Behaviorismo: Filosofia e ciência

Behaviorismo: Filosofia e ciênciaO objetivo desta seção é apresentar alguns pontos da filosofia da ciência behaviorista radical que são especialmente importantes no contexto deste livro. São basicamente dois temas a serem tratados: (1) as diferenças entre narração, descrição, explicação, teorização e interpretação do comportamento; e (2) a troca da noção de causa pela de função.

A posição behaviorista radical a respeito desses temas, entretanto, decorre da própria concepção de Skinner sobre o que seria praticar ciência. Podemos encontrar uma clara descrição do Skinner cientista na seguinte passagem do autor (1956, p.227):

Eu nunca lidei com um Problema que fosse além do eterno problema de encontrar ordem. Eu nunca ataquei um problema através da construção de uma Hipótese. Eu nunca deduzi Teoremas ou submeti teoremas ao Exame Experimental. […] Eu não tive nenhum Modelo preconcebido do comportamento. […] De fato, eu estava trabalhando sobre uma Suposição básica – a de que havia ordem no comportamento […] – mas essa suposição não é para ser confundida com as hipóteses da teoria dedutiva.

Ao que parece, Skinner não era adepto do método hipotético‑dedutivo. A construção de modelos e hipóteses e a dedução de teoremas não são práticas que Skinner adotou na análise experimental do comportamento. Segundo o autor (1969b, p.xi), “o comportamento é um dos objetos de estudo que não precisam do método hipotético‑dedutivo” e se tais métodos são utilizados no estudo do comportamento “é só porque o investigador atentou para eventos inacessíveis – alguns deles fictícios, outros irrelevantes”.

Assume‑se que, em vez de seguir o modelo newtoniano, Skinner adotou um modelo científico baseado em Bacon e Mach, no qual havia uma forte tendência ao empirismo e indutivismo (Moore, 2008; Smith, 1986). É possível notar essas características no modelo de ciência behaviorista radical quando Skinner apresenta os passos na construção da sua teoria do comportamento.

Primeiramente, a ciência decorre da experiência. Skinner (1989c, p.43) afirma que nós “descobrimos as leis da natureza pela experiência” e que os cientistas “aperfeiçoam suas experiências experimentando – fazendo coisas para ver o acontece”. O autor conclui que através da “experiência e dos experimentos surgem os especialistas”. A experiência, no contexto do behaviorismo radical, é a história de vida do cientista, as contingências que modelaram o seu comportamento.

Dessa forma, fazer ciência implica se comportar. Esse ponto fica claro quando Skinner apresenta cinco princípios não formais da prática científica: (1) “quando você se deparar com algo interessante, deixe todo o resto de lado e estude isso” (Skinner, 1956, p.223); (2) “algumas formas de se fazer pesquisa são mais fáceis do que outras” (Skinner, 1956, p.224); (3) “algumas pessoas têm sorte” (Skinner, 1956, p.225); (4) “às vezes os instrumentos quebram” (Skinner, 1956, p.225); e (5) “serendipity – a arte de achar uma coisa enquanto se está olhando para outra coisa” (Skinner, 1956, p.227).

Esses princípios da prática científica representam, na verdade, a história de vida do Skinner enquanto cientista. O primeiro princípio reflete o contexto em que Skinner estava inserido quando iniciou suas práticas experimentais e indica o estudo do organismo como um todo. O segundo princípio, por sua vez, é resultado da construção de aparatos e de instrumentos que facilitam o controle das variáveis experimentais – a caixa de Skinner é o mais famoso dentre eles.

O terceiro princípio originou‑se na “descoberta” do registro cumulativo, principal ferramenta da análise experimental do comportamento para coleta de dados. Entretanto, como prevê o quarto princípio, os aparatos podem quebrar e quando isso acontece surgem coisas interessantes – no caso de Skinner, o primeiro processo de extinção ocorreu quando a parte do instrumento responsável pela apresentação da consequência reforçadora (comida) se quebrou, o que fez com que a frequência de respostas do sujeito experimental caísse, já que a classe operante em questão não estava mais sendo reforçada.

