Jean Piaget – Epistemologia Genética

Jean Piaget – Epistemologia GenéticaOs mecanismos de aprendizagem ilustrados na figura. Partindo dos pressupostos de Piaget podem ser entendidos através das constantes interações com o mundo, e com as outras pessoas, a que somos submetidos.

Falar da epistemologia genética de Jean Piaget em poucas páginas, de maneira sintetizada, é sem dúvida um grande desafio, pois podemos facilmente incorrer em erros, uma vez que, este grande filósofo escreveu muito sobre o sujeito epistêmico. Porém, o intuito desta subunidade é que você entenda basicamente a sua teoria e seu impacto grande e relevante na educação. Piaget nasceu no ano de 1896, na Suíça, vivendo longos 84 anos, escrevendo aproximadamente mais de 50 livros e centenas de artigos, dedicando-se muito a pensar como passamos de um estado menor de conhecimento para um estado maior de conhecimento.

Assim, com o nascimento das filhas amplia sua pesquisa sobre esses processos. Piaget foi biólogo e psicólogo de formação e seus estudos inspiraram inclusive Seymour Papert, na criação da linguagem LOGO. Para Piaget, o processo de construção de novos conhecimentos se dá a partir dos conhecimentos anteriores, biologicamente explicados, que são analisados em um processo de equilibração sucessiva, ou seja, cada nova estrutura é decorrente de estruturas anteriormente já constituídas na mente dos indivíduos.

Através da observação de suas filhas, e de outras crianças, Piaget impulsiona a teoria Cognitiva, que tem suas raízes no racionalismo de René Descartes. Essa teoria tem como primícias que o ser humano possui etapas na construção da inteligência e é através da interação, com o meio em que vive, que vai construindo a aprendizagem, dando origem, desta forma, à teoria da construção do conhecimento, mais conhecida como Epistemologia Genética. Assim, a interação com o meio é muito importante nessa teoria.

Para ele, o processo de conhecer promove um desequilíbrio com aquilo que já possuímos/sabemos, e já está estabelecido entre sujeito e objeto, desencadeando primeiramente um processo de assimilação e posteriormente acomodação, ou seja, as modificações sofridas pelo sujeito em função da assimilação desencadeada. Resultando em um equilíbrio, ou conhecimento novamente, sendo esse processo vivenciado por toda a vida da pessoa. Em todo esse processo, o erro desempenha uma importante função, pois, para Piaget o erro é construtivo, fato que até então não era observado nas concepções empiristas de aprendizagem.

O professor, nesse sentido, tem um papel extremamente fundamental, em apresentar situações desafiadoras, ao perceber o desequilíbrio que existe no conteúdo apresentado. Basicamente, para Piaget, a sequência na construção da inteligência é representada por processos graduais do conhecimento, sendo que, necessariamente, a criança deverá passar por uma fase para depois atingir a outra e assim sucessivamente, dentro desta sequência, vejamos:

1º Estágio: sensório-motor:

Esse estágio engloba as crianças na faixa de zero (0) a dois (2) anos, nesse estágio a partir de reflexos neurológicos (chorar, sugar o peito da mãe, etc) o bebê começa a construir esquemas de ação para assimilação mental do meio, a criança nessa fase é totalmente egocêntrica, sendo um período de transição entre o orgânico e o intelectual. A criança ainda não tem intencionalidade, então não podemos falar sobre a inteligência nessa fase, ela pega, joga, interage a partir dos reflexos, não conseguem fazer relações com o futuro e nem com o passado.

2º Estágio: Pré-operatório:

Esse estágio engloba crianças de dois (02) à sete (07) anos e é nesse momento que conseguimos dominar a linguagem oral e a representação, temos como destaque a função simbólica, a imitação retardada (mesmo sem a presença do que imita), jogo simbólico (faz de conta), linguagem (monossilábica até a linguagem total). Nesse ponto os desenhos evoluem de rabiscos para imagens. Também é a fase das inúmeras perguntas, ou como conhecida, a idade dos porquês. Ainda continuam egocêntricas, vendo a realidade e como esta os afeta.

