Behaviorismo radical: Percepção, imagem mental e sensação

A teoria da percepção behaviorista radical pretende analisar, evidentemente, o processo em questão a partir da lógica comporta‑ mental, mas não só isso: trata‑se também de uma crítica ferrenha às teorias da percepção representacionistas e/ou que se baseiam na ideia da “cópia” mental do mundo, segundo as quais o objeto da percepção não seria o mundo real, mas sim cópias ou representações desse mundo construídas na mente do observador. Nas palavras de Skinner (1985, p.292):

Para a ciência cognitiva, a direção da ação é do organismo para o ambiente. O sujeito que percebe age sobre o mundo e o percebe no sentido de trazê‑lo para dentro. […] O processamento precisa ter um produto, e para a ciência cognitiva oproduto é […] uma representação. Nós não vemos o mundo, mas cópias dele. […] Na análise comportamental, a direção é invertida. O que está em questão não é o que o organismo vê, mas sim como o estímulo [visual] altera a probabilidade do seu comportamento. […] O que é “visto” é uma apresentação, e não uma representação.

À percepção é fornecida uma análise comportamental: há um estímulo visual que afeta o organismo, o que significa fazê‑lo responder de uma dada forma. A percepção, de acordo com Skinner (1953/1965), pode consistir numa relação respondente. Há, primeira‑ mente, a visão incondicionada, isto é, a relação livre de condicionamento entre um estímulo visual e a resposta eliciada no organismo. Mas também é possível estabelecer uma relação respondente condicionada no processo perceptivo. Para ilustrar o processo é pertinente retomar o exemplo do condicionamento respondente do cão (Quadro 3.1):

Na situação 1 temos uma relação respondente incondicionada; na situação 2 temos a apresentação de um estímulo neutro (campainha); e, finalmente, na situação 3 temos a relação respondente condicionada entre o estímulo eliciador (campainha) e a salivação (resposta condicionada). Suponha‑se, agora, que durante o processo o cão também foi afetado visualmente pela comida, ou seja, a comida atuava como estímulo visual eliciador da sua resposta visual. As três situações estão no Quadro 3.2.

O que aconteceu nesse processo? Em primeiro lugar, na situação 1 há um caso de visão respondente incondicionada. Ao longo do processo de condicionamento, durante a situação 2, um estímulo auditivo neutro foi adicionado. Na situação 3, finalmente, o estímulo auditivo elicia a resposta visual do cão e, a partir desse momento, trata‑se de um caso de visão condicionada. Dizemos, então, que o cão “vê” o alimento mesmo se o alimento não estiver presente. O fenômeno é explicado por um simples processo de condicionamento respondente, não sendo necessário sustentar que o cão cria uma “cópia” ou uma “representação mental” da comida.

Concluindo com Skinner (1953/1965, p.266): “um homem pode ver ou ouvir um ‘estímulo que não está presente’ de acordo com os moldes do condicionamento reflexo: ele pode ver X, não apenas quando X está presente, mas quando qualquer estímulo que frequentemente acompanha X estiver presente”. Além do tipo respondente, incondicionado ou condicionado, também é possível que a percepção seja operante. Ao contrário do que ocorre na percepção respondente, na percepção operante não há um estímulo eliciador da resposta perceptiva. As variáveis de controle da resposta perceptiva operante estão nas contingências de reforço e nos estados de privação do sujeito (Skinner, 1953/1965).

Um prisioneiro, por exemplo, que está há mais de vinte anos na prisão, vê o “oceano” todos os dias. Todavia, não há oceano nem dentro da prisão, nem em suas imediações. O prisioneiro nem se‑ quer tem acesso a uma foto do oceano. Em resumo, não há estimulação visual para a sua resposta de ver o “oceano”. É possível explicar a situação da seguinte forma. Por alguma razão, ver o oceano traz consequências reforçadoras para classes comportamentais do prisioneiro. Talvez porque o oceano possa representar a “liberdade” que lhe foi negada, ou porque os seus pais sempre o levavam para ver o oceano, ou, simplesmente, porque ele gosta de nadar no oceano.