Finalmente, um exemplo de serendipity na prática científica de Skinner é descoberta e desenvolvimento do esquema de reforço de razão fixa – relação em que um dado número de respostas deve ocorrer para que a consequência seja apresentada –, pois, na ocasião, Skinner não estava propriamente interessado nas propriedades desse tipo de esquema, mas sim nas possíveis relações entre grau de privação e frequência de respostas.

É possível notar, portanto, que Skinner não era adepto da formulação de uma metodologia ou de modelos da ciência. O máximo que se pode fazer é estudar a história de vida dos cientistas e avaliar quais eventos foram importantes para a construção das suas teorias científicas. No caso de Skinner, a história relevante estaria nos cinco princípios supracitados. Assim sendo, um dos problemas do método hipotético‑dedutivo é justamente este: ser um método.

Se fazer ciência é essencialmente se comportar, com que competência uma pessoa poderia descrever o método ou o modelo adequado da ciência sem estudar o que é comportamento? Em diversas passagens, Skinner expressa sua posição de maneira contundente:

Certas pessoas […] afirmaram ser capazes de dizer como a mente científica funciona. Elas estabeleceram regras normativas da conduta científica. O primeiro passo para qualquer interessado no estudo do reforço é desafiar essas regras. (Skinner, 1958, p.99)

Se estamos interessados em perpetuar as práticas responsáveis pelo corpo atual de conhecimento científico, nós devemos lembrar que […] não sabemos o bastante a respeito do comportamento humano para saber como o cientista faz o que faz. (Skinner, 1956, p.221)

Como podemos ter certeza de que um modelo é um modelo do comportamento? O que é comportamento e como ele deve ser analisado e mensurado? Quais são as características relevantes do ambiente e como elas devem ser mensuradas e controladas? Como esses dois conjuntos de variáveis estão relacionados? As respostas para essas questões não podem ser encontradas na construção de modelos. (Skinner, 1961f, p.251)

O argumento central de Skinner parece ser que nós ainda não sabemos ao certo como o comportamento do cientista funciona, ou melhor, quais as variáveis envolvidas no ambiente científico e que, por isso, não podemos delinear regras do “pensamento científico” que devem ser seguidas a todo custo nem uma metodologia única que abarque a ciência em todos os âmbitos possíveis.

Precisamos entender o comportamento para, só assim, entendermos o comportamento do cientista e, por fim, apresentarmos as regras que aumentam a probabilidade de ocorrência das classes operantes adequadas ao contexto científico. Embora seja avesso à construção de modelos e metodologias que supostamente esgotariam os parâmetros adequados da prática científica e embora afirme que a “ciência é um processo contínuo e, muitas vezes, desordenado e acidental” (Skinner, 1956, p.232), a prática científica de Skinner não é livre de pressupostos. Na verdade, é possível encontrar os princípios‑guia de Skinner (1953/1965, p.6) na seguinte citação:

A ciência […] é uma tentativa de descobrir ordem, de mostrar que certos eventos estão em relação ordenada com outros eventos. Nenhuma tecnologia prática pode se basear na ciência até que essas relações sejam descobertas. Entretanto, a ordem não é apenas um produto final possível; é uma hipótese de trabalho que precisa ser adotada desde o início. Nós não podemos aplicar os métodos da ciência a um objeto de pesquisa que se assume ser movido pelo capricho. A ciência não apenas descreve, ela prevê. Ela lida não apenas com o passado, mas com o futuro. Nem é predição sua última palavra: a partir do ponto em que condições relevantes possam ser alteradas, ou de algum modo controladas, o futuro pode ser controlado. Se nós formos usar os métodos da ciência no campo das questões humanas, então de‑ vemos assumir que o comportamento é ordenado e determinado.

