Entre o final da década de 50, início dos anos 60, um grupo de psicólogos, insatisfeitos com as abordagens psicológicas dominantes na época (a Psicanálise e o Behaviorismo), deu início à estruturação do que hoje se considera uma das principais teorias psicológicas, a Psicologia Humanista. Dentre os seus principais expoentes, podemos citar Abraham Maslow (1908-1970) e Carl Rogers (1902-1987).
Abraham Maslow: a hierarquia das necessidades
Maslow fez críticas ferrenhas à Psicanálise e ao Behaviorismo. Alegava que a primeira se dedicava somente ao estudo de pessoas com transtornos psíquicos e ignorava os aspectos saudáveis e positivos da mente. Quanto ao segundo, entendia que a mente era muito mais complexa do que se podia compreender a partir de estudos com animais.
Propôs, então, o estudo do homem a partir de uma visão holística e que considerasse a tendência inata à satisfação de determinadas necessidades, que levam o indivíduo a crescer, se desenvolver e realizar todo seu potencial. Para Maslow, as necessidades humanas são 5 e estão organizadas de modo hierárquico, como você pode ver na figura 6 abaixo.
- Necessidades fisiológicas: são as mais básicas e de maior força quando não realizadas, pois representam a sobrevivência do indivíduo. No entanto, quando satisfeitas, perdem seu poder motivador. São exemplos de necessidades fisiológicas: a respiração, a alimentação, o sono, etc.
- Necessidades de segurança: se caracterizam pela importância de um ambiente seguro e protegido, sem ameaças que representem algum perigo para a pessoa. Como exemplo, podemos citar um ambiente limpo e organizado.
- Necessidades de afiliação e amor: também chamadas de necessidades sociais, estas dizem respeito à tendência de nos vincularmos a outras pessoas, seja por meio de um relacionamento amoroso ou pela presença de amigos próximos. Fazer parte de um grupo e sentir-se amado é uma necessidade que tem grande impacto na saúde emocional das pessoas.
- Necessidades de estima: tendo sido satisfeitas (mesmo que parcialmente) as necessidades de afiliação e amor, tendemos a ambicionar por reconhecimento e sucesso social. Além disso, há a necessidade de autovalorização, ou seja, da estima por nós mesmos (auto-estima). Ambas nos ajudam a desenvolver um senso de auto-confiança, que é essencial para o enfrentamento dos desafios e dificuldades de modo saudável.
- Necessidade de autorrealização: é a mais elevada na hierarquia, sendo de difícil alcance. Configura-se no desenvolvimento máximo dos potenciais, talentos e capacidades individuais. A autorrealização é de difícil obtenção por várias razões. É a menos potente, então, se as anteriores não forem minimamente satisfeitas, sua aquisição estará comprometida.
Sobre as necessidades, é importante esclarecer que:
a) são inatas, instintivas, mas sofrem influências do meio, que pode potencializá-las ou anulá-las;
b) é in]dispensável que as necessidades mais básicas sejam, pelo menos, parcialmente atendidas para que as superiores se tornem motivadoras e
c) as fisiológicas e de segurança se manifestam na infância, enquanto as de afiliação e de estima surgem na adolescência e as de autorrealização na meia-idade.
Maslow propôs, ainda, a existência de um outro conjunto de necessidades, as necessidades cognitivas, que incluem o conhecer e o entender. Elas estão fora da hierarquia das necessidades (pirâmide) e se manifestam no final da primeira infância (por volta dos 6 anos), caracterizando-se como uma curiosidade natural e inata, mas que precisa ser facilitada pelos adultos (SCHULTZ; SCHULTZ, 2015).
Carl Rogers: a teoria da autoatualização
Carl Rogers (1902-1987) foi um psicólogo norte-americano considerado um dos principais expoentes da abordagem humanista, tendo suas ideias bastante difundidas e utilizadas em diversos contextos. Sua teoria foi elaborada a partir da experiência clínica e em oposição aos princípios psicanalíticos e behavioristas.
Para Rogers, o homem é um ser em movimento, em constante mudança, não podendo ser esquematizado de modo reducionista ou determinista. Possui uma natureza essencialmente positiva e curiosa, além de nascer dotado da capacidade de superação das adversidades.
Tendência atualizante
Rogers considerava que o ser humano possui uma motivação única, a realização de seus potenciais. Ela é inata e objetiva à manutenção e ao aprimoramento do self, abrangendo tanto as necessidades fisiológicas quanto as psicológicas. A essa característica, Rogers deu o nome de tendência atualizante (ROGERS, 2001; SCHULZ; SCHULTZ, 2015).
Termo do glossário: Self: muitas teorias psicológicas utilizam o conceito de self. Baseando-se na concepção de Rogers, este”[…] pode ser encarado como uma condição consciente e reflexiva de si, que possui e fornece significados com os quais a pessoa identifica-se e a partir dos quais percebe a realidade.”(MAIA; GERMANO; MOURA JR, 2009, p. 37), é, portanto, equivalente ao autoconceito.
Por mais que a tendência atualizante tenha um caráter intrínseco, o ser humano não é imune à influência dos aspectos ambientais, de modo que as experiências sociais e a aprendizagem podem reprimi-la ou favorecê-la.
Nesse sentido, Rogers apontou algumas condições facilitadoras para que o potencial humano de autoatualização aconteça de modo satisfatório, abordaremos três delas: consideração positiva, compreensão empática e congruência (ARAÚJO; VIEIRA, 2013; DUARTE, 2004; SCHULTZ; SCHULTZ, 2015).
