Nesta subunidade veremos eixos norteadores da pedagogia tecnicista, concomitantemente ao avanço e predomínio da pedagogia tecnicista se desenvolveu também a concepção analítica de filosofia da educação. Na década de 70, junto à presença da concepção analítica e a predominância da tendência tecnicista, surgiram estudos empenhados em fazer crítica da educação dominante, na Figura 21 é apresentado pela “tempestade de ideias” os principais contextos estudados nesta subunidade.
O surgimento da pedagogia tecnicista na segunda metade do século XX, nos Estados Unidos, somente chega ao Brasil entre as décadas de 60 e 70, inspirada nas teorias behavioristas da aprendizagem (ASSIS, 2011).
Ainda segundo Assis (2011) esta pedagogia deparava-se com o modelo capitalista, fazendo parte de sua engrenagem, objetivando dentro deste sistema construir sujeitos competentes para o mercado de trabalho.
Segundo Saviani:
A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia tecnicista advogou a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretendeu-se a objetivação do trabalho pedagógico. Buscou-se, então, com base em justificativas teóricas derivadas da corrente filosófico- -psicológica do behaviorismo, planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência. Se na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao educador e se na pedagogia nova a iniciativa deslocou-se para o educando, na pedagogia tecnicista o elemento principal passou a ser a organização racional dos meios, ocupando o educador e o educando posição secundária. A organização do processo converteu-se na garantia da eficiência, compensando e corrigindo as deficiências do educador e maximizando os efeitos de sua intervenção. (SAVIANI, 2013, p.382).
O educador e o educando não eram valorizados, mas sim a tecnologia, a indústria, o capital. Também nessa época o educador torna-se especialista, responsável por “passar” ao aluno verdades científicas incontestáveis. Ou seja, a escola não trabalhava a reflexão e criticidade nos educandos. Esta proposta foi utilizada no período do regime militar do país, onde era necessário formar mão-de-obra para o mercado de trabalho.
Assim, temos o formato behaviorista de ensino, onde eram utilizados estímulos, reforços negativos e positivos para se obter a resposta desejada, moldando o comportamento do sujeito, de forma a controlar a conduta individual. Era ensinado apenas o necessário para que os indivíduos pudessem atuar de maneira prática em seus trabalhos.
Saiba mais: o Behaviorismo – do termo inglês behaviour ou do americano behavior, significando conduta, comportamento – é um conceito generalizado que engloba as mais paradoxais teorias sobre o comportamento, dentro da Psicologia. Estas linhas de pensamento só têm em comum o interesse por este tema e a certeza de que é possível criar uma ciência que o estude, pois suas concepções são as mais divergentes, inclusive no que diz respeito ao significado da palavra ‘comportamento’. Os ramos principais desta teoria são o Behaviorismo Metodológico e o Behaviorismo Radical.
No Quadro 06 a seguir, é discorrido sobre os princípios básicos da pedagogia tecnicista.
Saiba mais: as diretrizes da Pedagogia Tecnicista foram definidoras do texto de nossa 1ª LDB n. 4024/61 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1961), em um embate de ideias e projetos que a fizeram tramitar por 15 anos (1946-1961). Feitoza (2008).
Ainda nos dias atuais, segundo Saviani (2007), a pedagogia tecnicista é exercida em muitas escolas e cursos diversos, onde nota-se uma utilização frequente de manuais didáticos, vindo a permanecer o caráter instrumental e técnico.
Concepção Analítica
Com o avanço da pedagogia tecnicista desenvolveu-se também a concepção analítica de filosofia da educação, para Saviani (2013) isso é explicável porque ambas possuem relação. Porém, ele também acredita que não se pode afirmar que a pedagogia tecnicista se inspira na concepção analítica, já que deriva dela. Visto que para a concepção analítica a filosofia pertence a outra ordem de conhecimento. Tratando-se de um conhecimento de segundo grau, não tendo como objetivo a realidade, mas a linguagem que exterioriza sobre a realidade, conforme Figura 22.
Saviani (2013, p. 234) ainda discorre que a “concepção analítica refere-se à clareza e consistência dos enunciados relativos aos fenômenos e não aos próprios fenômenos”.
Saiba mais: a afinidade entre a pedagogia tecnicista e a concepção analítica situa-se não no plano das consequências, mas sim no plano dos pressupostos. Porém, ambas se baseiam nos mesmos pressupostos da objetividade, racionalidade e neutralidade.
Conforme Almeida a filosofia analítica e continental é caracterizada como:
A filosofia analítica desenvolvida ao longo do século XX, caracteriza-se como sendo um extenso e vasto campo de atuação, com natureza de fazer filosofia, requintando a metodologia filosófica e instaurando uma nova forma de conduzi-la.