Então, para Skinner, a ciência é a busca da ordem e, por isso, pressupõe‑se que o fenômeno a ser estudado seja ordenado e de‑ terminado. Enquanto descrição, a ciência lida com o passado, e a partir do estudo dos eventos passados é possível prever e controlar os eventos futuros. A questão do controle é essencial para a filosofia da ciência proposta pelo behaviorismo radical.

De acordo com Skinner (1947/1961b, p.225), “na psicologia, ou em qualquer ciência, o coração do método experimental é o controle direto da coisa estudada” e, assim, o objetivo principal da análise experimental do comportamento é “encontrar todas as variáveis das quais a probabilidade de resposta é função” (Skinner, 1966c, p.214). Mas quais seriam os objetivos da ciência psicológica? Qual seria a função da ciência do comportamento? Observar e controlar o objeto de estudo experimentalmente são práticas que, por si só, não constroem uma ciência.

O acúmulo de dados, ou melhor, de fatos científicos, não é o bastante para que uma prática se firme como ciência. Para Skinner (1947/1961b, p.290), o comportamento só pode ser “compreendido satisfatoriamente indo‑se para além dos fatos em si mesmos” e para que isso seja possível “é preciso uma teoria do comportamento”. Temos, assim, os pressupostos iniciais que constituem a filosofia da ciência de Skinner.

O objeto de estudo é, evidentemente, o comportamento. Pressupõe‑se que o comportamento seja ordenado, no sentido de ser regido por leis, e, consequentemente, que ele seja determinado, no sentido de ocorrer em função de eventos passados. O princípio básico do método experimental é o controle das variáveis e as análises experimentais são práticas cujo fim é localizá‑las. Entretanto, o objetivo último da ciência do comportamento é construir uma teoria do comportamento.

Nas palavras de Skinner (1947/1961b, p.230): “Quer os psicólogos experimentais gostem ou não, a psicologia experimental está devida e inevitavelmente comprometida com a construção de uma teoria do comportamento”. Esse comprometimento justifica‑se pelo fato de que uma “teoria é essencial para o entendimento científico do comportamento como objeto de estudo” (Skinner, 1947/1961b, p.230).

Em síntese, uma teoria é bastante útil à ciência do comportamento, principalmente porque, com o seu auxílio, a possibilidade de criar condições efetivas para previsão e controle do comportamento, dois objetivos essenciais propostos pela filosofia da ciência de Skinner (1953/1965), aumentaria consideravelmente. Sendo assim, é importante saber quais seriam os passos necessários para se chegar a uma teoria do comportamento.

De acordo com Skinner (1957/1961d), o primeiro passo é escolher um organismo para ser o sujeito experimental (rato, pombo, macaco, ser humano, etc.). O passo seguinte é selecionar um “pedaço do comportamento” (Skinner, 1957/1961d, p.101) – trata‑se da quebra do fluxo comportamental sobre a qual discorremos na seção dedicada à definição do comportamento (seção 2.1).

O terceiro passo é a construção de um ambiente experimental onde os estímulos, as respostas e as consequências possam estar correlacionadas num conjunto de contingências sobre o qual o cientista possa ter controle (Skinner, 1966c). É preciso também trabalhar com um plano prévio a respeito das contingências (Skinner, 1966c). Ou seja, o cientista decide previamente quais os esquemas de reforça‑ mento que serão utilizados no controle experimental (e.g., Ferster & Skinner, 1957).

No contexto experimental, também é muito importante ter um vocabulário de termos próprios para serem utilizados na descrição do fenômeno (Skinner, 1938/1966a, 1947/1961b). Esse vocabulário deve originar‑se da observação direta do fenômeno e suas definições devem ser fundamentadas a partir das relações funcionais entre as respostas verbais do cientista (os “termos” ou “conceitos” que ele usa) e as condições que estabelecem a ocasião em que elas ocorrem (Skinner, 1945/1961g).

