Na seção 3.4 foi apresentada a definição behaviorista radical de consciência, segundo a qual um sujeito seria consciente no sentido de responder discriminativamente ao seu próprio comportamento. As respostas discriminativas podem ser verbais, resultando, assim, no conhecimento “descritivo” e na concepção de “consciência verbal” tal como comumente apresentada por Skinner (e.g., 1945/1961g, 1954, 1953/1965, 1957, 1969b, 1971, 1974, 1988).
No entanto, as respostas discriminativas também podem ser não verbais, o que resulta no conhecimento por “contato” e na concepção de “consciência não verbal”. Porém, há na filosofia da mente um outro sentido dado ao termo “consciência”: consciência como experiência subjetiva. Normalmente, a consciência que indica “ciência” ou “ter conhecimento…” é classificada como consciência descritiva (“awareness”) enquanto a experiência subjetiva é denominada como consciência fenomênica (“consciousness”) (Chalmers, 1995, 1996).
O intuito desta seção é tratar da consciência fenomênica e, para tanto, é preciso delimitar quais as ideias centrais por trás do conceito. Para Chalmers (1995, 1996), o problema da consciência fenomênica é o problema da experiência. Assim, a consciência não é uma coisa e a experiência outra: trata‑se do mesmo fenômeno. Isso significa, por exemplo, que ter uma experiência de “dor” é em si ter uma experiência consciente.
Torna‑se, então, redundante falar de “experiência consciente”, pois estamos nos referindo a apenas um fenômeno, a experiência, que também é, em si, consciência. Sendo assim, daqui em diante será utilizado apenas o termo “experiência”. De acordo com o que foi apresentado na subseção 1.1.5, um organismo possui experiência se é cabível perguntar como é ser tal organismo, e, nesse contexto, “ser” é o termo chave que caracteriza o aspecto subjetivo da experiência.
Nagel (1974) afirma que nunca saberemos como é ser um morcego porque nunca seremos capazes de adotar o ponto de vista de um morcego. O mesmo vale para outros sujeitos: talvez possamos imaginar ou conceber como é ser outro sujeito, porém, mesmo assim, nunca poderemos saber como é adotar o ponto de vista desse sujeito. Para Nagel (1965, 1974, 1986/2004, 1998), ter um ponto de vista significa possuir uma existência particular, intransferível a qualquer outro sujeito e incapturável por uma análise objetiva.
Assim, é o ponto de vista que concede ao organismo a sua subjetividade. No âmbito behaviorista radical, por sua vez, a consciência é caracterizada pelo responder discriminativamente ao próprio comportamento, seja de maneira verbal (consciência verbal) ou de maneira não verbal (consciência não verbal). Entretanto, a concepção de experiência traz à tona outros aspectos definidores: o ponto de vista e a subjetividade. Possuir experiências não é necessariamente responder discriminativamente ao próprio comportamento, embora possa incluir essa forma de controle discriminativo.
A concepção de experiência é mais abrangente do que a de consciência, pois parece sugerir que o comportamento, em seu sentido mais geral, seria um processo “consciente”. De que forma, então, seria possível definir a experiência a partir da óptica behaviorista radical? Seguindo a estratégia de Nagel (subseção 1.1.5), numa primeira aproximação é plausível sustentar que a experiência seria a relação entre estímulos e respostas do ponto de vista do organismo que se comporta.
O “ponto de vista” nessa definição não pressupõe que o organismo esteja consciente do seu próprio comportamento, no sentido descritivo do termo, e, assim, o descreve a partir de um ponto de vista privilegiado, já que, afinal, é o seu comportamento que está em foco. Tampouco é pressuposto que o organismo responda discriminativamente ao seu próprio comportamento de maneira não verbal, isto é, que ele possua consciência não verbal. A questão do ponto de vista em primeira pessoa não tem contornos epistemológicos, pois não se trata do conhecimento que o sujeito possa ter de si mesmo.
Pelo contrário, o “ponto de vista” da definição aponta para o fato de que as relações comportamentais são sempre as relações de um organismo. Em poucas palavras, o organismo tem um ponto de vista no sentido de ser ele, e não outro, o organismo que se comporta. Desse fato decorre o caráter subjetivo da experiência, que agora indica apenas a condição bastante evidente de que é um organismo único que se comporta. O que mais o behaviorismo radical poderia dizer sobre o caráter subjetivo da experiência?
