Em 1946, foi promulgada a nossa 5ª Constituição, com ideias liberais e democráticas. Defendia a educação como direito de todos, condição expressa no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, concedia à União a responsabilidade sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabelecia a obrigatoriedade do ensino primário. O nível médio continuou dual, oferecendo ensino secundário de cunho acadêmico e ensino técnico, com característica utilitária. Ambos voltados para o conhecimento empírico, em detrimento do aprendizado científico.
Neste mesmo ano, no governo Dutra, foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). Havia ainda neste período a predominância de escolas particulares, em sua maioria, confessionais, dirigidas pela Igreja Católica. Durante o primeiro ano de presidência (1951), Vargas criou o Conselho Nacional de Pesquisa (CNP) e a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); e em 1954 surgiu a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES). O Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais originou-se em 1955, na presidência de Juscelino Kubitschek.
Este era o tipo de investimento realizado na educação. Havia, portanto, um aumento pouco significativo de instituições pedagógicas. Não havia estudos e projetos visando à melhoria qualitativa do ensino, que continuava seletivo e excludente. Esta situação se explica, em parte, pelo descumprimento do repasse integral da verba destinada à educação, prevista pela Constituição. Em 1948, o Ministro da Educação e Saúde, Clemente Mariani, encaminhou à Câmara o primeiro Projeto de Lei de reforma geral da educação nacional, elaborado por três comissões (Ensino Primário, Ensino Médio e Ensino Superior) coordenadas pelo educador Lourenço Filho. Este projeto ficou 13 anos em tramitação. A Lei foi sancionada apenas em 20 de dezembro de 1961. Sobre o longo período, Ribeiro (1984, p. 135) comenta que
Até 1952, o projeto não passou do exame das comissões parlamentares; de 1952 a 1958, transcorre uma fase de debates sobre a interpretação do texto constitucional e, de 1958 a 1961, transcorre uma segunda fase de debates no plenário da Câmara, iniciada a partir da apresentação de um substitutivo do então deputado Carlos Lacerda.
Foram realizadas muitas discussões sobre o projeto. O grupo dos adeptos da teoria francesa da Escola Nova defendia a descentralização do ensino, como condição para a criação de classes experimentais, favorecendo a renovação e adequação de métodos e técnicas pedagógicas às características regionais e individuais. A Igreja também defendia esta posição, ressaltando que o indivíduo e a família tinham direito à liberdade, previsto pela Constituição. Eles temiam a centralização, porque ela permitiria a definição e imposição de currículos, programas e metodologia educacionais pelo governo federal.
Os que defendiam a centralização do ensino alertavam para o risco de descontrole provocado pela diversidade da prática educativa e propunham ao Estado a responsabilidade de ofertar ensino laico e gratuito. Em 1957, o Deputado Carlos Lacerda apresentou um substitutivo ao Projeto. O texto enfatizava o direito que as pessoas tinham de escolher o tipo de escola que queriam frequentar. Esta pretensa liberdade escondia as intenções de favorecer as escolas particulares que, em alguns casos, poderiam se beneficiar com recursos públicos.
A Igreja reforçava esta posição, justificando que o ensino na escola pública se limitava ao desenvolvimento da inteligência, sem considerar o aluno integralmente. Argumentava também que estas instituições educacionais eram defendidas por socialistas e comunistas, ligados a partidos radicais de esquerda, anticristãos e antipatrióticos. Em 1961, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), no. 4.024/61 – com ideais de liberdade, nacionalismo, democracia e solidariedade internacional-, cujo 1º artigo reproduzimos a seguir:
A Lei privilegiou os estabelecimentos de ensino particulares, omitindo o dever do Estado de disponibilizar ensino gratuito, previsto pela Constituição de 1946. Estabeleceu também o princípio da equivalência para os cursos do ensino médio (secundário e técnico), com articulação horizontal (possibilidade de mobilidade entre os cursos) e vertical (acesso ao ensino superior mediante aprovação em exame vestibular).
Determinou também a organização e composição do currículo com disciplinas obrigatórias e disciplinas obrigatórias complementares definidas pelo Conselho Federal de Educação; e disciplinas optativas, indicadas pelos Conselhos Estaduais de Educação. Muitos estabelecimentos de ensino ofertavam disciplinas do curso profissionalizante como optativas, entre elas as artes industriais, técnicas agrícolas e técnicas comerciais. Veja que a flexibilidade e a escolha das disciplinas eram realizadas, na prática, pelos órgãos competentes, sem considerar as peculiaridades das escolas e dos alunos, previstas pela LDB.
