Um pouco a respeito de Lévinas: Educar na Perspectiva das Diferenças e da Outreidade:
Judeu francês, Lévinas vindo da corrente filosófica do existencialismo, encantou-se com os mitos da Lituânia, sua terra natal.
Deus, quando criava os homens, voltava-se de costas, para que aquela criatura ganhasse a liberdade absoluta, e jamais lhe devesse sua criação ou precisasse, por retribuição, se submeter ao seu criador. A alegria e a realização de Deus estavam na gratuidade do seu amor livre, desejando também que o outro, nascido de suas mãos por livre vontade, pudesse também viver a mesma liberdade criadora, sem tutelas.
Lévinas se perguntou: por que não dar estatuto filosófico à essa criação mítica?
Lévinas encontrou razões para isso. Nossa vida não começa em nós e por nós mesmos. O que temos é dom. Recebemos o concurso de, pelo menos, dois seres humanos – um homem e uma mulher – que nos geraram com a doação de uma carga genética. A cultura de todos outros e outras nos precedeu. Nosso corpo biológico emprestou e se sustenta dos elementos materiais e espirituais dos quais sobrevivemos, a terra, o ar, a água, os nutrientes, acolhimento, reconhecimento, amor. Somos um presente das alteridades. E-f-e-t-i-v-a-m-e-n-t-e, temos a liberdade de escolher qual relação queremos ter com estas alteridades.
Nos pertencemos e não nos pertencemos. Sequer nós temos nas mãos, “estrangeiros que somos a nós e a este mundo” (Camus). Meu rosto precisa do rosto e do olhar do outro que me aceite, que me acolha, que me ame. Nossa falta e incompletude visceral nos arremete para fora de nós. É procurando o que não-sou-eu, que me encontro em toda a profundidade no mistério que sou.
Gato
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes.
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu,
Eu vejo-me estou sem mim
Conheço-me e não sou eu” (Fernando Pessoa)
É perdendo-nos que nos encontramos!
(Francisco de Assis)
Por causa disso, a filosofia, dirá Lévinas, não começa pela busca das essências; isto é, pela Ontologia, a chamada filosofia do ser,
É a partir dela que somos. Vivemos em e na relação com… Poderíamos brincar dizendo que, em Lévinas: “Sou ético, logo existo!”
Ninguém é ético sozinho ou para si. Não existe qualquer sentido ético num ser humano perdido numa ilha. Ser ético me diz que só sou com… Mais do que isso: só sou para os demais, que recortam e constituíram minha identidade em relação à toda a humanidade.
O humanismo do outro homem é um livro de Lévinas, em Português. Desenvolve a ideia de que eu me defino humano face aos outros seres humanos.
E Lévinas vem molhado pela experiência pessoal de transcendência diante da violência e do absurdo dos campos de concentração e extermínio. Lá, Lévinas, aprendeu como ninguém, a partir dos horrores da desumanidade, o sentido da vida humana e da solidariedade.
Enrique Dussel,
argentino, teve sua casa bombardeada em Buenos Aires, refugiou-se no México, e hoje pertence ao grupo de pensadores da Costa Rica, ligados a Hinkelammert. Esboçou durante quase 30 anos o que ele chamou: “Por uma ética latino-americana. Entretanto, no ano de 2000, Dussel lançou uma ética com nome e endereço, que ele chamou: “Ética da Libertação em tempos de exclusão e globalização”. Dussel vai beber na filosofia de Lévinas. Este extenso livro de Dussel, que visita tudo o que se produziu sobre ética na Filosofia, reinventa o princípio fundamental e absoluto da Ética, tomado, segundo ele, de Levinás: “Vale a VIDA!”: o que ele chama de “a vontade de viver”. (Shopenhauer)
A Ética nasce nos limites das diversidades, das alteridades. Se hoje, a cultura global busca homogeneização das diferenças, e, é na expressão livre de cada sujeito que ela se assenta como sistema e cultura. Na palavra de Jung Mo Sung, pesquisador coreano e brasileiro, o qual pertence, também, ao grupo de Costa Rica, inspirado em Hinkelamuert: “O homem se separa do cogumelo… porque é uma ausência que grita!” Explica Mo Sung, as pessoas saem da condição de cogumelos para se tornarem sujeitos, quando se expressam como um grito contra a dependência e a alienação. Grito que não pode ser exclusivamente individual, pessoal, mas precisa ser coletivo.
O projeto educacional que afina com a Ética da Libertação, segundo Dussel, é o da Educação Libertadora de Paulo Freire. Em ambos os projetos educacionais, a medida de cada qual serão os outros/as. Mas muito mais que isso: Ninguém estará só, mesmo quando isolado, preso, detido, “incomunicável” porque sua luta pela emancipação e liberdade é uma luta de todos e todas pela vontade de viver.
A luta toma sentido novo quando adquire a característica de grandes marchas solidárias; grandes “muchiruns 6 ” contra as injustiças. A vitória está na própria convivência, no próprio movimento, na própria insurgência, amorosa, coletiva e festiva.
Na história, por vezes, a grande vitória será apenas a de se ter resistido e lutado sempre, lado a lado, todos os dias e a cada segundo. Exprime, assim, o grande grito de rebeldia contra a dominação. Luta de todos e todas, que nos confere um rosto humano junto a todos os outros homens e mulheres.
REFERÊNCIAS:
Fundamentos de Filosofia: os caminhos do “Pensar” para quem quer transformação / Luiz Augusto Passos. — 1ª ed., 1ª reimp. — Brasília/DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 2014.