É da tradição pedagógica brasileira considerar a alfabetização como uma etapa escolar anterior ao ensino da língua portuguesa. Estudos e pesquisas dos últimos vinte anos têm mostrado que as práticas que centram a alfabetização apenas na memorização das correspondências entre sons e letras empobrecem a aprendizagem da língua, reduzindo-a a um conjunto de sons a serem representados por letras. Em função disso, essa visão mais tradicional da alfabetização vem sendo questionada. Isso não significa que não seja necessário aprender as letras e os sons correspondentes. Significa que isto é apenas uma parte do conteúdo da alfabetização.
A alfabetização é uma aprendizagem mais ampla e complexa do que o “bê-a-bá”. Esta concepção ampliada do conteúdo da alfabetização acabou por levar a uma orientação pedagógica na qual, além de aprender sobre as letras, os alunos aprendem sobre os diversos usos e as formas da língua que existem num mundo onde a escrita é um meio essencial de comunicação. Para ensinar os usos e as formas da língua para se escrever em português, é necessário, sempre que possível, fazê-lo em situações comunicativas. Significa ter como unidade de ensino a unidade funcional da língua: o texto.
Significa também trazer para dentro da escola a diversidade textual que existe fora dela, abrindo assim, para nossos alunos, as portas do mundo letrado. E o que vem a ser isso de “letramento”? Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais:
Letramento, aqui, é entendido enquanto produto da participação em práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia. São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las significativas, ainda que às vezes não envolvam as atividades específicas de ler ou escrever. Dessa concepção decorre o entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas, não existe grau zero de letramento pois nelas é impossível não participar, de alguma forma, de algumas dessas práticas.
Isto significa que as pessoas que vivem e trabalham nas cidades, mesmo quando são analfabetas, têm sempre algum conhecimento sobre as práticas sociais letradas. Por exemplo: um analfabeto que vive na cidade sabe que para descobrir para onde vai um ônibus é preciso ler o nome ou o número dele, e apesar de não saber ler acaba descobrindo formas de resolver seus problemas de transporte: seja pedindo a alguém que leia, seja memorizando o número. Mas para poder participar realmente do mundo letrado, é preciso muito mais que isso.
É preciso, por exemplo, poder ler jornais e livros. Tornar-se capaz de aprender coisas através da leitura. Costumávamos pensar que bastava ser capaz de decodificar para poder ler qualquer coisa. Hoje sabemos que não é bem assim. Para ler jornais ou outros textos de uso social é preciso conhecer não só as letras, mas também o tipo de linguagem em que são escritos. Para poder compreender o que se está lendo – e não apenas fazer barulho com a boca como um papagaio – é necessário construir uma familiaridade com a linguagem que se usa para escrever cada gênero. Mas o que é isso de “gênero”? Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais:
Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero. Os vários gêneros existentes, por sua vez, constituem formas relativamente estáveis de enunciados (…). Podemos ainda afirmar que a noção de gêneros refere-se a “famílias” de textos que compartilham algumas características comuns (…). Os gêneros são determinados historicamente. As intenções comunicativas (…) geram usos sociais que determinam os gêneros, os quais dão forma aos textos. É por isso que, quando um texto começa com “era uma vez”, ninguém duvida de que está diante de um conto, porque todos conhecem esse gênero. Diante da expressão “senhoras e senhores”, a expectativa é ouvir um pronunciamento público ou uma apresentação de espetáculo, pois sabe-se que nesses gêneros o texto, inequivocamente, tem essa fórmula inicial. Do mesmo modo, podemos reconhecer outros gêneros como: cartas, reportagens, anúncios, poemas etc.
Portanto, além do conhecimento sobre as letras, o professor precisa ensinar a seus alunos, ao mesmo tempo, a linguagem que se usa para escrever os diferentes gêneros. E a forma de ensinar isso é trazendo para dentro da sala de aula a diversidade textual que existe fora. É lendo para eles – em situações onde essa leitura faça sentido – os mais variados textos. Principalmente para os alunos de escolas rurais que, com frequência, não têm quase nenhum contato com textos e leitores.
São exatamente essas crianças que mais dependem da escola para ter acesso ao conhecimento letrado e é com relação a elas que é maior a responsabilidade do professor. Em função dessa nova compreensão do que seja a tarefa de alfabetizar, este material de apoio inclui um conjunto de textos de diferentes gêneros para serem usados com os alunos e várias sugestões de atividades a serem realizadas com esses textos. Tanto os textos como as atividades são apenas amostras e sua função é dar ao alfabetizador uma ideia das possibilidades de trabalho.
REFERÊNCIAS:
Alfabetização : livro do professor / Ana Rosa Abreu … [et al.]. Brasília : FUNDESCOLA/SEF-MEC, 2000.