De início, que o comportamento é subjetivo porque é inerente ao sujeito que se comporta. Nunca pode‑ remos saber como é ser um morcego pelo simples fato de que não somos morcegos. E mais, nunca poderemos saber como é ser exata‑ mente outro sujeito porque não somos esse sujeito. De forma mais exata, o problema é que nunca seremos outro sujeito a não ser nós mesmos, e esse fato confere certa irredutibilidade do comporta‑ mento, enquanto experiência, a uma análise puramente objetiva.
Por mais que se estude exaustivamente o comportamento, todo o conhecimento produzido nunca será o bastante para quebrar a barreira do ponto de vista em primeira pessoa do organismo que se comporta. Portanto, o que sustenta o argumento da subjetividade é a ideia de que cada sujeito é único e que, por isso, também possui um ponto de vista único. Essa singularidade, por sua vez, impede qualquer tipo de redução do comportamento, enquanto experiência, a um ponto de vista objetivo em terceira pessoa. Nesse momento é pertinente apresentar alguns trechos em que Skinner assegura a unicidade do sujeito:
O sistema complexo denominado organismo possui uma história complicada e em grande medida desconhecida, o que o dota de certa individualidade. Dois organismos não embarcam em um experimento precisamente sob as mesmas condições, nem são afetados da mesma maneira pelas contingências do espaço experimental. (Skinner, 1963b, p.508)
Uma pessoa não é um agente iniciador; é um lócus, um ponto em que múltiplas condições genéticas e ambientais se reúnem num efeito conjunto. Enquanto tal, ela permanece indiscutivelmente única. Ninguém mais (a menos que ela tenha um gêmeo idêntico) tem a sua dotação genética e, sem exceção, ninguém mais tem a sua história pessoal. (Skinner, 1974, p.168)
Skinner (1964/1972c, p.57) também afirma que “como um produto de um conjunto de variáveis genéticas e ambientais, o homem é asseguradamente único”. É bastante claro que, para Skinner, cada organismo é único e esse fato justifica a atribuição do caráter subjetivo ao comportamento enquanto experiência. Por conseguinte, é possível concluir que a subjetividade, tal como definida aqui, não é negada pelo behaviorismo radical.
Mas novamente, assim como ocorreu na interpretação dos outros conceitos ou processos “mentais”, não há nada de mental na experiência ou na subjetividade. Em resumo, a “experiência” é o comportamento sob o ponto de vista do organismo que se comporta, o que significa que o comportamento é sempre o comportamento de um organismo. Já a “subjetividade” consiste no fato de que cada organismo é único e que, por isso, também possui um ponto de vista particular, pois sua própria existência é particular.
Consequentemente, nunca poderemos saber como é ser esse organismo (adquirir o seu ponto de vista), porque estamos presos à nossa própria existência, isto é, ao nosso próprio ponto de vista, e essa incapacidade confere certa irredutibilidade do comportamento enquanto experiência a uma análise objetiva. No entanto, talvez seja pertinente questionar até que ponto é interessante manter os termos utilizados pela filosofia da mente no que concerne ao problema da experiência.
Em vez de dizer que há um caráter subjetivo da experiência, conferido pelo ponto de vista particular em primeira pessoa que o organismo possui, poderíamos apenas dizer que o comportamento é resultado de uma confluência de variáveis filogenéticas e ontogenéticas e que os organismos, enquanto seres que se comportam, são seres únicos. Já a divisão entre consciência e experiência apenas aponta para o fato de que responder discriminativamente perante o próprio comportamento – isto é, ter consciência – não é condição para a existência dos aspectos do comportamento que atuam como estímulo discriminativo.
Pelo contrário, antes de estar consciente é preciso que exista algo do que se possa estar consciente, e como esse “algo” é o próprio comporta‑ mento, então, antes de ser consciente é preciso se comportar. Dessa forma, há duas condições para a consciência verbal ou não verbal: (1) se comportar; e (2) responder discriminativamente ao próprio comportamento. Organismos que não possuem consciência são os que não cumprem a segunda condição, o que não significa que eles não se comportem, ou seja, que não possuam experiências.
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REFERÊNCIAS:
A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente / Diego Zilio. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.