Portanto influente em países de língua inglesa e na tradição filosófica ligada a eles, a filosofia analítica, ficou conhecida como “filosofia continental”, baseando-se principalmente em autores europeus de direcionamento existencialista ou fenomenológico. No Brasil a tradição filosófica se divide entre duas correntes, a filosofia analítica e continental. (ALMEIDA, 2014, p. 31)
Saiba mais: filosofia continental é uma expressão criada originalmente pelos filósofos analíticos anglófonos (falantes da língua inglesa), principalmente estadunidenses e britânicos, para descrever várias tradições filosóficas procedentes da Europa continental, principalmente da Alemanha e da França. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia_continental
É muito importante deixarmos claro a diferença entre as duas filosofias, conforme Quadro 07, pois elas tomaram rumos distintos não só em assuntos abordados, mas na metodologia por elas utilizada.
Além da lógica formal clássica, a filosofia analítica conta hoje também com a lógica modal, que trata dos casos de modalidades, sendo as principais: possibilidade, necessidade, probabilidade e impossibilidade, conforme D’AGOSTINI (2002, p.45).
Segundo D’Agostini (2002, p. 280) apud Maciel (2016, s/p.) entre as áreas mais exploradas por filósofos analíticos estão:
- Filosofia da mente e ciência cognitiva;
- ética, incluindo a de meta-ética;
- ética normativa e ética aplicada;
- religião;
- filosofia política, particularmente questões acerca do libertarianismo;
- liberalismo e comunitarismo;
- filosofia da ciência, com subáreas para todas as ciências naturais existentes atualmente, bem como para a história da ciência;
- metafísica, que embora rejeitada no início do século XX, foi retomada por filósofos como David Armstrong e David Lewis, que desenvolveram teorias sofisticadas em diversos tópicos da metafísica, como universais, causalidade, objetos abstratos, necessidade e possibilidade;
- filosofia da linguagem;
- epistemologia; e estética.
Visão crítico-reprodutivista
Na mesma década de 70 com a predominância da pedagogia tecnicista e a presença da concepção analítica, surgiram estudos com o propósito de criticar a educação dominante, chamando a atenção para a política educacional. A pós-graduação instalada no regime militar sob ótica da pedagogia tecnicista foi fruto de críticas. Ela surgiu tendo referência o binômio “segurança e desenvolvimento, pensada como instrumento pedagógico para a viabilização das metas traçadas no Plano Nacional de Desenvolvimento (PND)” (SAVIANI 2013, p. 392).
Para tanto ainda foi arquitetado o “Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG) articulado ao Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT) e ao Plano Setorial de Educação e Cultura (PSEC)”, Saviani (2013, p. 233), com o objetivo da pós-graduação formar educandos com alto nível de conhecimento, no campo científico e tecnológico, com a finalidade de impulsionar a economia do país.
Ainda segundo Saviani (2007) a organização da pós-graduação baseou-se na experiência dos Estados Unidos, de autoria de Newton Sucupira que a conceituou. Logo, os programas de pós-graduação foram fortemente marcados pela pedagogia tecnicista. Na Figura 23 relata a importância de Luiz Antônio Constant Rodrigues da Cunha sobre o estrangeirismo.
Conforme vimos a estrutura da pós-graduação foi inspirada no modelo americano, o espírito da implantação dos programas foi em parte influenciado pelos europeus, principalmente pela Europa Continental. Logo, com o modelo americano e a influência teórica europeia, a pós-graduação no Brasil acabou produzindo um modelo novo. Segundo Saviani (2013) este modelo é superior àqueles que lhe deram origem.
Assim, a pós-graduação, refletindo as contradições da sociedade brasileira, acabou constituindo-se num espaço importante para o desenvolvimento de uma tendência crítica, gerando estudos consistentes e significativos sobre a educação (SAVIANI, 2013). Simultaneamente a tendência tecnicista, que ocorreu durante as décadas de 60 e 70, diversos intelectuais franceses (oriundos principalmente das ciências sociais) chegaram praticamente na mesma conclusão: “[…] à ideia da função equalizadora da escola era ingênua, porque, em vez de democratizar, a escola reproduz as diferenças sociais, perpetua o status de uma instituição altamente discriminatória e repressiva” (ARANHA, 2006, p. 252 apud MAIA; VEIGA, 2017, s/p.).
Bourdieu e Passeron: a violência simbólica
Pierre Bourdieu (Figura 24) e Jean-Claude Passeron (Figura 25), autores franceses escreveram duas obras importantes: Os Herdeiros (1964) e A Reprodução (1970). Nestes escritos, encontramos severas críticas à instituição escolar ao analisar esta cultura a partir dos condicionantes sociais, concluindo pela total dependência da escola em relação à sociedade.