A estrutura do ensino ficou definida legalmente da seguinte forma: Apesar de constar em Lei, o pré-escolar não era obrigatório e poucas escolas ofereciam este nível de ensino. Esta Lei proporcionou melhorias qualitativas principalmente para o ensino primário, definindo qualificação mínima para os professores e ampliando o número de escolas normais. Apesar de atender aos interesses do mercado internacional, priorizando o ensino humanístico sobre o científico (para evitar concorrência na área tecnológica), e valorizando o ensino particular em detrimento do público, a Lei previa o acesso à educação formal.
As pessoas, por sua vez, procuravam se informar sobre seus direitos e pressionavam para que ela se cumprisse. Era o despertar sobre a importância da aquisição do conhecimento sistematicamente elaborado, para uma maior compreensão do processo produtivo, para o crescimento profissional e melhoria salarial. Esta consciência da classe trabalhadora incomodava a classe dirigente. E a elite dirigente sentiu-se ainda mais ameaçada com o surgimento, na década de 60, de projetos que se destinavam a valorizar a cultura e promover a alfabetização de adultos, uma vez que, escolarizadas, as pessoas das classes menos favorecidas poderiam participar mais ativamente das questões políticas e econômicas nacionais. Eram conhecidos como Movimentos de Educação Popular.
Entre eles destacaram-se os Centros Populares de Cultura (CPC), os Movimentos de Cultura Popular (MCP) e o Movimento de Educação de Base (MEB). Os Centros Populares de Cultura (CPC) eram vinculados à União Nacional dos Estudantes (UNE) e utilizavam a arte – principalmente o teatro de rua- para desenvolver o censo crítico das pessoas, visando à transformação social. Os Movimentos de Cultura Popular (MCP) surgiram em Recife e procuravam, através do resgate dos valores culturais regionais, promover a alfabetização de adultos, socializando saberes através do diálogo. Trabalho semelhante ocorreu no Rio Grande do Norte, através da campanha “De pé no chão também se aprende a ler”.
O Movimento de Educação de Base (MEB) era ligado à Igreja Católica e suas atividades ficavam sob a responsabilidade da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Desenvolvia um projeto de alfabetização baseado na comunicação, objetivando conscientizar o povo para promover mudanças e melhorias na sua condição de trabalho.
Em 1962, o pernambucano Paulo Freire desenvolveu, na cidade de Angicos, no Rio Grande do Norte, um método para alfabetizar adultos em 40 horas. Este trabalho foi publicado no livro Educação como prática de liberdade. A elaboração e execução deste processo de ensino e aprendizagem consistia
Como primeira fase, (…) no levantamento do universo vocabular dos grupos com quem se ia trabalhar; como segunda fase, na escolha das palavras selecionadas no universo vocabular pesquisado; como terceira fase, na criação de situações existenciais típicas do referido grupo; como quarta fase, na elaboração de fichas-roteiro que auxiliassem os coordenadores e, como quinta fase, na leitura de fichas com a decomposição das famílias fonêmicas correspondente aos vocábulos geradores.
(RIBEIRO, 1984, p. 157)
Em 21 de janeiro de 1964, o governo, inspirado pelo resultado positivo deste trabalho pedagógico, criou o Plano Nacional de Alfabetização (PNA), utilizando o método Paulo Freire. Estas atividades concretizavam propostas educacionais coerentes com a necessidade do povo brasileiro, rompendo com o ciclo de importação de ideias pedagógicas. Esta forma de pensar se contrapõe à dos defensores dos ideais da Escola Nova (“otimismo pedagógico”). Na verdade, estes movimentos de educação popular buscavam reverter, na prática, a proposta elitista da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Este trabalho foi interrompido pelo golpe militar de 1964, sob a alegação de que era subversivo, comunista. Outro fato marcante deste período, que precisa ser mencionado, diz respeito à reforma do ensino universitário promovida na Universidade de Brasília, que se posicionou contra o modelo universitário importado, o qual privilegiava a ciência e cultura estrangeiras. As mudanças propostas priorizavam o aprofundamento de estudos da realidade brasileira, visando à criação de teorias e tecnologia nacional.
Título : História da Educação no Brasil
Autor : Josimeire Medeiros Silveira de Melo
Fonte: História da Educação no Brasil / Josimeire Medeiros Silveira de Melo; Coordenação Cassandra Ribeiro Joye. – 2 ed. Fortaleza: UAB/IFCE, 2012.