As contingências de reforço que aumentam a probabilidade de que o prisioneiro veja o oceano, mesmo em sua ausência, podem ser variadas. A questão relevante, no presente contexto, é que elas existem. Outro ponto importante é que o prisioneiro, em algum momento de sua história de vida, de fato viu o oceano (seja em foto, filme ou diretamente) – em algum momento respostas incondicionadas foram eliciadas pelo estímulo visual “oceano”. Respostas visuais pertencentes à classe “ver o oceano”, então, por si só se tornaram reforçadoras. O prisioneiro pode ver o oceano mesmo deitado em sua cela, onde está privado de qualquer estimulação visual relevante para sua resposta de ver o oceano.

Isso pode ocorrer porque ele está em privação da estimulação visual, já que há pelo menos vinte anos não fica sob controle do estímulo visual eliciador “oceano”, e porque respostas de “ver o oceano” são suficientemente reforçadoras a ponto de serem emitidas mesmo na ausência de estimulação relevante (Skinner, 1953/1965). O prisioneiro pode ficar sob controle de estímulos discriminativos que estabelecem ocasiões em que a probabilidade de ocorrência de respostas de “ver o oceano” podem aumentar: ele pode ver uma foto da sua família, pode ouvir uma canção que era popular na época em que ele visitava o oceano, pode ler manifestos sobre a “liberdade” ou até mesmo histórias que se passam no oceano, como Vinte mil léguas submarinas, de Júlio Verne.

Entretanto, esses estímulos não participaram necessariamente de um processo de condicionamento respondente – em que estímulos condicionados passariam a eliciar respostas antes apenas eliciadas por estímulos incondicionados –, servindo aqui apenas para estabelecer a ocasião em que as respostas de “ver o oceano” se tornam mais prováveis. Talvez a diferença essencial entre percepção respondente e percepção operante esteja nas condições de controle das respostas visuais. É evidente que uma foto do oceano ou um livro sobre o tema possam atuar como estímulos condicionados eliciadores da resposta de “ver o oceano”.

Entretanto, se o sujeito não passou por esse processo de condicionamento e, mesmo assim, utiliza tais estímulos para estabelecer a ocasião em que as respostas de “ver o oceano” se tornam mais prováveis, possivelmente trata‑se de um caso de percepção operante. Nas palavras de Skinner (1953/1965, p.272): “Ao contrário da visão condicionada de forma respondente, tal comportamento [visão operante] não é eliciado por estímulos presentes e não dependem do pareamento prévio de estímulos”. Outro indício de percepção operante estaria no “engajamento” do sujeito para que as respostas visuais ocorram (Skinner, 1953/1965).

Voltando ao exemplo do prisioneiro, ouvir uma canção que era popular na época em que ele visitava o oceano, ler manifestos sobre a “liberdade” e livros de histórias que se passam no oceano podem ser comportamentos “precorrentes” (seção 3.1) que aumentam a probabilidade de ocorrência da resposta de “ver o oceano”. Essa característica expõe uma das possíveis distinções entre respondente e operante (seção 2.3): a percepção respondente seria, em certa medida, involuntária, pois as respostas visuais estariam sob controle de estímulos antecedentes eliciadores da resposta; já a percepção operante seria, por outro lado, voluntária, pois além de ser caracterizada pelo “engajamento” do sujeito em precorrentes que aumentam a probabilidade de ocorrência das respostas visuais, o controle estaria nos eventos consequentes relacionados a essas res‑ postas visuais. Há uma questão essencial sobre a percepção que merece ser tratada com mais detalhes: o ver na ausência do objeto visto.

