Pensamento
Tradicionalmente o pensamento é definido como uma atividade cognitiva que requer a existência de uma mente racional e/ou como um processo interno responsável pela manipulação de informações adquiridas do ambiente (input) e cujo resultado final é o comportamento manifesto (output) (Sternberg, 1996/2000; Zilio, 2009). Assim, o pensamento não é normalmente visto como comportamento, mas como um processo interno e mental responsável pelo comportamento (Skinner, 1968). A definição behaviorista radical defende justamente o contrário:
A visão mais simples e mais satisfatória é a de que o pensamento é simplesmente comportamento – verbal ou não verbal, manifesto ou encoberto. Não é um processo misterioso responsável pelo comportamento, mas é o comportamento ele mesmo, em toda a complexidade de suas relações de controle, com respeito tanto ao homem que se comporta quanto ao ambiente em que ele vive. (Skinner, 1957, p.449)
Pensar é se comportar. A melhor maneira de entender o que isso significa é pela análise dos principais processos atribuídos ao pensamento enquanto “atividade mental”. O pensamento é normal‑ mente (1) associado aos processos de aprendizagem, discriminação, atenção, generalização e abstração; (2) associado aos processos de resolução de problemas, decisão e raciocínio; e (3) associado a algo que ocorre previamente à ocorrência do “comportamento” (i.e., respostas manifestas) e que, de alguma forma, é responsável por ela (Skinner, 1953/1965, 1968, 1974, 1989d).1 Comecemos, então, pela aprendizagem.
Skinner (1968) afirma que a aprendizagem não é propriamente comportamento, mas sim a mudança do comportamento. Nas palavras do autor (1989d, p.14): “aprender não é fazer; é mudar o que fazemos. Podemos ver que o comportamento se modificou, mas não vemos a mudança. Vemos as consequências reforçadoras, mas não como elas afetam a mudança”. O principal problema a respeito da aprendizagem é que não há muito o que dizer acerca de sua definição. Catania (1999, p.22) afirma que “devemos, de início, encarar o fato de que não se‑ remos capazes de definir aprendizagem. Não há definições satisfatórias”.
Dessa forma, o máximo que podemos afirmar é que um organismo aprende quando seu comportamento se modifica e que essas modificações ocorrem em função das contingências de reforço às quais o organismo é submetido. A discriminação, por sua vez, não envolve nenhum evento mental. Trata‑se de um “processo comportamental: são as contingências, e não a mente, que discriminam” (Skinner, 1974, p.105). Como foi dito na seção 2.3, na contingência tríplice há estímulos discriminativos que estabelecem a ocasião em que uma resposta pertencente a uma dada classe operante poderá ser seguida de uma dada consequência.
Entretanto, não é o organismo que discrimina a ocasião. O controle discriminativo é estabelecido pelas próprias contingências. Em uma dada ocasião um organismo responde de uma dada maneira e uma consequência reforçadora é apresentada. Nesse caso, toda a classe operante em questão foi reforçada e a repetição da ocasião aumentará a probabilidade de ocorrência de res‑ postas pertencentes à mesma classe porque no passado respostas funcionalmente semelhantes, emitidas nessa dada ocasião, resultaram na consequência reforçadora.
A discriminação ocorre quando, durante o processo de condicionamento, apenas uma propriedade da ocasião atua como estímulo discriminativo para a classe operante. São as contingências que discriminam, em vez do sujeito, pois são elas que controlam todo o processo. Voltando ao exemplo de operante discriminado citado na seção 2.3 em que a luz acesa atua como estímulo discriminativo indicador da ocasião em que respostas de pressionar a barra são seguidas de consequências reforçadoras. A probabilidade de ocorrência de respostas pertencentes à mesma classe aumenta quando há luz porque é somente na presença da luz que essas respostas são seguidas de consequências reforçadoras.