- Consideração positiva: engloba a aceitação, o amor e a aprovação recebidos por outras pessoas. Quando a aceitação independe dos comportamentos da pessoa, é chamada de consideração positiva incondicional. Pense na relação entre mãe e filho; muitas vezes o amor dela é incondicional, ou seja, não depende das atitudes dele. Isso não significa a ausência de limites, mas o respeito por suas opiniões, sentimentos e necessidades.
- Compreensão empática: é a capacidade de, temporariamente, desprender-se de suas próprias opiniões, sentimentos e julgamentos para colocar-se no lugar do outro, buscando enxergar as coisas sob seu ponto de vista por meio de uma escuta verdadeiramente atenta.
- Congruência: consiste na atitude autêntica diante do outro, ou seja, na capacidade de estabelecer uma relação sem máscaras, genuína e espontânea. Para que isso seja possível, é necessário que o indivíduo seja congruente consigo mesmo, de modo que a percepção que tem de si seja coerente com as experiências.
As pessoas que apresentam um bom grau de congruência tendem a aceitar melhor as situações da realidade, por não a considerarem tão ameaçadoras. Conseguem, assim, se desenvolver de modo mais saudável. Elas conhecem e aceitam a si mesmas, não tendo a necessidade de distorcer a realidade para se protegerem. Para resumir, podemos dizer que: você só será verdadeiro com os outros se conseguir ser verdadeiro consigo mesmo.
Rogers (2001) acreditava profundamente no potencial humano. Segundo ele, cada pessoa tem as respostas e os direcionamentos necessários para conduzir a própria vida. Ele desenvolveu sua teoria de modo mais aprofundado no contexto da psicoterapia. Todavia, ela é útil para pensarmos as diversas relações humanas.
No ambiente escolar, por exemplo, é inegável a influência do professor no que se refere à forma como a criança vai enxergar a si mesma. Além disso, o comportamento do estudante dependerá, em grande parte, do comportamento do professor. Se o educando se sente respeitado e percebe que o professor é autêntico com ele, tenderá a agir de maneira semelhante e tornar a relação mais enriquecedora, para ambos.
Abordagem Centrada da Pessoa
Os conceitos acima abordados, somados a outras concepções apresentadas por Rogers fundamentaram a proposição da Abordagem Centrada da Pessoa. A partir dela, é possível mencionar diversas contribuições no contexto educacional. O autor defendeu a importância de que o aluno seja visto de forma global, tendo seus sentimentos e emoções valorizados e respeitados. O ambiente escolar deve favorecer a manifestação das três condições facilitadoras descritas anteriormente a fim de auxiliar o aluno no desenvolvimento pleno de suas capacidades.
Acredita-se que a qualidade do processo de aprendizagem passa, por um lado, pela construção de uma relação pedagógica com base na aceitação e compreensão da pessoa do aluno e, por outro, pelo pressuposto de que o aluno contém em si potencialidades para aprender e, como tal, terá motivação para “o fazer” – o papel do professor facilitador será o de estimular e desenvolver as potencialidades do aluno e simultaneamente manter a motivação necessária ao seu crescimento e desenvolvimento pessoal. (ARAÚJO; VIEIRA, 2013, p.99)
Ao longo de sua carreira, Rogers dedicou-se, em diversos momentos, a temas relacionados à educação. No texto Freedom to Learn, Rogers (1969, p. 114, apud ZIMRING, 2010, p. 20-21), apresentou os 10 princípios da aprendizagem, listados a seguir pelo Quadro 3:
Quadro 3 – Dez princípios da aprendizagem segundo Carl Rogers
- O ser humano possui aptidões naturais para aprender.
- A aprendizagem autêntica supõe que o assunto seja percebido pelo estudante como pertinente em relação aos seus objetivos. Esta aprendizagem se efetiva mais rapidamente quando o indivíduo busca uma finalidade precisa e quando ele julga os materiais didáticos que lhe são apresentados como capazes de lhe permitir atingi-la mais depressa.
- A aprendizagem que implica uma modificação da própria organização pessoal – da percepção de si – representa uma ameaça e o aluno tende a resistir a ela.
- Aprendizagem que constitui uma ameaça para alguém é mais facilmente adquirida e assimilada quando as ameaças externas são minimizadas.
- Quando o sujeito se sente pouco ameaçado, a experiência pode ser percebida de maneira diferente e o processo de aprendizagem pode se efetivar.
- A verdadeira aprendizagem ocorre em grande parte através da ação.
- A aprendizagem é facilitada quando o aluno participa do processo.
- A aprendizagem espontânea que envolve a personalidade do aluno em sua totalidade – sentimentos e intelecto imbricados – é a mais profunda e duradoura.
- Independência, criatividade e autonomia são facilitadas quando a autocrítica e autoavaliação são privilegiadas em relação à avaliação feita por terceiros.
- No mundo moderno, a aprendizagem mais importante do ponto de vista social é aquela que consiste em conhecer bem como ele funciona e que permite ao sujeito estar constantemente disposto a experimentar e a assimilar o processo de mudança.
Fonte: Rogers (1969, p. 114, apud ZIMRING, 2010, p. 20-21).
Título : Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem
Autoras : Josieli Piovesan, Juliana Cerutti Ottonelli , Jussania Basso Bordin e Laís Piovesan
Fonte: Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem [recurso eletrônico] / Josieli Piovesan … [et al.]. – 1. ed. – Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.