Tanto o exemplo do cão, que viu a comida por conta do estímulo eliciador sonoro (campainha), quanto o exemplo do prisioneiro, que viu o oceano mesmo na ausência de quaisquer estímulos eliciadores, são casos em que foi visto algo que não estava lá. Ora, se o que foi visto não estava lá, então o cão e o prisioneiro devem ter criado cópias ou representações internas dos objetos vistos que, por sua vez, foram armazenadas em suas memórias. Ao serem vistas pelo “olho da mente”, essas cópias ou representações são caracterizadas como imagens mentais. Mas para Skinner (1968, p.125) não é isso o que ocorre: “nós podemos evitar essa duplicação assumindo que, quando um objeto visual é automaticamente reforçador, o comportamento de vê‑lo pode se tornar forte a ponto de ocorrer na ausência do objeto”. O autor (1967, p.329‑30) desenvolve a questão na seguinte passagem:

Uma pessoa lhe mostra uma foto de um grupo de cientistas, e dentre eles está Einstein. Essa pessoa lhe pergunta “O Einstein está [na foto]?” e você diz “Sim”. […] Mas suponha que ela pergunte “Você vê o Einstein?” e você diz “Sim”. O que você relatou? Você, em resposta à questão, apenas olhou para o Einstein uma segunda vez? Se sim, como você distinguiu entre “ver o Einstein” e “ver que você está vendo o Einstein”? Uma possibilidade que deve ser considerada é que você, ao relatar que está vendo o Einstein, está relatando uma resposta em vez de um estímulo. […] Você pode estar relatando a mesma coisa quando você relata que está vendo algo que “não está realmente lá” – quando você está meramente “imaginando qual seria a aparência de Einstein”. Ver algo na memória não é ver uma cópia. […] Quando recordo como algo se parecia, posso estar simplesmente recordando como eu uma vez olhei para esse algo. Não havia nenhuma cópia dentro de mim quando pela primeira vez olhei para esse algo, e não há nenhuma agora. Eu estou simplesmente fazendo nova‑ mente o que uma vez fiz quando olhei para algo, e eu posso dizer para você o que estou fazendo.

Há informações relevantes nessa citação de Skinner. A primeira delas é que a resposta visual não é a criação de uma cópia ou representação mental. A percepção é um caso de apresentação e não de representação. Há um estímulo visual que afeta o organismo de uma dada maneira. Essa afetação é a resposta do organismo perante o estímulo visual. A segunda delas é que a visão se torna consciente quando a pessoa passa a agir discriminativamente perante sua resposta visual, ou seja, quando ela é capaz de relatar o que está vendo.

Quando uma pessoa faz isso, ela não está descrevendo o estímulo visual, mas sim a resposta que esse estímulo eliciou. No caso do exemplo de Skinner, quando uma pessoa afirma que está vendo Einstein ela não está descrevendo a foto, mas a res‑ posta visual que essa foto eliciou. Essa resposta pode, inclusive, ocorrer na ausência do estímulo eliciador (foto) ou de qualquer outro estímulo relevante, o que possibilita à pessoa descrever a res‑ posta visual mesmo na ausência do objeto visto. A pessoa, assim, vê na ausência do objeto visto e é capaz de reportar consciente‑ mente a sua resposta visual.

Skinner (1969b, p.244) conclui que nesses casos você está “observando você mesmo no ato de ver, e esse ato é diferente da coisa vista. O ato pode ocorrer quando a coisa vista não está presente”. É possível sustentar que “ver um objeto” e “ver que está vendo um objeto” são comportamentos diferentes. O segundo caso consiste na descrição de uma resposta visual e funciona de acordo com a lógica comportamental da consciência: a comunidade verbal ensina o sujeito a agir discriminativamente perante a sua resposta visual, tornando‑se, assim, consciente dela (seção 3.4). O primeiro caso, por sua vez, é a resposta do organismo perante o estímulo visual: é a modificação causada pela afetação do estímulo.