Por ser assim, a classe operante em que a luz atua como estímulo discriminativo foi a única que permaneceu no repertório do sujeito. O processo de discriminação se confunde com a análise da atenção proposta por Skinner (1953/1965, 1974). Para o autor (1953/1965), uma relação discriminativa não é normalmente interpretada como um caso de controle exercido por um estímulo discriminativo, mas sim como um caso em que o sujeito atenta para esse estímulo discriminativo, exercendo, assim, a contraparte “controladora” da relação – justamente por ser o suposto agente que controla o seu próprio ato de atentar. Nas palavras de Skinner (1953/1965, p.121):
“Esse conceito [atenção] reverte a direção da ação ao sugerir, não que o estímulo controla o comportamento de um observador, mas que o observador atenta para o estímulo e, assim, o controla”. No entanto, para Skinner (1953/1965, p.123), a atenção “é uma relação de controle – a relação entre a resposta e um estímulo discriminativo. Quando alguém está prestando atenção, está sob controle especial de um estímulo”. Em síntese, em vez de uma atividade mental, a atenção é uma relação discriminativa.
O processo de generalização, por seu turno, ocorre quando eventos consequentes afetam não só a probabilidade de ocorrência de respostas pertencentes a uma classe na presença de um dado estímulo específico, mas também a probabilidade de ocorrência de respostas pertencentes à mesma classe na presença de outros estímulos que diferem daquele que estabeleceu a ocasião em que o evento consequente foi apresentado. A título de exemplo, consideremos novamente o operante discriminado em que a luz acesa atua como estímulo discriminativo indicador da ocasião em que res‑ postas de pressionar a barra serão seguidas de consequências reforçadoras. Suponha‑se, então, que seja possível apresentar estímulos luminosos de diversas intensidades: I1, I2, I3 e I4.
Nesse contexto, um operante discriminado bem estabelecido pode ser aquele em que apenas o estímulo luminoso de intensidade I4 possui função discriminativa. Um operante generalizado, por sua vez, seria aquele em que estímulos com propriedades diferentes possuem função discriminativa para a mesma classe operante – nesse caso, I1, I2, I3 e I4 são todos estímulos generalizados. De acordo com Skinner (1953/1965, p.134), a generalização simplesmente indica que “o controle adquirido por um estímulo é compartilhado por outros estímulos com propriedades semelhantes ou, para colocar de outra forma, que o controle é compartilhado por todas as propriedades do estímulo tomadas separadamente”.
O caso das diferentes intensidades luminosas é um exemplo de controle compartilhado por estímulos com “propriedades semelhantes”. Por outro lado, o mesmo controle pode ser exercido por diversas propriedades da ocasião “tomadas separadamente”. Suponha‑se que a ocasião seja configurada pela presença de um estímulo luminoso, pela presença de um estímulo auditivo e pela ausência de choque elétrico. A generalização ocorre quando a probabilidade de ocorrência de res‑ postas pertencentes à mesma classe aumenta na presença de apenas uma dessas propriedades. Talvez seja por isso que Catania (1999, p.406) sustenta que a generalização também pode ser considerada como a “ausência de discriminação”.
Outro processo geralmente caracterizado como “atividade pensante” é a abstração. Conforme apresentado na seção sobre o comportamento verbal (seção 2.4), a abstração ocorre quando uma classe operante verbal fica sob controle de uma propriedade específica dos objetos ou eventos aos quais as respostas verbais pertencentes à classe se referem (Skinner, 1957). As respostas verbais de um sujeito perante diversos estímulos visuais vermelhos podem ficar sob controle da propriedade compartilhada por esses estímulos, a saber, a cor “vermelha”. Existem bolas, casas, mesas, toalhas, quadros, enfim, uma infinidade de coisas que podem ser vermelhas. Mediante as contingências estabelecidas pela comunidade verbal, o sujeito passa, então, a responder discriminativa‑ mente perante apenas essa propriedade.
