A disortografia refere-se a prejuízos na expressão da escrita e pode ser definida como:
Perturbação que afeta as aptidões da escrita e que se traduz por dificuldades persistentes e recorrentes na capacidade da criança em compor textos escritos. As dificuldades centram-se na organização, estruturação e composição de textos escritos; a construção frásica é pobre e geralmente curta, observa-se a presença de múltiplos erros ortográficos e [por vezes] má qualidade gráfica (PEREIRA, 2009, p. 9).
Na disortografia, são as aptidões da expressão escrita que estão comprometidas, o que não se explica por déficit intelectual, visual ou auditivo, nem por escolarização insuficiente (GARCÍA, 1998). A quinta versão do DSM (DSM-5, 2014) traz como critério para a disortografia a presença de déficits na precisão ortográfica, na precisão gramatical e pontuação e na clareza ou organização da escrita. Os déficits presentes na disortografia podem se manifestar a partir das seguintes características:
- falta de interesse para escrever;
- produção de textos muito curtos, com organização pobre e pontuação inadequada;
- numerosos erros ortográficos de natureza diversa;
- inversões de sílabas (exemplo: pipoca / picoca);
- omissões de letras ou de sílabas (exemplo: cadeira / cadera – branco /baco);
- adições de letras, de sílabas ou de palavras (exemplo: telelevisão);
- troca de grafemas que se parecem sonoramente (exemplo: “faca”/“vaca”- chinelo / jinelo);
- substituição de letras que se diferenciam pela sua posição no espaço (exemplo: dado /dabo);
- confusão entre fonemas que apresentam dupla grafia (exemplo: chá/“xá”);
- omissão da letra “h”, por não ter correspondência fonêmica (exemplo: omem);
- dificuldades na associação entre fonemas e grafemas, trocando letras sem qualquer sentido;
- erros na separação de sequências gráficas pertencentes a uma dada sucessão fónica, ou seja, une palavras (exemplo: “ocarro” em vez de “o carro”) ou junta sílabas pertencentes a duas palavras (exemplo: “no diaseguinte” em vez de “no dia seguinte”);
- erros referentes às regras de ortografia (exemplo: não coloca “m” antes de “b” ou “p”);
- desconsideração das regras de pontuação;
- início de frases com letra minúscula;
- desconhecimento da forma correta de separação das palavras na mudança de linha, a sua divisão silábica, a utilização do hífen (exemplo: cas-a).
A partir dessas características, talvez você tenha se perguntado:
“Qual é a diferença entre disortografia e dislexia?”
As características da disortografia estão presentes no quadro da dislexia. Na dislexia também há um déficit no sistema fonológico – presente na disortografia –, caracterizado por dificuldades na conversão grafema-fonema, ocasionando leitura e escrita lenta, confusão entre palavras similares e prejuízos na compreensão da leitura e escrita.
Todavia, a dislexia refere-se a prejuízos na leitura e a escrita, enquanto a disortografia é um déficit específico da escrita (FERNÁNDEZ, et al., 2010). Sendo assim, um aluno com disortografia guia-se pelo aspecto fonético (som) da palavra, os erros seguem um critério lógico, há uma regularidade no erro.
Na escrita, não percebe os erros, mas na leitura – quando o erro interfere no som – percebe. Por exemplo, se o aluno escreveu no texto a palavra “caza”, ao fazer a leitura, não perceberá o erro, pois ele não altera o som; já, se ele escreveu “bado” em vez de “dado”, ao ler, perceberá o erro.
O aluno com dislexia provavelmente não perceberá Apesar de serem condições diferentes, com frequência a disortografia aparece associada à dislexia ou a outros transtornos de aprendizagem. Sua ocorrência isolada é rara (FERNÁNDEZ et al., 2010).
ATENÇÂO: algumas dificuldades presentes na disortografia fazem parte do processo de apropriação do sistema ortográfico da língua. Porém, os alunos sem o transtorno superarão as dificuldades ao longo da escolarização. Para aqueles que apresentam a disortografia, as dificuldades persistirão mesmo com a progressão da escolaridade. Também é preciso considerar que alguns alunos poderão permanecer com as dificuldades em decorrência do frágil ensino recebido. Estes aspectos reforçam a importância de uma avaliação criteriosa e cuidadosa dos alunos com suspeita de um transtorno de aprendizagem.
Adaptações e recomendações em sala de aula
As estratégias a serem adotadas em sala de aula não seguem um único modelo. Devem ser consideradas estratégias variadas que contemplem: a correção dos erros ortográficos, a percepção auditiva, visual e espaço-temporal e a memória auditiva e visual. Para definir o que priorizar com o aluno com disortografia é indispensável que o professor o conheça, compreenda suas maiores dificuldades e potencialidades (FERNANDEZ et al., 2010).
Nesta perspectiva, seguem possíveis estratégias e recomendações:
- Evitar a mera memorização de regras, uma vez que não garante a correta escrita ortográfica;
- Oportunizar tempo extra para a realização das atividades escritas;
- Explicar ao aluno como a escrita e a ortografia funcionam. Pode-se utilizar a produção espontânea da própria criança (palavras e histórias de poucas linhas) para explicar o que ocorreu com a escrita e, em seguida, promover a escrita ortográfica;
- Diferenciar os erros de ortografia das falhas de compreensão;
- Indicar ao aluno os seus erros e por que precisa corrigi-los;
- Valorizar o empenho do aluno e não somente o desempenho;
- Usar provas orais como um recurso extra se a escrita estiver muito comprometida;
- Fazer a correção da ortografia sempre, não permitindo que o aluno grave a forma incorreta de escrita. Porém é importante ter critério para a correção dos textos, sem cometer borrões e rabiscos com canetas coloridas;
- Assinalar com pequenas marcas os erros ortográficos e solicitar que o aluno procure a grafia correta;
- Privilegiar a expressão oral;
- Orientar os pais que ajudem nas tarefas escolares de acordo com a necessidade do aluno.
Além da disortografia um outro transtorno que afeta a expressão da escrita é a disgrafia. A disgrafia configura-se por uma escrita que destoa em relação à norma/padrão. Caracteriza-se por problemas de execução gráfica da escrita da palavra. Segundo a Associação Portuguesa de Pessoas com Dificuldades de Aprendizagem Específicas (A.P.P.D.A.E., 2011), trata-se de uma “caligrafia deficiente, com letras pouco diferenciadas, mal elaboradas e mal proporcionadas”, é popularmente chamada de letra feia. Nas palavras de Torres e Fernández (2001, p. 127), consiste em “uma perturbação de tipo funcional que afeta a qualidade da escrita do sujeito, no que se refere ao seu traçado ou à grafia”.
São características frequentes da disgrafia:
- linhas flutuantes;
- espaço irregular entre as palavras;
- mistura de letras maiúsculas e minúsculas;
- letras retocadas e ilegíveis;
- movimentos bruscos;
- traços irregulares (muito fortes que chegam a marcar o papel ou muito leves);
- desorganização geral na folha por não possuir orientação espacial, não observação da margem parando muito antes ou ultrapassando-a, amontoado de letras na borda da folha;
- irregularidade de dimensões e formas mal elaboradas;
- postura gráfica incorreta.
Abaixo você pode visualizar um exemplo de escrita disgráfica (Figura 24)
Título : Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem
Autoras : Josieli Piovesan, Juliana Cerutti Ottonelli , Jussania Basso Bordin e Laís Piovesan
Fonte: Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem [recurso eletrônico] / Josieli Piovesan … [et al.]. – 1. ed. – Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.