numa perspectiva mais tradicional, a função da escola, entre outros aspectos, é transmitir os conhecimentos universalmente sistematizados, ou seja, as teorias, as ideias, as leis e os conceitos, elaborados e validados pela academia. Nesse sentido, o conhecimento que comporá o currículo terá características científicas a partir de uma lógica disciplinar, as quais contribuem para a aquisição de valores universais ligados à atividade racional e à cultura científica.
Com o desenvolvimento da industrialização, a escola passou a exercer o papel importante na formação de mão de obra para o novo modelo de sociedade. Nesse contexto, a educação necessária era voltada para formar o indivíduo eficiente e produtivo. Por consequência, o currículo deveria ser organizado no intuito de alcançar esse fim educativo e o conhecimento a ser transmitido teria uma razão instrumental, ou seja, os conhecimentos necessários à formação eficiente de mão de obra sem problematização dos processos que conduzem a esse objetivo.
Assim, “o conhecimento relevante a ser ensinado na escola deve ser o conhecimento capaz de ser traduzido em competências, habilidades, conceitos e desempenhos, passíveis de serem transferidos e aplicados em contextos sociais e econômicos fora da escola” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 74). Tomando-se como parâmetro o momento em que se considera a função política e cultural da escola (década de 1970), veremos que alguns teóricos, como Paulo Freire, criticam a escola tradicional por priorizar o conhecimento acadêmico, caracterizado como neutro, único e verdadeiro.
Defende-se, portanto, que, para exercer uma função política e cultural, a escola deve produzir com os sujeitos aprendentes conhecimentos contextualizados e problematizados. O conhecimento deve ser aprendido, criticado e ressignificado de forma que o currículo contribua para a compreensão do aluno sobre o processo social. Com base nos pressupostos acima, pode-se dizer que os conhecimentos vivenciados na escola têm origens nos saberes e conhecimentos socialmente produzidos em diversos âmbitos e modificam-se conforme o contexto histórico.
Estudos recentes como os de Silva (2002) têm assinalado que o currículo, sendo um constructo histórico, no cotidiano da escola, tanto provoca como recebe ações e efeitos nos/dos sujeitos escolares, podendo, assim, ser elemento também de transformações e de construção de identidades. Além disso, é “espaço de lutas e de conflitos”, pois envolve redes de diferentes relações e decisões políticas, sociais, econômicas e educacionais.
Com base nesse pensamento, não se pode pensar o currículo como algo neutro ou estático. Ele é intencional, com propósito definido, é dinâmico, possível de ser modificado conforme o projeto formativo dos diferentes sujeitos, com diferentes culturas, presentes em sala de aula. Portanto, na produção ou desenvolvimento do currículo, são relevantes questionamentos acerca do projeto formativo a ser vivenciado, deixando-se explícito qual tipo de sociedade se quer construir, qual tipo de sujeito se quer formar, quais conhecimentos ou educação são necessários.
Com essas questões para refletirmos, finalizamos nossa primeira aula. Esperamos que você tenha compreendido a complexidade que norteia a origem, os conceitos e as questões sobre o currículo. Na próxima aula, estudaremos a sistematização dos debates sobre o currículo representada pelas teorias curriculares.
Título : Currículos e Programas da EPCT
Autor : Fernandes, Natal Lânia Roque
Fonte: Currículos e Programas da EPCT / Natal Lânia Roque Fernandes; Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. – Fortaleza: UAB/IFCE, 2014.