3º Estágio: Operatório concreto:

Engloba crianças dos 07 (sete) aos 11 (onze) anos. Nessa fase o pensamento lógico objetivo é reversível, ou seja, admite a possibilidade do inverso, é nesse momento que a criança consegue fazer essa ligação, do contrário. Também é desenvolvido o entendimento e conservação de peso, volume e substância. O pensamento torna-se menos egocêntrico.

4º Estágio: Operatório formal:

Engloba crianças de doze (12) anos em diante. Nessa fase já se observa o raciocínio hipotético dedutivo, ou seja, a formulação de hipóteses, a partir dos 12 anos a criança começa a pensar logicamente, a personalidade é consolidada, a socialização passa ser extremamente importante, princípios de moralidade são equilibrados, e também é visto o princípio da autonomia.

Na prática pedagógica, a teoria de Jean Piaget, que mais tarde terá contribuições de Vygotsky com outro olhar para o construtivismo, vem nos dizer que as práticas metodológicas devem centrar-se no aluno deixando de vê-lo como mero receptor de conhecimentos. Passando a enxergá-lo como parte atuante de seu processo de aprendizagem, respeitando as particularidades cognitivas de cada indivíduo, deixando as teorias comportamentalistas, na essência, para colocar algo a mais, não só o comportamento, mas também as interações.

Piaget, então, construiu um modelo de desenvolvimento mental e não de aprendizagem, importante deixar isso claro, porém esse modelo reflete os processos de aprendizagem. Moreira (1999) elucida que, no enfoque piagetiano, ensinar significa provocar desequilíbrios cognitivos, para que o aluno, procurando o equilíbrio novamente, se reestruture cognitivamente e aprenda.

Essa capacidade de se reestruturar novamente é o mecanismo de aprender e é isso que o ensino, portanto, deve fazer ativar este mecanismo. Porém, a escola deve adaptar esse mecanismo ao nível de desenvolvimento do aluno. Abaixo coloco um texto de autoria de Piaget que fala um pouco sobre o último estágio do desenvolvimento da criança. Para elucidar, um pouco mais, os pontos aqui elencados a respeito desse autor.

A VIDA AFETIVA

[…] A primeira moral da criança é a da obediência e o primeiro critério do bem é durante muito tempo, para os pequenos, a vontade dos pais. […] os primeiros sentimentos morais da criança permanecem intuitivos […] A moral da primeira infância fica, com efeito, essencialmente heterônoma, isto é, dependente de uma vontade exterior, que é a dos seres respeitados ou dos pais. É interessante, a esse respeito, analisar as valorações da criança em um campo moral bem definido, como é o caso da mentira. Graças ao mecanismo do respeito unilateral, a criança aceita e reconhece a regra de conduta que impõe a veracidade antes de compreender, por si só, o valor da verdade, assim como a natureza da mentira.

Por seus hábitos de jogo e de imaginação e por toda atitude espontânea de seu pensamento, que afirma sem provas e assimila o real à própria atividade sem se importar com a verdadeira objetividade, a criança é levada a deformar a realidade e submetê-la a seus desejos. Acontece-lhe, assim, deturpar uma verdade sem se aperceber, constituindo o que se chama a “pseudomentira” das crianças (o “Scheinlüge” do Stern). No entanto, ela aceita a regra de veracidade e reconhece como legítimo que a repreendam ou punam por suas próprias mentiras. Mas, como ela avalia as últimas? Em primeiro lugar, as crianças afirmam que mentir não tem nada de “ruim” quando é dirigida a companheiros, o que só é repreensível quando em relação aos adultos, já que são esses que a proíbem.

Mas, em seguida, e sobretudo, imaginam que uma mentira é tanto pior quando a afirmação falsa se distancia mais da realidade, e isso independentemente das intenções em jogo. Pede-se, por exemplo, à criança para comparar duas mentiras: contar à sua mãe que teve uma boa nota na escola quando, na verdade, não havia prestado exames, ou contar, após ter sido amedrontada por um cachorro, que este era tão grande como uma vaca. As crianças compreendem bem que a primeira mentira está destinada a obter, indevidamente, uma recompensa, enquanto que a segunda é um simples exagero. Entretanto, a primeira é “menos ruim” porque acontece que ela tem boas notas e, sobretudo, porque, a afirmação sendo verossímil, a própria mãe poderia ter-se enganado.