Dessa forma, por exemplo, temos os principais conceitos que envolvem a análise experimental do comportamento – estímulo, resposta, consequência, respondente e operante; conceitos que, embora tenham sido construídos a partir da observação de eventos únicos, são genéricos a ponto de transcenderem esses eventos, possibilitando, assim, a criação de leis e, por fim, a construção de uma teoria do comportamento.

Conforme o que foi dito anteriormente, a prática experimental consiste basicamente em fazer coisas para ver o que acontece em seguida; especificamente, dizemos que o cientista manipula certos eventos para analisar as consequências resultantes. Os eventos manipulados pelo cientista do comportamento estão no ambiente, ou seja, são os estímulos que controlam as respostas do sujeito experimental, e fazem parte das variáveis independentes (Skinner, 1947/1961b, 1953/1965).

As respostas do organismo, por sua vez, são as variáveis dependentes, e levam esse nome porque ocorrem em função da manipulação das variáveis independentes – em certa medida, elas dependem das variáveis independentes (Skinner, 1947/1961b, 1953/1965). No laboratório, a principal função do cientista é observar e descrever os eventos que constituem as variáveis dependentes e independentes.

Entretanto, é preciso ter cuidado com algumas declarações de Skinner. O autor (1938/1966a, p.44) afirma que a aná‑ lise experimental do comportamento “se limita à descrição em vez de explicação” dos eventos, e que “a explicação é reduzida à descrição” (Skinner, 1931/1961c, p.338). É preciso ter cuidado porque a noção de descrição no contexto do behaviorismo radical não é a do senso comum. Skinner (1938/1966a, 1947/1961b) sustenta que a mera descrição, ou narração, dos eventos não quer dizer nada numa análise experimental.

A descrição, para ser útil no contexto da ciência do comportamento, deve envolver a relação entre as variáveis – trata‑se da descrição funcional entre eventos. Para Skinner (1931/1961c, p.337), a psicologia, enquanto disciplina científica, “deve descrever o evento não em si, mas em relação com outros eventos; e, num ponto satisfatório, ela deve explicar”. O autor conclui afirmando que “essas são atividades essencialmente idênticas”.

Portanto, explicar é descrever, mas na exata medida em que descrição implica relacionar funcionalmente os eventos. Todavia, para Skinner (1947/1961b, p.229), a “catalogação de relações funcionais não é o bastante”. Esses são os fatos básicos da ciência, mas a acumulação de fatos não é suficiente para a construção de uma ciência – uma teoria do comportamento é indispensável (Skinner, 1947/1961b).

Mas, novamente, é preciso ter cuidado com o que Skinner quer dizer em suas afirmações. O autor foi bastante criticado por supostamente defender que a ciência psicológica deveria ser construída sem teorizações (Skinner, 1969b). De fato, o autor (1950/1961a) dirigiu críticas ferrenhas às teorias da aprendizagem em psicologia, mas deixou bem claro qual seria a má teoria sob o ponto de vista do behaviorismo radical: “qualquer explicação de um fato observado que apele para eventos que ocorram em qualquer outro lugar, em outro nível de observação, descritos em termos diferentes, e medidos […] em diferentes dimensões” (Skinner, 1950/1961a, p.39).

Ou seja, na análise experimental, o cientista não deve ir para além do comportamento: as explicações devem ser dadas a partir de descrições funcionais entre as variáveis dependentes e independentes que, por sua vez, são todas observáveis. Os termos teóricos devem se referir aos eventos observados em vez de ser construtos ad hoc que supostamente auxiliariam na explicação.

Por outro lado, para Skinner (1947/1961b, p.229), a boa teoria seria constituída apenas por “afirmações sobre a organização dos fatos […] [cuja] generalidade transcende os fatos particulares dando a eles uma utilidade mais ampla”. Em outro texto, Skinner (1950/1961a, p.69) afirma que a boa teoria é uma “representação formal dos dados reduzida a um número mínimo de termos”. Em poucas palavras, é preciso ir além dos fatos, mas fazer isso a partir dos fatos.

