A questão: Os sentidos nos enganam.
A cultura propaga, pelos outdoors, telões, jingles querendo convencer a todos e todas do valor dos objetos pelo tamanho que eles possuem, pelo poder, pela beleza, pelo brilho, pela atração, pela aparente verdade, pela magia, da imprescindível necessidade de, para sermos felizes, tê-los sob nosso domínio. É necessário bebermos a cerveja mais ousada; usarmos o jeans mais livre; o carro mais sagrado; a pílula mais eficaz, o dentifrício mais refrescante, e, o perfume mais saliente e sedutor. O marketing, segundo Arturo Paoli, chega a usar a lateral de um edifício de 15 andares para desenhar uma pilulazinha de poucos milímetros contra prisão de ventre. Haja poder!
A sociedade do “Mais”
Busca-se o mais intenso, cheiroso, redondo, gostoso, prazeroso, saciante: a sociedade da plenitude. Por outro lado, quando o vazio e o tédio tomam conta, as pessoas usam a linguagem esclarecedora: “Estou cheio da vida”. Por vezes, esta expressão precede o suicídio. Lacan diria que é o excesso, a posse de tudo, que leva à loucura e à morte. A falta e a perda não leva ao sucídio, ainda que cause sofrimento. Ao dizer-nos faltantes, incompletos estamos dentro do princípio da realidade, da verdade íntima sobre nós mesmos.
Ao dizer-nos plenos, saciados: estamos acreditando que é real a ilusão que saboreamos no princípio do prazer – estamos, neste caso, completamente loucos. Na verdade, a sociedade da miséria, da fome, da exclusão, da violência real e simbólica, do racismo, da xenofobia, do extermínio precisa acenar-nos com a ilusão, para vivermos no desejo o que ela não pode dar. Adorno, filósofo ligado à escola alemã de Frankfurt, insiste que os meios de comunicação, via propaganda, repressivamente, acenam para o que está interditado, o carro veloz, a mulher desejada, a roupa que conduz ao reconhecimento, a bebida que gera liberdade, o sabonete que nos torna sedutores.
Politicamente… a sociedade se conduz da mesma forma
A propaganda eleitoral convence-nos da força moral do candidato, de sua argúcia, de sua coragem na solução dos problemas tão óbvios, os quais sequer são enxergados por eles quando no poder, nada do que antes foi anunciado, muda.
Por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento!
No alegoria da caverna, encontrada no livro 7º da República de Platão, escrita no século IV A. C., talvez figurando o pensamento de Sócrates seu mestre, Platão considerava a melhor contribuição da filosofia, distinguir entre o aparente e sua essência, e portanto permitir conhecer o que está por trás das aparências nos fenômenos. Conta a alegoria da caverna que havia um grupo de pessoas acorrentadas em uma fenda profunda. Estas pessoas representam, para Platão, a condição de todo e qualquer mulher ou homem: condição da humanidade de cada um.
Eles apenas contemplavam aquilo que era, para eles, a única realidade: sombras dos seres reais que projetadas de fora da caverna, pela luz do sol, que imprimiam silhuetas inquietas e moventes sobre o imenso paredão que se alevantava à sua frente. Os acorrentados davam nome às sombras, “cão”, “cavalo”, “homem”, “mulher”… E, tinham uma lenda. Aqueles que se aventurassem, – e poucos fizeram -, ao sair da caverna, enlouqueciam. Inda assim, um homem jovem decidiu que escalaria o paredão, queria ver outras coisas, se houvesse.
Ninguém conseguiu dissuadi-lo. Ele defrontou-se com a luz do sol, ficou cego. Levou muito tempo para que os olhos se acostumassem à luz. Começou então a compreender o que se passava. E ao ver que da caverna não se contemplavam senão sombras, correu para os companheiros numa extraordinária euforia: “São falsas… São falsas as coisas que vocês vêem!” Os companheiros o amarraram – confirmara-se a desgraça. Ficara perigosamente louco, concluíram.
O caminho da verdade: reminiscência
Para Platão, viemos de um mundo pré-existente onde éramos ideias, espíritos.
Ao nos encarnar, descemos sobre o lago Lete (esquecimento), de forma que nossa existência no mundo (no magma, na matéria) vela nossa origem. É necessário uma via ascética no interior de si mesmo, para sintonizar por meio da reminiscência (nossa memória), o mundo real das essências no Mundo das Ideias (Topos Noetos).
Os filósofos são aqueles que – por um movimento radical de crítica à aparência material, magmática, do ser – “vêem” as essências interiores e espirituais, driblando aquilo que enxergamos e que nos toca, a aparência material que oculta e embaça a verdade do ser. Por isso, os filósofos deveriam ser também os governantes, segundo Platão, porque possuiriam a verdade da condição humana, ultrapassando a ditadura da aparência.
Platão, pois, como filósofo desde o século IV A.C. continua nos estimulando a pensar os indivíduos, a sociedade, a república e os processos educacionais. Nos seus dias, compartilhava com Sócrates, seu mestre, denunciando a direção da educação dada pelos mais velhos à juventude grega. A geração dos adultos levaria os jovens à corrupção e à falência da ética, da decência, da cidadania. Por isso, insistia que o centro de tudo era a Aretê – misto de perfeição e arte de alcançar um fim – isso é, a qualidade que faz qualquer virtude, virtuosa.
REFERÊNCIAS:
Fundamentos de Filosofia: os caminhos do “Pensar” para quem quer transformação / Luiz Augusto Passos. — 1ª ed., 1ª reimp. — Brasília/DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 2014.