“É possível compreender o ser humano? Predizê-lo, esgotá-lo em explicações?” pergunta Paulo Freire. E num longo texto procura compreender:
“Somos seres inacabados, em permanente processo de definição. Criaturas ambíguas e desejantes, necessitando tornar-nos plenos e ao mesmo tempo sempre em busca de sentido, construindo nosso modo de ser no mundo a partir do desejo permanente […] Mas porque somos assim? […]”
Responde Freire que somos o que somos porque a existência do outro afirma nossa existência. A necessidade dos outros cria um fratura que surge da consciência do “outro”.
“Esta fratura dilacera o ser humano.: ele é incompleto, infinitamente distante do outro, solitário e se faz como paradoxo […] se percebe separado do mundo ao mesmo tempo imerso nele – distante e distinto. […] a alteridade une e separa o sujeito do objeto, desejo permanente de união que não pode ser realizado.”
A relação diz Freire é esta tentativa desesperada
“[…] de suturar esta fratura, de cruzar o abismo da separação: aproximar-se do outro, tocar e dialogar com o outro, compreender o outro, unir-se ao outro.”
Freire, na verdade, conclui que todos somos seres do desejo. Nascendo da luta para superar a falta é o desejo que nos projeta para além do que somos. Nos chama a ir além da falta que sentimos. Dizia, o Filósofo Fichte, contemporâneo de Hegel, que somos seres que se fazem pela atividade de comunicação, mas que a atividade do eu é “heróica”, estabelece limites para superá-los. O ser só existe na atividade de sair de si, para retornar a si.
O maior expoente da Filosofia Idealista, Hegel marcou decisivamente a Filosofia, após sua contribuição. Gerou não apenas uma filosofia, mas, fundamentou de maneira radical a dialética do pensamento moderno. Dividiu a filosofia no meio, pois dele surgiram movimentos opostos: Filósofos da “direita hegeliana” como Rosenkrantz e Fischer e Filósofos da “esquerda hegeliana”- como Feuerbach e Marx.
Ao ler a “Fenomenologia do Espírito”, de Hegel, parece que estamos lendo o Gênesis da Bíblia.
No início era a Ideia sozinha e absoluta. Informe, vazia em sua interioridade, dormia sem consciência de sua existência. A matéria exterior choca-se contra a Ideia e a acorda. Emerge na Ideia a consciência, na colisão com o outro ser que a nega. Sai de eterna hibernação sob o choque daquilo que está fora dela mesma, que lhe dá a sensação de medo, lhe limita. O movimento da Ideia de afirmação de sua absolutidade é a busca de negar aquilo que agora a nega. E nesse movimento, ela incorpora em parte a dimensão material, bem como a consciência que emergiu, e, de novo ela se estabelece como uma grande síntese que será de novo negada pela exterioridade que resiste. Esse movimento, uma vez posto em marcha, não terá fim…
Dialética o que é isso?
Usemos nossa imaginação…
O setor de formação acertou na CNTE uma entrevista com Parmênides e Heráclito, na nossa assembléia ordinária. Desejávamos ouvir estes gregos o que para eles era a filosofia. Parmênides, todo para si, de bem com a vida, disse: – A filosofia é o conhecimento humano sobre o SER. Ser que é eterno, perfeito e imutável.
O perfeito não pode mudar. Se mudasse, mudaria para menos ou para mais. Se mudasse para menos isso seria uma imperfeição, e o ser é perfeito. Se mudasse para mais, não seria perfeito, ainda. Logo, o Ser é o que existe, não muda. O SER é o único que existe, porque o não-ser, não existe”. Resumiu, no quadro, escrevendo:
- O Ser é, portanto, existe.
- O não-ser é não-ser, portanto, não existe!
Baixinho, entre dentes, quase expirando, arrematou:
– “O ser é e o não-ser, não é.” E, tomou um gole da água que lhe deram, passou a palavra a Heráclito, e sentou-se, soberano, afundando em si mesmo.