À medida que o número de observações e descrições de relações funcionais particulares aumenta é possível extrair certos padrões gerais que, subsequentemente, serão leis do comportamento que, por sua vez, formarão o corpo teórico da ciência do comportamento (Skinner, 1947/1961b). Com uma teoria do comportamento disponível é possível, então, fornecer interpretações sobre o comportamento.

Stalker & Ziff (1988) afirmam que Skinner, a partir da década de 1940, deixou de ser o analista experimental do comportamento interessado em construir uma tecnologia que possibilitasse prever e controlar o comportamento, para focar seus interesses em questões filosóficas. Os autores sugerem que ao longo dos anos, na obra de Skinner, a análise experimental perdeu cada vez mais espaço para a teorização filosófica, até que chegou a um ponto em que só a última restou.

Em resposta aos autores, Skinner (1988) afirma que para além da ciência não há apenas a filosofia: no meio do caminho há a interpretação. Skinner (1953/1965, 1956/1961j, 1988) defende que a sua prática, quando não é experimental, é interpretativa, e apresenta claramente o que isso significa: interpretar é usar os “termos e princípios científicos ao discorrer sobre fatos a respeito dos quais pouco se sabe para tornar a predição e o controle possíveis” (Skinner, 1988, p.207).

O autor (1956/1961j, p.206) afirma que por meio da teoria do comportamento seria possível “interpretar certas instâncias do comportamento inferindo variáveis possíveis sobre as quais nos falta informação direta”. A interpretação, portanto, ocorre quando não se tem acesso às variáveis de controle do comportamento sob foco de análise. Não se trata de uma estratégia livre de pressupostos ou de informações científicas: as interpretações são construídas a partir das leis do comportamento resultantes da análise experimental.

É possível dizer, então, que numa análise experimental as condições de controle e predição são maiores, o que fornece uma base sólida para a teoria do comportamento. Em casos mais complexos, como os comportamentos classificados como “mentais”, em que o controle de todas as variáveis não é possível e, portanto, a predição está ameaçada, a teoria do comportamento serve como ferramenta de generalização indutiva.

A interpretação não é, portanto, uma explicação. Afinal, explicar é descrever as relações funcionais entre as variáveis, e, se não temos acesso às variáveis, não temos condições de explicar – só é possível interpretar. Essa questão fica clara na seguinte passagem de Skinner (1988, p.364):

Eu realmente aceito “que essas qualidades [processos comporta‑ mentais, suscetibilidade ao reforço, etc.] […] são suficientes para explicar o que é mais interessante sobre o comportamento dos animais e humanos?”. […] A resposta é não. Eu acho que elas são suficientes para explicar o comportamento de organismos selecionados, em condições controladas na pesquisa de laboratório, e afirmações sobre os dados feitas nesse lugar são falseáveis. Essas pesquisas resultam em conceitos e princípios que são úteis na interpretação do comportamento em qualquer outro lugar. Meu livro Verbal behavior (1957) foi uma interpretação, e não uma explicação, e é apenas útil, em vez de verdadeiro ou falso.

Skinner deixa claro que suas pretensões “filosóficas” que extrapolam o âmbito da análise experimental consistem apenas em possíveis interpretações sobre comportamentos complexos. Ele não defende que essas interpretações são explicações passíveis de falsificação, porque, desde o princípio, elas nem são explicações propriamente ditas. De acordo com o autor, o único fator que justificará a permanência de uma interpretação é a sua utilidade na previsão e controle do comportamento.