A segunda “mentira”, ao contrário, é pior, e merece castigo mais exemplar, porque “nunca acontece que um cachorro seja tão grande”. Estas reações parecem ser bastante gerais (foram, particularmente, confirmadas há pouco em estudo realizado na Universidade da Louvain), são muito importantes. Mostram até que primeiros valores morais estão calcados sobre a regra recebida, graças ao respeito unilateral, e que essa regra é tomada ao pé da letra e não em sua essência. Para que os mesmos valores se organizem em um sistema coerente e geral, será preciso que os sentimentos morais adquiram certa autonomia e, para isso, que o respeito deixe de ser unilateral para converter-se em mútuo.

É em particular quando este sentimento se desenvolve entre companheiros ou iguais, que a mentira a um amigo será sentida como tão “ruim” ou pior ainda que a da criança para o adulto. Em resumo, interesses, auto valorações, valores interindividuais espontâneos e valores intuitivos, parecem ser as principais cristalizações da vida afetiva própria a este nível do desenvolvimento.

A INFÂNCIA DE SETE A DOZE ANOS

A idade de sete anos, que coincide com o princípio da escolaridade propriamente dita, marca um marco decisivo no desenvolvimento mental. Em cada um dos aspectos complexos da vida psíquica, quer se trate da inteligência ou da vida afetiva, das relações sociais ou de atividade propriamente individual, observa-se o aparecimento de formas de organizações novas, que completam as construções esboçadas no decorrer do período precedente, assegurando-lhes um equilíbrio mais estável, ao mesmo tempo em que inauguram uma série ininterrupta de construções novas. Seguiremos, para nos guiar neste labirinto, a mesma marcha que anteriormente, partindo da ação global tanto individual como social, analisando em seguida, os aspectos intelectuais e depois os afetivos deste desenvolvimento.

Os progressos da conduta e da socialização

Quando se visitam as diversas classes em um colégio “ativo” onde é dada às crianças a liberdade de trabalhar tanto em grupos como isoladamente e de falar durante o trabalho, fica-se surpreso com a diferença entre os meios escolares superiores a sete anos e as classes inferiores. Nos pequenos, não se consegue distinguir com nitidez a atividade privada da feita em colaboração. As crianças falam, mas não podem saber se se escutam. Acontece que vários se dedicam ao mesmo trabalho, mas não sabemos se realmente existe ajuda mútua. Observando as maiores, em seguida, fica-se surpreendido por um duplo progresso: concentração individual, quando o sujeito trabalha sozinho, e colaboração efetiva quando há vida comum.

Ora, estes dois aspectos da atividade que se inicia por volta dos sete anos são, na verdade, complementares e se devem às mesmas causas. São inclusive tão solidários que à primeira vista é difícil dizer se é que a criança adquiriu certa capacidade de reflexão que consegue coordenar suas ações com as de outros, ou se é que existe um progresso de socialização que faz com que o pensamento seja reforçado por interiorização. Do ponto de vista das relações interindividuais, a criança, depois dos sete anos, torna-se capaz de cooperar, porque não confunde mais seu próprio ponto de vista com o dos outros, dissociando-os mesmo para coordená-los.

Isto é visível na linguagem das crianças. As discussões se fazem possíveis, porque comportam compreensão a respeito dos pontos de vista do adversário e procura de justificações ou provas para a afirmação própria. As explicações mútuas entre crianças se desenvolvem no plano do pensamento, e não só no da ação material. A linguagem “egocêntrica” desaparece quase por inteiro e os discursos espontâneos da criança testemunham por sua mesma estrutura gramatical a necessidade de conexão entre as ideias e de justificação lógica.

Fonte: PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia. Tradução Maria Alice Magalhães D’Amorin e Paulo Sérgio Lima Silva. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, pp. 39-41.

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REFERÊNCIAS:

PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM / Silva, Juliane Paprosqui Marchi da, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA, Santa Maria | RS 2017