Comumente, diz‑se que esse sujeito construiu o “conceito” ou “abstraiu” a ideia de vermelho. Mas, de acordo com Skinner (1974, p.106), “não precisamos supor que uma entidade ou um conceito abstrato estão contidos na mente; uma sutil e complexa história de reforçamento produziu um tipo especial de controle por estímulo”. O pensamento também é costumeiramente associado ao processo de resolução de problemas. É pertinente, portanto, analisar esse processo a partir da lógica comportamental. Para Skinner (1974), uma pessoa tem um problema quando, numa dada ocasião, não há no seu repertório comportamental respostas capazes de produzir consequências reforçadoras.
Suponha‑se, por exemplo, a seguinte situação: há um problema matemático (ocasião) e se o sujeito apresentar a alternativa correta (resposta) ele ganhará cem reais (consequência reforçadora). O problema está posto: a resposta do problema matemático não faz parte de seu repertório comporta‑ mental. Entretanto, resolver o problema não significa apenas apresentar a resposta correta, mas também abrange o processo pelo qual a resposta correta torna‑se mais provável de ser emitida (Skinner, 1953/1965, 1966/1969a, 1974, 1989d). Nesse processo o sujeito pode manipular “tanto as contingências (tal como na resolução prática de problemas) quanto as regras (tal como no ‘raciocínio’)” (Skinner, 1987b, p.782).
No caso do exemplo, o sujeito pode manipular o problema a partir das regras e fórmulas matemáticas. Esse processo, por sua vez, aumenta a probabilidade de que a resposta correta seja emitida. Assim, após o processo de resolução do problema, o sujeito emite a resposta correta e a consequência reforçadora é apresentada. Em tempo, um sujeito precisa atravessar um rio sem se molhar, mas a probabilidade de que isso ocorra é nula, a não ser que ele faça algo que a torne possível. Então, o sujeito manipula o ambiente construindo uma pequena balsa com a ajuda da qual será possível atravessar o rio (resposta) sem se molhar (consequência reforçadora). Esse é um exemplo de resolução prática de problema.
A resolução de problemas também pode ocorrer em nível encoberto e talvez seja essa a principal característica responsável pela atribuição da qualidade de “mental” ao processo (e.g., Sternberg, 1996/2000). Muitas vezes manipulamos as regras relacionadas à resolução de um problema sem que outros tenham acesso ao processo. Isso ocorre porque as regras podem ser “internalizadas”, mas no exato sentido de que podemos descrevê‑las a nós mesmos (Skinner, 1977). É importante lembrar da diferença entre comportamento governado por regras e comportamento modelado pelas contingências: as regras são descrições verbais das contingências.
Um sujeito pode escrever uma regra num papel ou pode descrevê‑la verbalmente para si mesmo. Dessa forma, o raciocínio é muitas vezes visto como um processo cognitivo, que ocorre dentro do organismo, e que é responsável pelo seu comportamento manifesto. Talvez o exemplo mais claro dessa situação seja o do comporta‑ mento de decidir: um sujeito diante de uma ocasião, que pode controlar diversas classes operantes funcionalmente distintas, a avalia e por fim “decide” o que fazer. Para Skinner (1953/1965), decidir não é a execução da resposta pertencente à classe operante escolhida, mas sim o comportamento preliminar responsável pela escolha. Dizemos, nesses casos, que o comportamento é um precorrente. Skinner (1968, p.120) descreve claramente o processo:
Algumas partes do nosso comportamento alteram e melhoram a efetividade de outras partes. […] Em face de uma situação em que nenhum comportamento efetivo está disponível (em que nós não podemos emitir uma resposta que é provavelmente reforçadora), nós nos comportamos para tornar o comportamento efetivo possível (aumentamos a nossa chance de reforço). Ao fazer isso, tecnicamente falando, nós executamos uma resposta “precorrente”.
