Henri Wallon nasceu na França, em 1879. Viveu toda sua vida em Paris, onde morreu em 1962. Filósofo, médico e psicólogo, marcou sua vida por intensa produção intelectual e ativa participação social e política. Seus estudos resultaram na construção da teoria que, por sua abrangência e profundidade, é denominada como psicogênese da pessoa completa.
Nela, propõe que o desenvolvimento seja estudado de maneira integrada, englobando a afetividade, a motricidade e a inteligência enquanto campos funcionais nos quais se distribui a atividade infantil, bem como os diferentes momentos de sua evolução psíquica (estágios do desenvolvimento), numa perspectiva abrangente e global.
As proposições de Wallon demandam que se estude o “desenvolvimento infantil tomando a própria criança como ponto de partida, buscando compreender cada uma de suas manifestações no conjunto de suas possibilidades, sem a prévia censura da lógica adulta” (GALVÃO, 1995).
Assim, a teoria de Wallon indica que no desenvolvimento humano é possível identificar a existência de etapas diferenciadas, que se caracterizam por um conjunto de necessidades e de interesses que lhe asseguram lógica e coesão.
O estudo da criança contextualizada possibilita que se perceba que, entre os seus recursos e os de seu meio, instala-se uma dinâmica de determinações recíprocas: a cada idade estabelece-se um tipo particular de interações entre o sujeito e seu ambiente. Os aspectos físicos do espaço, as pessoas próximas, a linguagem e os conhecimentos próprios a cada cultura formam o contexto do desenvolvimento. Conforme as disponibilidades da idade, a criança interage mais fortemente com um ou outro aspecto de seu contexto, retirando dele os recursos para o seu desenvolvimento. Com base nas suas competências e necessidades, a criança tem sempre a escolha do campo sobre o qual aplicar suas condutas. O meio não é, portanto, uma entidade estática e homogênea, mas transforma-se juntamente com a criança. (GALVÃO, 1995, p. 39-40).
Esse processo é influenciado por fatores orgânicos e sociais. Os fatores orgânicos são os responsáveis pela sequência fixa que se estabelece entre as etapas do desenvolvimento, porém, não asseguram uma homogeneidade no seu tempo de duração, haja vista a interferência das circunstâncias sociais. “O simples amadurecimento do sistema nervoso não garante o desenvolvimento de habilidades intelectuais mais complexas. Para que se desenvolvam, precisam interagir com “alimento cultural”, isto é, linguagem e conhecimento” (GALVÃO, 1995, p. 40).
A passagem dos estágios de desenvolvimento não ocorre de maneira linear, mas num ritmo descontínuo, marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas, provocando importantes mudanças em cada fase vivida pela criança. Consiste num processo de contínua reformulação, marcado por crises que afetam a conduta da criança. No processo de desenvolvimento infantil surgem inúmeros conflitos, o que conduz Wallon a manter um olhar atento a este aspecto. Todavia, não os vê como problemas na vida da criança, e sim como propulsores do desenvolvimento. Sobre a origem dos conflitos Galvão esclarece:
Conflitos de origem exógena, quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior, estruturado pelos adultos e pela cultura. De natureza endógena, quando gerados pelos efeitos da maturação nervosa. Até que se integrem aos centros responsáveis por seu controle, as funções recentes ficam sujeitas a aparecimentos intermitentes e entregues a exercícios de si mesmas, em atividades desajustadas das circunstâncias exteriores. Isso desorganiza, conturba, as formas de conduta que já tinham atingido certa estabilidade na relação com o meio (GALVÃO, 1995, p. 42).
Nesse contexto, o desenvolvimento do sujeito é visto como uma construção progressiva, com fases sucessivas, em que o predomínio dos aspectos afetivos e cognitivos se alterna. Wallon denomina essa tendência ao predomínio de um aspecto sobre o outro de “predominância funcional”. Tal predomínio é orientado pelo princípio de alternância funcional, isto é, as formas de atividade se alternam em cada fase em função do interesse da criança, estando ligadas aos recursos que a criança dispõe para interagir com o ambiente.
Apesar de alternarem a dominância, afetividade e cognição não se mantém como funções exteriores uma à outra. Cada uma, ao reaparecer como atividade predominante num dado estágio, incorpora as conquistas realizadas pela outra, no estágio anterior, construindo-se reciprocamente, num permanente processo de integração e diferenciação (GALVÃO, 1995, p. 46).
Com base em Galvão (1995), são apresentadas as características principais de cada um dos cinco estágios propostos pela psicogenética walloniana.
- No estágio impulsivo-emocional, que abrange o primeiro ano de vida, a emoção é o instrumento privilegiado de interação da criança com o meio.
- No estágio sensório-motor e projetivo, que vai até o terceiro ano, a criança direciona seu interesse para a exploração sensório-motora do mundo físico, em que predominam as relações cognitivas com o meio. O desenvolvimento da função simbólica e da linguagem são marcos importantes desta fase.
- No estágio do personalismo, na idade dos três aos seis anos, a tarefa central é o desenvolvimento da personalidade. A construção da consciência de si, que ocorre pelas interações sociais, reorienta o interesse da criança para as pessoas. Retorna o predomínio das relações afetivas.
