Pode a filosofia ajudar para os educadores e para a educação?

Ela pode ensinar que nenhum conhecimento é absoluto. Pois a filosofia é conhecimento humano, e o conhecimento tem a ambiguidade de sua fonte: a condição humana.

Ela pode, sim, ensinar a relativizar todas as vezes que as pessoas em nome da verdade ou da filosofia se revestem ou reivindicam poderem estar de posse de uma verdade absoluta ou incontestável.

Certa ocasião, numa certa ilha, assisti um episódio no qual um bispo adotou uma medida que estava em contra-senso com o povo em geral e com todos os padres. Solicitaram a um padre idoso que tinha enorme prestígio junto ao povo e junto ao referido hierarca que procurasse dissuadí-lo. De argumentação mansa até ácidos confrontos, temperatura em ascensão, o bispo perdeu a paciência: bateu na mesa com o punho e disse: “Está decidido como já decidi! Quero ainda lhe lembrar que sou eu quem tem o Espírito Santo!” A que, o ancião, com a paciência esgotada, bateu também do outro lado da mesa e disse: “E eu quero lhe lembrar que somos nós que temos juízo!”

Essa curiosa situação criou uma contradição: o Espírito Santo de um lado, e o juízo do outro. No popular, poderia ser resumir como: “Você sabe com quem está falando?” O campo de disputa vai do campo político, ao religioso e se estende de ordinário a todos os campos de disputa de poder, inclusive sobre a(s) educação(ões). As questões das controvérsias estão menos para a filosofia do que para a política e a psicanálise, passando muitas vezes pela “vontade de poder”.

Assim: os provérbios se multiplicam:

“Os extremos se chocam

Os semelhantes amam os semelhantes

Dois bicudos não se beijam.

Quando um não quer, dois não brigam.”

Marx e Engels no Manifesto afirmaram:

“Tudo que é sólido se desmancha no ar!”

Boaventura Souza Santos brinca com o tema: “o marxismo também?”

Aristóteles e Santo Tomás disseram: “Não há nada que está no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos”. Para que Spinoza brincasse: “Salvo, é claro, o próprio intelecto!”

O relativismo afirmava: “Tudo é relativo”.

Os escolásticos perguntavam, ironicamente: “Essa afirmação também?”

Não há saída para a epistemologia humana. Ela será sempre expressa em linguagem. E, no pântano da linguagem nenhum conhecimento sai ileso e de imaculada conceição. O pensamento e os seus pensares precisam pôr as barbas de molho, e admitirem que é o sujeito humano, com todos os seus limites, que está em questão, posto que ele está inserido em dimensões de espaço-temporalidades, em culturas múltiplas, em experiência de mundo singulares e pessoais, numa cultura civilizatória que é um artefato.

A(s) Filosofia(s) que produz são também artefactos culturais, à sua imagem e semelhança. Envolta em valores étnicos, em conhecimentos adquiridos numa experiência de um mundo partejado a partir de determinadas configurações e concepções. Há uma experiência de universalidade, sempre historicamente apresentada. E esta roupa que reveste a filosofia não é exterior a ela, faz parte da sua identidade.

Não há verdade senão expressa numa linguagem.

É bom ouvir Freire, que essa relatividade do nosso conhecimento não é ruim. Freire dizia:

“O bom da história é que ela não possui certezas no seu trajeto nem no ponto de chegada. Seria uma incoerência lutar por ética, por transformação e ao mesmo tempo, entender que o determinismo não permite que possamos dar um sentido pessoal na história. Lastimo, diz Freire, que as pessoas que desproblematizam o mundo e absolutizam o todopoderosismo do mercado e do sistema, optam pelo determinismo, porque perderam seu endereço na história.”

Na verdade se tudo, diz freire já está determinado, numa direção que dispense nossos esforços é inútil qualquer processo educacional que não seja a adequação às regras impostas e em curso. Devo, pois educar para a simetria às formas estabelecidas pelo jogo.

Pode a filosofia ajudar para os educadores e para a educação?

O conhecimento absoluto serve apenas para a dominação, para afirmar teses racistas, naturalismos, biologismos deterministas que procura tomar partido da ideologia que legitima a falsa superioridade racial e cultural do ocidente. O conhecimento absoluto é ingênuo e genocida. Rubem Alves disse com acuidade: “as certezas estão de mãos dadas com as fogueiras” (Alves).

Paulo Freire referindo-se num texto à defesa de Frei Betto e Leonardo Boff, dizia que Deus seria incoerente se ao dar liberdade ao homem, o impedisse de usá-la. Argumento muito semelhante ao de Rousseau que dizia exatamente a mesma coisa, cuidado com o pensamento dos eclesiásticos, ouçam, mas duvidem… Deus não nos proíbe de pensar.

Paulo Freire, segundo Danilo Streck, vai mais longe, o limite do absoluto é sua criação. Se disserem que na história não podemos fazê-la, isso serve não a Deus, mas aqueles que o usam. (Streck).

Pode a filosofia ajudar para os educadores e para a educação?

  • A filosofia é bela, pode se tornar mito e talismã mágico, que não é.
  • A Filosofia pode ser poderosa, esse é seu risco.
  • A filosofia é atraente, e pode nos seduzir.
  • A filosofia é também um jogo, pode nos divertir.
  • A filosofia é uma via, um caminho, pode nos ajudar a caminhar.

O sentido dela é, também, dado pelos seres humanos às coisas que os cercam. Somos nós que decidimos seu significado.

Em todo o caso, neste mundo hoje impregnado de filosofias – utilizando a analogia que Fernandez Buey utiliza com Russel, – que usemos das filosofias, para que possamos nos salvar delas e torná-las companheiras de caminhada para nossa luta pessoal e coletiva em favor da Vida, da Sabedoria, da emancipação e da autonomia.

Luiz Augusto Passos

REFERÊNCIAS:

Fundamentos de Filosofia: os caminhos do “Pensar” para quem quer transformação / Luiz Augusto Passos. — 1ª ed., 1ª reimp. — Brasília/DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 2014.