O comportamento precorrente é mantido pelos seus efeitos em maximizar a probabilidade de que uma classe operante subsequente seja reforçada (Skinner, 1966c). Na verdade, tanto os processos de resolução de problemas quanto o de decisão podem ser vistos como precorrentes para as respostas que, se efetivas, serão seguidas de consequências reforçadoras. Os precorrentes são importantes para a discussão do pensamento porque na maioria das vezes eles ocorrem de maneira encoberta: “já que o comportamento precorrente opera basicamente para tornar o comportamento subsequente mais efetivo, ele não precisa ter manifestações públicas” (Skinner, 1968, p.124).
E isso faz com que a eles seja atribuído o status de eventos “mentais” responsáveis pelo controle do comportamento. Antes de partir para a próxima seção é importante questionar até que ponto é imprescindível manter o “pensamento” como categoria definidora de certos tipos de relações comportamentais. Se pensamento é comportamento, o que haveria de diferente em certas relações comportamentais a ponto de justificar classificá‑las como atividades “pensantes”? Andery & Sério (2003) analisam três candidatas a características demarcatórias: pensamento como comportamento encoberto; pensamento como comportamento verbal que afeta outro comportamento (precorrentes); e pensamento como comportamento verbal. No entanto, Skinner (1957, p.437‑8) parece ser contrário à primeira divisão:
Há […] variáveis importantes que determinam se uma resposta será encoberta ou manifesta. Mas elas não afetam muito suas outras propriedades. Elas não sugerem que haja qualquer distinção importante entre os dois níveis ou formas [de comportamento]. […] Não há ponto em que seja útil traçar uma linha distinguindo pensar de agir […]. Até onde sabemos, os eventos no limite encoberto não possuem propriedades especiais, não obedecem a leis especiais, e não podem receber créditos por realizações especiais.
Apesar de ser possível estabelecer certas diferenças entre comportamento encoberto e comportamento manifesto, essas diferenças não justificam que ao primeiro tipo seja atribuído o status de característica demarcatória do “pensamento”. Essa conclusão é fortalecida pela análise das atividades “pensantes” apresentadas nesta seção. Afinal, “resolução de problemas”, “discriminação”, “atenção”, “generalização”, “aprendizagem”, “raciocínio” e “decisão” não são processos comportamentais necessariamente encobertos.
É possível, por exemplo, que um sujeito resolva um problema apenas se comportando de maneira manifesta (é o caso do exemplo de resolução prática de problemas citado anteriormente). Assim, não é aconselhável relacionar “pensamento” com comportamento encoberto, porque muitas das atividades ditas “pensantes” não são necessariamente encobertas. A delimitação do pensamento como “comportamento verbal que afeta outro comportamento” ou como, simplesmente, “comportamento verbal” também sofre desse mesmo problema (Andery & Sério, 2003). “Aprendizagem”, “discriminação” e “generalização”, por exemplo, não são processos precorrentes por definição.
Além disso, nem todas as atividades ditas “pensantes” são verbais: aprendizagem, discriminação, generalização, atenção, e até mesmo a resolução de problemas em seu caráter prático não demandam comportamento verbal. O ponto central é que a análise behaviorista radical do pensa‑ mento é, na verdade, uma análise das contingências verbais envolvidas com o termo “pensamento”. O objetivo é avaliar quais seriam as contingências verbais que controlam a emissão de respostas verbais relacionadas a esse termo (e.g., Skinner, 1953/1965, 1957, 1966c, 1966/1969a, 1968, 1974, 1977, 1987b, 1989d).
Por meio dessa estratégia, Skinner apresentou um conjunto de processos comportamentais que, exceto pela própria prática verbal de normalmente associá‑los ao “pensamento”, não teriam uma característica demarcatória em comum que justificasse classificá‑los como atividades “pensantes”. Assim, o termo “pensamento” se torna vazio e desnecessário numa análise comportamental. É justamente por isso que Skinner (1957, p.449) sugere que seria melhor sus‑ tentar que “pensamento é simplesmente comportamento”.
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REFERÊNCIAS:
A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente / Diego Zilio. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.