Mas em que consiste essa modificação? Em nada mais que mudanças fisiológicas que ocorrem no organismo devido à estimulação visual. Portanto, nas palavras de Skinner (1963a, p.957), “quando um homem vê [algo] vermelho, ele pode estar vendo o efeito fisiológico de um estímulo vermelho; quando ele meramente imagina [algo] vermelho, ele pode estar vendo o mesmo efeito novamente”. Resumidamente, a percepção pode ser vista como uma relação comportamental respondente, incondicionada ou condicionada, ou como uma relação operante.

O processo perceptivo inclui, em sua gênese, a resposta visual incondicionada de um organismo perante um estímulo eliciador. Essa resposta incondicionada é constituída por estados fisiológicos e o estímulo é constituído por propriedades físicas do ambiente. Outro ponto importante é que muitas vezes podemos “ver na ausência da coisa vista”. Isso ocorre quando respostas visuais ficam sob controle de outros estímulos (antecedentes e/ou consequentes) que não os estímulos visuais originários através dos processos de condicionamento respondente e condicionamento operante.

Em nenhum momento do processo é preciso postular a existência de representações ou cópias mentais que quando percebidas, na ausência do objeto, consistem em imagens mentais vistas pelo “olho da mente”. Em tempo, o que é possível dizer sobre a interpretação behaviorista radical das sensações? Para tratar desse problema é relevante examinar a questão do sentir no behaviorismo radical. Nas palavras de Skinner (1969b, p.255):

Nós usamos “sentir” para denotar a sensibilidade passiva a estímulos corporais, assim como usamos “ver” e “ouvir” para de‑ notar a sensibilidade a estímulos que atingem o corpo a distância. Sentimos objetos com os quais estamos em contato assim como vemos objetos a distância. Cada modo de estimulação tem os seus próprios órgãos dos sentidos. […] De certa maneira, a sensação parece ser tanto a coisa sentida como o ato de senti‑la.

Skinner (1953/1965, p.140) também afirma que o termo “‘sentir’ pode ser tomado para se referir à mera recepção do estímulo”. O primeiro ponto importante é a natureza do que é sentido, tema que já foi apresentado na seção sobre os eventos privados (seção 2.6). Para Skinner (1945/1961g, 1963a, 1969b, 1972b, 1974, 1975), sentimos estados do nosso corpo ou, mais exatamente, estados fisiológicos.

A sensibilidade aos estados fisiológicos, por sua vez, é possível graças aos sistemas nervosos interoceptivo e proprioceptivo, e os processos que envolvem a estimulação constituída por eventos fisiológicos e as respostas de sentir essa estimulação por vias interoceptivas e proprioceptivas são caracterizados como eventos privados (seção 2.6). Por outro lado, no caso da percepção, somos sensíveis ao mundo externo através do sistema nervoso exteroceptivo. De acordo com Skinner (1987a), estamos lidando, em ambos os casos (sensação e percepção), com tipos de relações sensoriais.

Em suas palavras (1963a, p.955): “No que concerne ao comportamento, tanto a sensação quanto a percepção podem ser analisadas como for‑ mas de controle por estímulo”. A diferença está na forma como entramos em contato com os estímulos (de maneira interoceptiva, proprioceptiva ou exteroceptiva). E para manter essa diferença tal‑ vez seja pertinente utilizar o termo “sentir” apenas quando a relação é privada.

Quando, por outro lado, a relação é pública, como no caso da percepção, podemos utilizar termos como “ouvir” ou “ver”. É o que Skinner (1969b, p.225) parece sugerir na seguinte passagem: “Nós usamos ‘sentir’ para denotar a sensibilidade passiva a estímulos corporais, assim como usamos ‘ver’ e ‘ouvir’ para denotar a sensibilidade a estímulos que atingem o corpo a distância. Sentimos objetos com os quais estamos em contato assim como vemos objetos a distância”.

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REFERÊNCIAS:

A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente / Diego Zilio. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.