Tanto Bourdieu como Passeron desfazem a ideia da autonomia absoluta do sistema escolar, em que a escola está na mesma direção que a sociedade (ARANHA, 2006). Assim, os autores chamam essas particularidades de: violência simbólica, escondida através de uma neutralidade pedagógica.
Para Aranha a violência simbólica significa:
A violência simbólica leva as pessoas a agir e a pensar por imposição, sem se darem conta dessa coação. Nesse sentido, a cultura e os sistemas simbólicos em geral podem se tornar instrumentos de poder quando legitimam a ordem vigente e tornam homogêneo o comportamento social. (ARANHA, 2006, p. 252)
Portanto, a escola transforma-se em “[…] instrumento de violência simbólica, já que, reproduz os privilégios existentes na sociedade e beneficia os socialmente favorecidos, reservando o sucesso aqueles cujas famílias pertencem à classe dominante, ou seja, os herdeiros do sistema vigente” (ARANHA, 2006, p. 253).
Segundo Aranha a educação e os hábitos privilegiam a criança na escola, logo:
Os hábitos são inculcados desde a infância por um trabalho pedagógico realizado primeiro pela família e, posteriormente, pela escola, de modo que as normas de conduta que a sociedade espera de cada indivíduo sejam interiorizadas por ele. Ora a educação familiar das crianças vindas das classes privilegiadas é muito próxima daquela que receberão na escola, isto é, seus hábitos familiares são semelhantes aos hábitos e ritos escolares. São crianças acostumadas a viagens, visitas a museus, contato com livros, discussões, além de ter o domínio da linguagem que é adotada na escola. (ARANHA, 2006, p. 253).
Torna-se bastante frequente a explicação de que as desigualdades com relação ao sucesso escolar resultam de “desigualdades naturais”. Logo, o sucesso dos educandos decorre de dotes naturais, qualidades inerentes, mérito pessoal, entre outros.
Althusser: a escola como aparelho ideológico do Estado
Para Louis Althusser filósofo francês, conforme Figura 26, a escola não deve ser isolada da sociedade e sim fazer parte dela, com isso ele desenvolve a noção de aparelho ideológico do Estado, em que a escola tem que reproduzir uma ideologia dominante, e ao mesmo tempo ensinar o saber prático.
A noção de ideologia representa: o conjunto de ideias da classe dominante estendido à classe dominada e que visa a manutenção da dominação. Por meio da “[…] ideologia, a exploração é mascarada e os valores da burguesia passam a ser considerados universais, não mais valores de determinada classe, impedindo o pensar do trabalhador” (ARANHA, 2006, p. 254 apud NIKEL, 2014).
Para o autor Althusser (s/a) apud Aranha (2006, p.225):
A classe trabalhadora é marginalizada quando a escola não oferece chances iguais para todos, mas, ao contrário, determina de antemão a reprodução da divisão das classes sociais. Além disso, pela abrangência de sua ação, inculca a ideologia dominante e impede a expressão dos anseios da classe dominada.
Assim para Althusser (s/a) apud Nikel (2014) a crença na qual o Estado trabalha para o bem comum, não é uma verdade. Um exemplo bem claro disso é a justiça em nossa sociedade. Nem todos são punidos da mesma forma, já que, quem legisla e aplica a lei é a classe dominante.
Baudelot e Establet: a escola dualista
Os franceses Roger Establet e Christian Baudelot, Figura 29, escreveram em 1971 “A escola capitalista na França”. Um dos pontos interessantes trata-se da crítica que os autores fizeram aos seus compatriotas Bourdieu e Passeron. O livro observa a contradição real entre classe dominante e classe dominada e leva em conta a força latente da ideologia do proletariado (ARANHA, 2006).
Para Establet e Baudelot vivemos em uma sociedade dividida em classes, não é possível haver uma escola única, existindo na verdade duas escolas totalmente diferentes: a secundária superior (SS) e a primária profissional (PP), que corresponde a divisão da sociedade proletária e burguesa (NIKEL, 2014).
Ainda segundo Nikel (2014) desde o começo dos tempos, os filhos dos proletariados são destinados a não atingir níveis de ensino superior, sendo encaminhados para atividades manuais. Logo, segundo ele, a escola, tem a função de reproduzir as divisões sociais já existentes.
Assim, observa-se que a escola reafirma a divisão entre trabalho intelectual e trabalho manual, já que nessa dicotomia repousa a possibilidade material da manutenção da estrutura capitalista. Distinto de Bourdieu e Passeron, para Establet e Baudelot o proletariado possui convicções próprias, que se ocasiona fora da escola, nas mais variadas organizações de operários (ARANHA, 2006 apud NIKEL, 2014).
FONTE:
Teorias da educação [recurso eletrônico] / Cíntia Moralles Camillo, Liziany Müller Medeiros. – Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.
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