Skinner e a Consciência

Para Skinner (1945/1961g, 1971, 1974), a consciência é um produto social cuja gênese está nas perguntas feitas pela comunidade verbal a respeito dos comportamentos dos sujeitos que dela fazem parte: “Por que você fez isso?”; “O que você está fazendo?”; “O que você está pensando?”; “O que você está sentindo?”; “Como você fez isso?”. Essas são perguntas comuns que fazem parte do repertório dos membros da comunidade verbal; comunidade que é nesse sentido bastante inquisitiva.

Estar inserido numa comunidade verbal que faz perguntas sobre o nosso comportamento faz com que classes operantes verbais relacionadas à auto‑observação sejam reforçadas e é justamente esse o primeiro passo para a consciência: observar o próprio comportamento. O segundo passo, já no âmbito verbal, é a autodescrição, ou seja, a descrição dos próprios comportamentos. A lógica comportamental da consciência é a já apresentada na seção sobre a teoria dos eventos privados (seção 2.6): a comunidade verbal ensina o sujeito a responder discriminativamente perante o seu próprio comportamento.

Todavia, a consciência não se restringe apenas às respostas discriminativas verbais acerca dos eventos privados, mas abarca todo e qualquer evento comportamental. A partir do momento em que o próprio comportamento do sujeito passa a atuar como estímulo discriminativo para suas respostas autodescritivas, podemos dizer que esse sujeito é consciente, ou melhor, que possui autoconhecimento. Skinner (1945/1961g, p.281) resume claramente sua posição sobre a consciência:

Estar consciente, como uma forma de reagir ao próprio comportamento, é um produto social. […] é apenas porque o comporta‑ mento do indivíduo é importante para a sociedade que a sociedade, por sua vez, faz com que ele seja importante para o indivíduo. O indivíduo se torna consciente sobre o que ele está fazendo apenas depois que a sociedade reforçou respostas verbais que dizem respeito ao seu comportamento como fonte de estímulo discriminativo.

O ponto central é que nós não apenas nos comportamos, mas também observamos que estamos nos comportando e observamos as condições sob as quais nos comportamos (Skinner, 1969b). De acordo com Skinner (1971, 1974, 1987b), se não fosse pela comunidade verbal, os sujeitos possivelmente estariam inconscientes de seus repertórios comportamentais e das contingências de reforço das quais eles são função. Nas palavras do autor (1987b, p.782): “todo comportamento, humano ou não humano, é inconsciente; ele se torna ‘consciente’ quando ambientes verbais estabelecem as contingências necessárias para a auto­-observação”.

Por sua vez, ser consciente, no contexto do behaviorismo radical, é ser capaz de responder discriminativamente ao próprio comportamento, o que significa que a consciência é, na verdade, o conhecimento de si mesmo. À primeira vista, a definição de consciência proposta por Skinner parece simples. No entanto, ela guarda sutilezas que merecem uma análise mais cuidadosa. Nesse contexto, é preciso levar em conta a concepção de conhecimento que permeia essa definição. O que significa dizer que uma pessoa consciente é aquela que “conhece” a si mesma?

De acordo com o que foi dito na seção 2.6, Skinner apresenta duas concepções de conhecimento: conhecer enquanto “contato” com contingências e enquanto “descrição” de contingências. Quando lidamos com o conhecimento no contexto da consciência estamos nos referindo ao segundo tipo. Skinner (1972b, p.18) afirma, por exemplo, que uma “criança responde às cores das coisas antes de ‘conhecer suas cores’. Conhecer requer contingências de reforço especiais que precisam ser arranjadas por outras pessoas”.

Nota‑se, portanto, que o conhecimento enquanto “descrição” das contingências é imprescindível na definição de consciência, e esse tipo de conhecimento é essencialmente verbal. Para Skinner (1990, p.1207), a própria etimologia da palavra “consciência” é um indício desse fato: “A palavra consciente […] significa co‑conhecimento (Latim: co‑ciência) ou ‘conhecimento com outros’, uma alusão às contingências verbais necessárias para ser consciente”. O conhecimento “descritivo”, sendo esse o conhecimento desenvolvido “com outros” (comunidade verbal), quando posto como característica definidora da consciência, reforça a tese segundo a qual a consciência seria um produto verbal.

Afinal, o conhecimento “descritivo”, como o nome já diz, é a descrição verbal das contingências; e o conhecimento “com outros” indica apenas as contingências estabelecidas pela comunidade verbal relacionadas à auto‑observação, autodescrição e autoconhecimento. Pode‑se concluir que, para o behaviorismo radical, o comportamento verbal é condição para a consciência. Dizemos que um sujeito é consciente se ele responde discriminativamente ao seu próprio comportamento e responder discriminativamente, nesse caso, consiste em responder verbalmente por meio de descrições dos seus comportamentos.

É pertinente analisar outra característica essencial da consciência: enquanto processo comportamental, a consciência equivale a responder discriminativamente ao próprio comportamento ou, nas palavras de Skinner (1945/1961g, p.281), trata‑se de “uma forma de reagir ao próprio comportamento”. É preciso considerar, portanto, a que, exatamente, o sujeito consciente responde discriminativamente.

