É possível sustentar que há no behaviorismo radical tanto uma posição negativa quanto uma posição positiva sobre a mente e seus problemas. O lado positivo está no seu tratamento alternativo da “vida mental”. Para Skinner (1974), apresentar uma explicação alternativa da “mente” está no âmago do behaviorismo radical. Espera‑se que o presente livro tenha contribuído para esse lado positivo ao mostrar que há no behaviorismo radical envergadura para lidar de maneira coerente com diversos problemas da filosofia da mente.
Desse modo, seria impreciso dizer que Skinner apresenta uma teoria do comportamento “sem mente”, já que todos os fenômenos ditos “mentais” e todos os problemas a eles relacionados são passíveis de análise pelo behaviorismo radical. O lado negativo, por sua vez, está no antimentalismo de Skinner, isto é, em suas críticas às teorias mentalistas. Em seu turno, no contexto do antimentalismo, talvez seja correto dizer que o behaviorismo radical é uma teoria do comportamento “sem mente”. Mas em que sentido não há “mente” para o behaviorismo radical?
Para responder a essa pergunta é pertinente retomar as principais teses que caracterizam o antimentalismo de Skinner no contexto da filosofia da mente. A primeira delas é o monismo fisicalista: não há um mundo imaterial da mente nem um mundo em que há tanto propriedades mentais quanto propriedades físicas (seções 5.2, 5.3 e 6.5). Essa crítica atinge o dualismo de substância e as teorias do aspecto dual. Outra crítica antimentalista é endereçada à psicologia popular: o vocabulário mentalista, além de ser impreciso e inacurado, não está sob controle das variáveis científicas (seção 4.4).
E mais, os eventos descritos por esse vocabulário não estão localizados no mesmo nível de análise, de observação e de mensuração dos eventos estudados cientificamente (seções 2.2 e 4.4). Exemplos de termos mentalistas problemáticos são: desejo, intenção, propósito, representação, imagem mental, cópia mental, conteúdos mentais, dentre outros. A crítica à psicologia popular atinge o dualismo de substância, a teoria da identidade, o funcionalismo da máquina, o funcionalismo causal e as teorias do aspecto dual. Podemos encontrar outra crítica antimentalista na negação da agência: não há agentes internos iniciadores, sejam eles mentais ou fisiológicos.
O comportamento é função das histórias filogenética e ontogenética do organismo e não fruto de um “agente teleológico”. Portanto, a explicação do comportamento está no passado e não em intenções e propósitos voltados para o futuro (seção 3.2). Essa crítica pode ser dirigida ao dualismo de substância, ao behaviorismo filosófico, à teoria da identidade, ao funcionalismo da máquina, ao funcionalismo causal, ao eliminativismo e às teorias do aspecto dual. Bem próxima da crítica da agência está a tese antimentalista contra os eventos intermediários: o comportamento não é uma resposta manifesta (output) que ocorre em função da recepção de um estímulo (input) e da manipulação intermediária das informações obtidas pela estimulação.
Em outras palavras, não há um evento in‑ terno intermediário, seja mental ou físico, na relação comporta‑ mental (seção 4.4). Esse argumento também pode ser direcionado ao dualismo de substância, ao behaviorismo filosófico, à teoria da identidade, ao funcionalismo da máquina, ao funcionalismo causal, ao eliminativismo e às teorias do aspecto dual. Há também o argumento antimentalista do conhecimento privilegiado: nós não temos conhecimento privilegiado sobre o mundo privado. Respondemos discrimativamente com maior precisão perante o mundo público e, portanto, o conhecemos melhor (seção 4.2).
Trata‑se de outra tese que também pode ser direcionada ao dualismo de substância, ao behaviorismo filosófico, à teoria da identidade, ao funcionalismo da máquina, ao funcionalismo causal, ao eliminativismo e às teorias do aspecto dual. Outro argumento essencial antimentalista é a negação do reducionismo: o comportamento não pode ser reduzido à categoria de substância tal como propõem algumas teorias da mente. Pode parecer um contrassenso relacionar o reducionismo com o mentalismo, mas devemos lembrar que mentalista não é apenas a teoria que sustenta a existência de uma mente imaterial.
No contexto da filosofia da mente, as teorias reducionistas pretendem reduzir, via neurociências, a mente à fisiologia, especificamente, aos estados internos intermediários entre inputs ambientais e outputs comportamentais. Por esse motivo, as teorias reducionistas também são mentalistas. Sendo assim, a negação do reducionismo atinge o behaviorismo filosófico, a teoria da identidade, o funcionalismo causal e o eliminativismo. Nota‑se que o behaviorismo radical, no contexto da filosofia da mente, é uma teoria bastante peculiar, pois apresenta uma alternativa que encontra tanto semelhanças quanto divergências quando posta em relação às outras teorias da mente.
Trata‑se de uma abordagem única, pois apresenta uma teoria totalmente contrária ao dualismo cartesiano e ao dualismo de propriedade ao mesmo tempo em que defende uma visão não reducionista e crítica do fisicalismo; uma teoria que está em desacordo tanto com a definição de comportamento quanto com a teoria do significado e seus desdobramentos metodológicos do behaviorismo filosófico; uma teoria que possui semelhanças com o aspecto monista fisicalista da teoria da identidade, do funcionalismo causal e do eliminativismo, mas que não pretende reduzir ou eliminar o comportamento à categoria substancial; uma teoria que abraça e defende o abandono da psicologia popular, mas que nem por isso sustenta que o espaço deixado por ela deva ser preenchido apenas pelas neurociências; uma teoria que defende que o único mundo que há é o mundo físico, mas que há nesse mundo relação, e tal fato não pode ser contrariado.
Em tempo, talvez o principal aspecto do antimentalismo de Skinner seja o que ainda não foi aqui exposto: a pura e simples inexistência da mente.8 Só existem atritos entre as teorias mentalistas e o behaviorismo radical porque, quando as primeiras pretendem explicar os fenômenos “mentais” e lidar com os seus problemas, elas estão, na verdade, falando sobre comportamento.Assim, a partir do momento em que entra no âmbito do comportamento, o mentalismo fica à mercê das críticas behavioristas radicais.
O cerne do argumento da inexistência é que não há um “mundo da mente” porque esse mundo é o “mundo do comportamento”. À primeira vista, talvez seja difícil atentar‑se para esse fato porque o mundo do comportamento, que é o único mundo que há, pode ser camuflado pela obtusidade do vocabulário mentalista. É o que Skinner (1969b, p.267) defende na seguinte passagem:
O behaviorista radical nega a existência do mundo mental não porque ele está incerto ou receoso sobre esse rival, mas porque aqueles que dizem estar estudando o outro mundo necessariamente falam sobre o mundo do comportamento de maneiras que entram em conflito com uma análise experimental. Nenhuma ciência da vida mental se detém no mundo da mente. O mentalista não fica no seu lado da cerca, e, porque tem por trás o peso de uma longa tradição, ele é ouvido pelos não especialistas.
Talvez as teorias mentalistas não fiquem no seu lado da cerca porque, no final das contas, não há outro lado da cerca – há apenas comportamento.
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REFERÊNCIAS:
A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente / Diego Zilio. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.