- Aos seis anos tem início o estágio categorial, que, por conta da consolidação da função simbólica e da diferenciação da personalidade realizadas no estágio anterior, traz importantes avanços no plano da inteligência. Os progressos intelectuais dirigem o interesse da criança para o conhecimento e conquista do mundo a sua volta. Predomínio do aspecto cognitivo.
- No estágio da adolescência a crise pubertária impõe a necessidade de uma nova definição dos contornos da personalidade em virtude das mudanças corporais. Movimento que traz à tona questões pessoais, morais e existenciais, retomando a predominância da afetividade.
Assim, ao estudar o ser humano em sua integralidade, a psicogenética walloniana identifica a existência de campos que reúnem a diversidade das funções psíquicas. “A efetividade, o ato motor, a inteligência, são campos funcionais entre os quais se distribui a atividade infantil”, diferenciando-se gradativamente. “A pessoa é o todo que integra esses vários campos e é, ela própria, um outro campo funcional” (GALVÃO, 2015, p. 48).
A figura 15 expressa a ideia de interrelação e continuidade presente nos quatro campos funcionais.
No decorrer do desenvolvimento incidem, entre os campos funcionais e no interior de cada um, sucessivas diferenciações (mudanças). A ideia de diferenciação é fundamental na psicogenética walloniana, e, numa perspectiva mais ampla, orienta o processo de formação da personalidade.
Outro aspecto a ser ressaltado na teoria de Wallon é o papel da emoção. Para ele, a emoção encontra-se na origem da consciência, regulando a passagem do mundo orgânico para o social, do plano fisiológico para o psíquico. Diferencia emoção de afetividade, sendo a emoção uma manifestação da vida afetiva e a afetividade um conceito mais abrangente.
As emoções se diferenciam de outras manifestações afetivas e se manifestam acompanhadas de alterações orgânicas (aceleração dos batimentos cardíacos, da respiração, etc), provocando alterações na expressão facial, na postura, na maneira como os gestos são executados. Defende, ainda, que as emoções são reações organizadas e que se exercem reguladas pelo sistema nervoso central, cujos comandos próprios estão situados na região sub-cortical.
Contudo, salienta que é somente com a aquisição da linguagem que as possibilidades de expressar as emoções se diversificam, como também os motivos que as originam. A motricidade ocupa lugar especial na teoria walloniana, é simultânea e sequencial à primeira estrutura de relação e correlação, tanto com o meio, quanto com os outros e com os objetos posteriormente (MENDES, 2002).
É pelo ato motor que nos relacionamos com o mundo físico (motricidade de realização), tendo o movimento um papel fundamental na afetividade e também na cognição. “Um dos traços originais desta perspectiva teórica consiste na ênfase que dá à motricidade expressiva, isto é, à dimensão afetiva do movimento” (GALVÃO, 1995, p.69). Por meio do movimento as pessoas são mobilizadas para posteriormente agirem sobre o mundo físico.
A psicogenética walloniana também atribui muitas significações ao tônus muscular, enquanto componente corporal que se modifica ao manifestar emoções. Esclarece que o músculo, mesmo em repouso, possui um estado permanente de tensão que é conhecido como tono ou tônus muscular.
Ele está presente em todas as funções motrizes do organismo como o equilíbrio, a coordenação e o movimento. O tônus muscular é diretamente moldado pelas emoções. Nesse sentido, não é possível selecionar um único aspecto da criança para ser trabalhado, pois o desenvolvimento acontece nos vários campos funcionais nos quais se distribui a atividade infantil: afetivo, cognitivo e motor.
O campo afetivo oferece as funções responsáveis pelas emoções, pelos sentimentos e pelo desejo. O campo cognitivo oferece um conjunto de funções que permite a aquisição e a manutenção do conhecimento por meio de imagens, noções, ideias e representações. É ele que permite ainda registrar e rever o passado, fixar e analisar o presente e projetar futuros possíveis e imaginários.
O campo motor oferece a possibilidade de deslocamento do corpo no tempo e no espaço, as reações posturais que garantem o equilíbrio corporal, bem como o apoio tônico para as emoções e sentimentos se expressarem (WALLON, 2007). A psicologia genética de Wallon, por sua abrangência e dinamicidade, serve de base para direcionar muitas ações no campo educacional.
O maior objetivo da educação, no contexto de sua psicologia genética, estaria posto no desenvolvimento da pessoa e não em seu desenvolvimento intelectual. A inteligência é uma parte do todo em que o sujeito se constitui. Neste sentido, a teoria do desenvolvimento cognitivo de Wallon é centrada na psicogênese da pessoa completa (DANTAS, 1990).
Suas proposições pedagógicas indicam a necessidade de reformulação no contexto escolar, no sentido de superar a dicotomia entre indivíduo e sociedade, a partir de um processo de reflexão da própria escola acerca de suas dimensões sócio-políticas e de seu papel no movimento de transformações da sociedade.
Título : Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem
Autoras : Josieli Piovesan, Juliana Cerutti Ottonelli , Jussania Basso Bordin e Laís Piovesan
Fonte: Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem [recurso eletrônico] / Josieli Piovesan … [et al.]. – 1. ed. – Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.
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Teoria da Aprendizagem Significativa de David Ausubel (1918-2008)