É possível notar que, ao longo de toda a seção, o termo “causa” não foi utilizado em nenhum momento. A ciência não foi definida como a busca das causas do comportamento; as explicações não foram caracterizadas pela localização de relações causais entre os eventos; enfim, em nenhum momento da apresentação da concepção de ciência proposta por Skinner há menção ao conceito de causa. Isso ocorre porque, sob influência de Mach, o autor substituiu o conceito pela noção de relação funcional. De acordo com Skinner (1953/1965, p.23), no behaviorismo radical:

A “causa” se torna a “mudança em uma variável independente” e o “efeito” “a mudança em uma variável dependente”. A velha “conexão causa‑efeito” se torna uma “relação funcional”. Os novos termos não sugerem como a causa produz o seu efeito; eles meramente afirmam que diferentes eventos tendem a ocorrer ao mesmo tempo em uma certa ordem. Isso é importante, mas não crucial. Não há perigo particular em usar “causa” e “efeito” em uma discussão informal se nós estivermos sempre prontos para substituí‑los por suas contrapartidas mais exatas.

Ao trocar as relações causais pelas relações funcionais, Skinner evita os problemas metafísicos da causalidade, principalmente no que concerne à natureza da relação, já que os conceitos não sugerem como ela ocorre. Entretanto, isso não impossibilita o estudo experimental do comportamento.

As relações funcionais são apenas constatações obtidas a partir de observações sucessivas no laboratório: observa‑se que um evento (variável dependente) ocorre sempre após a ocorrência de outro evento (variável independente); manipula‑se a variável independente e, com isso, modifica‑se a variável dependente, o que sugere que há uma relação entre elas; ao longo dos experimentos chega‑se à conclusão de que a variável de‑ pendente em questão relaciona‑se funcionalmente com a variável independente – no sentido de ocorrer em função da ocorrência da variável independente –, o que é o bastante para a construção de leis e, assim, de teorias.

No entanto, talvez outra razão para deixarmos de lado o conceito de “causa” nas explicações behavioristas radicais advenha dos próprios dados experimentais, especificamente das pesquisas sobre comportamento supersticioso. Em linhas gerais, o procedimento clássico para estudo do comportamento supersticioso envolve a apresentação não contingencial de estímulos reforçadores. Nessa situação, a apresentação do reforço independe do comportamento do sujeito experimental (Skinner, 1948).

Mas isso não quer dizer que o sujeito não esteja se comportando quando há a apresentação do reforço. Por conta desse fato, o efeito cumulativo desse procedi‑ mento é o aumento da frequência de respostas que ocorreram previamente à apresentação do estímulo reforçador, mesmo não existindo nenhuma relação contingencial entre esses eventos. Os experimentos sobre comportamento supersticioso sugerem que a seleção do comportamento não depende, necessariamente, de uma relação do tipo causa‑efeito.

No ambiente experimental, assume‑se que haja uma relação desse tipo porque são os próprios experimentadores que controlam as contingências: as respostas do sujeito “causam” a ocorrência do estímulo reforçador (efeito) porque foi essa a condição que o experimentador decidiu estabelecer. Porém, da perspectiva do sujeito experimental, há apenas a contiguidade temporal entre suas respostas e a ocorrência de estímulos reforçadores.

Skinner (1973/1978a, p.20) parece defender posição semelhante: “os reforçadores que figuram na análise do comportamento operante […] são consequências apenas no sentido de que eles sucedem ao comportamento”. Em outra passagem, o autor (1978b, p.172) é ainda mais incisivo: “Coincidência é o âmago do condicionamento operante. Respostas são fortalecidas por certos tipos de consequências, mas não necessariamente porque elas produzem as consequências”.

Em síntese, talvez não seja necessário falar de “causalidade” na análise do comportamento porque o seu próprio objeto de estudo parece não ser submisso a esse tipo de relação. É plenamente possível que uma relação resposta‑consequência seja do tipo causa‑ ‑efeito, mas é igualmente possível que essa relação seja meramente uma coincidência. O ponto central é que a seleção do comportamento pode ocorrer a partir de ambas as condições e é justamente esse fato que interessa à análise do comportamento.

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REFERÊNCIAS:

A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente / Diego Zilio. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.