Heráclito, magro, inquieto, meio nervoso. Apontava para Parmênides: – “Cuidado, gente, não é bem assim… Quando você disse, Parmênides – que sequer o ouvia! – , que o Ser é, – e eu concordo – é claro que ele existe, tudo bem! Mas, parece-me que você não se escuta. Olhe bem o que você escreveu, lá, no quadro: “O não ser é não ser …” O que você está dizendo mesmo, Parmênides, é que o não-ser “É” não-ser! Portanto, que o não-ser também existe. Existe o ser e o não ser.
Contrário um ao outro, estão sempre em luta. Ora, prevalece o ser; ora, o não-ser ganha a luta. Tudo muda o tempo todo. Nada é eterno, tudo é fluxo, tudo é mudança. Talvez, – olhando para nossa assembléia – vocês se lembram que eu escrevi: “Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, porque quando entrar na segunda vez, nem o rio, nem ele próprio será o mesmo. É aqui que nasce a dialética, movimento, transformação e luta contra a visão congelada e eterna do ser. A vida é toda ela transformação, nada é permanente.”
Todos os companheiros olharam espantados, qual seria a reação de Parmênides. Ele, dormitava. Permanecia impassível, alheio em sua eternidade perfeita. A mudança de Heráclito , para Parmênides , era truque de linguagem, mera aparência! Ali, nada o ameaçava! Aliás, não estava nem aí!…
O mais importante idealista alemão, fascinado pela Revolução Francesa e o Direito, fundou uma filosofia da história, pela qual a história humana se desenvolvia dialeticamente, por contradição. O pensamento e história, como duas faces contrárias da mesma moeda, estariam em fluxo intermitente da atividade do espírito. O Pensamento teórico, contudo, era a principal munição das transformações sociais, segundo Hegel.
O bom senso, acreditava ele, como a maioria dos iluministas, prevaleceria na história. A Razão era a mais importante personagem, funcionava como lei das obras mais conhecidas. “O que é real é racional, o que é racional é real” – dizia Hegel. A História toda era a redenção.
Atividade do Espírito absoluto nos esforços de sua objetivação na história concreta dos grupos, das pessoas e dos estados. História esta, que se convertia em atividade de autoconsciência do espírito Universal. Cada ser humano, apesar da brevidade de sua vida, recuperava com sua história singular e particular, um momento único no pulsar da vida do Espírito Universal. “Sê pessoa e respeita os outros como pessoa!” Rejeitando toda instrumentalização das pessoas, insistia que o desejo por coisas materiais, cessam.
Ao concluir a sistematização de sua filosofia, Hegel adotara o princípio de inclusão de tudo no todo. Nada ficaria fora, Bem e Mal, a consciência e o objeto, Deus e os Homens, a Lei e a liberdade, a realização individual e o Estado. Hegel entendia que havia compreendido a chave do movimento da história do espírito universal.
Divinificara, assim, a História humanizando-a no campo das ideias e da filosofia. Edificara um teologia que era uma antropologia. Mundanizara deus e dignificara a Palavra e o Trabalho.
“Antes de mim não houve filosofia, depois de mim não haverá filosofia! A partir de agora ninguém precisará ser “original”. (Hegel)
A Filosofia de Hegel, entretanto, foi utilizada pela direita e pela esquerda política. Sacralizou a Razão, o Estado e o Progresso. O progresso das ciências e da tecnologia floresceu sob a convincente Filosofia hegeliana. As duas grandes guerras, a bomba atômica, o holocausto, derrotaram Kant e Hegel.
“Fritaram” a racionalidade otimismo no pretendido bom senso da história. As guerras mostraram que o Rei estava nu. Soçobaram as filosofias das essências e emergiu como um grito, as filosofias da existência. Havia então, munição de sobra para Kierkegarrd, Heidegger, Camus, Sartre e, mais tarde, Nietzsche.
REFERÊNCIAS:
Fundamentos de Filosofia: os caminhos do “Pensar” para quem quer transformação / Luiz Augusto Passos. — 1ª ed., 1ª reimp. — Brasília/DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 2014.