Skinner apresenta algumas pistas nas seguintes passagens: “foi apenas quando contingências sociais, essencialmente verbais, levaram alguém a responder ao seu próprio corpo que se pode dizer que esse alguém se tornou consciente dele” (Skinner, 1983a, p.128, itálico adicionado); “estamos conscientes do que estamos fazendo quando descrevemos a topografia do nosso comporta‑ mento” (Skinner, 1966/1969a, p.244, itálico adicionado); “estamos conscientes da razão pela qual estamos fazendo quando descrevemos as variáveis relevantes, assim como aspectos importantes da ocasião ou do reforço” (Skinner, 1966/1969a, p.244, itálico adicionado); e, finalmente, “um homem que estiver sozinho desde o nascimento não possuirá comportamento verbal, não estará consciente de si mesmo como uma pessoa” (Skinner, 1971, p.123, itálico adicionado).

Essas passagens são importantes porque deixam entrever os aspectos do comportamento sobre os quais o sujeito consciente responde discriminativamente. Comecemos pela última passagem: o que significa estar consciente de si mesmo como uma pessoa? Skinner (1974, p.225) sus‑ tenta que um membro da espécie humana “começa como um organismo e se torna uma pessoa ou um self na medida em que adquire um repertório de comportamento”. Ser uma “pessoa”, por‑ tanto, implica possuir um repertório comportamental construído ao longo da interação com o ambiente – um repertório único, pois cada organismo possui uma história ontogenética única (Skinner, 1953/1965, 1957, 1963b, 1964/1972c, 1974).

Portanto, o sujeito consciente é aquele que responde a si mesmo enquanto uma “pessoa” que possui uma “identidade” derivada de uma história de interação com o ambiente responsável por um repertório comportamental único. É coerente supor que talvez essa seja a situação mais complexa acerca da consciência, pois abrange não só o conhecimento “descritivo”, que é estabelecido “com outros” (comunidade verbal), mas também depende de uma “construção” verbal de si mesmo enquanto uma “pessoa” ou um “self” a que o sujeito responde discriminativamente.

Conforme visto no início desta seção, a consciência se desenvolve a partir das contingências estabelecidas por uma comunidade verbal bastante inquisitiva, e quando lidamos com a consciência de si mesmo como “pessoa” a pergunta fundamental é: “Quem é você?”. Responder a essa pergunta implica conhecer a si mesmo enquanto um complexo repertório comportamental. Skinner (1966/1969a) também sustenta que respondemos discriminativamente ao nosso comportamento levando‑se em conta as variáveis das quais ele é função. Estar consciente das “razões” pelas quais nos comportamos implica responder à pergunta “Por que você está fazendo isso?”.

Não é preciso que o sujeito possua uma noção de si mesmo enquanto “pessoa” para que responda a essa questão. Um sujeito com amnésia, por exemplo, pode não ser capaz de responder quem ele é, mas isso não impede, em princípio, que possa localizar e descrever a função do comportamento posto em evidência pelo questionador. Há ainda outra questão relacionada à consciência: “O que você está fazendo?”. Trata‑se de uma pergunta que foca a topografia do comportamento.

Nesse caso, responder discriminativamente ao próprio comportamento consiste apenas em descrever a topografia das respostas sem levar em conta suas funções. Em face do questionamento “O que você está fazendo?”, um sujeito pode responder “Estou indo à cozinha”. Tal sujeito está consciente de seu comportamento, pois é capaz de descrevê‑lo; entretanto, ele não indicou na resposta a função do comportamento. Se o questionador continuar o diálogo com a questão “Por que você está indo à cozinha?”, o sujeito poderá responder “Não sei”, indicando, assim, que ele não tem consciência da função de seu comportamento, ou poderá responder “Porque o jarro de água está na cozinha e eu estou com sede”, indicando, nessa resposta, a função de seu comportamento.

Finalmente, resta avaliar o que Skinner (1983a) quer dizer com responder discriminativamente ao próprio corpo. Em poucas palavras, o sujeito responde discriminativamente ao seu próprio corpo quando este atua como fonte de estimulação interoceptiva e proprioceptiva. A consciência, portanto, envolve também a descrição de eventos privados. Todas as formas citadas na seção 2.6 sobre como a comunidade verbal pode ensinar o sujeito a responder discriminativamente perante os eventos privados mesmo sem ter acesso a eles – associação de estímulos, efeitos colaterais, extensão metafórica do tacto e descrição do próprio comportamento –, se analisadas do ponto de vista do sujeito que se comporta, em vez do ponto de vista da comunidade verbal que o controla, trazem à tona o processo comportamental caracterizado como consciência.

E mais, as formas pelas quais passamos a conhecer os eventos privados são exemplos de como o conhecimento de si é, de fato, construído “com outros”, isto é, com os membros da comunidade verbal (seção 2.6). Nesse contexto, a pergunta mais comum acerca dos eventos privados é: “O que você está sentindo?”. Continuando com o exemplo do sujeito que está indo à cozinha, mediante o questionamento sobre o que está sentindo ele pode responder “Estou com sede”. Nesse caso, ele está respondendo discriminativamente a um evento privado possivelmente associado à privação de água. É importante ressaltar, porém, que as perguntas “O que você está fazendo?” e “Por que você está fazendo isso?” também podem ser direcionadas a eventos privados; especificamente, a comporta‑ mentos encobertos.

À primeira questão o sujeito pode responder, por exemplo: “Eu estou pensando sobre um problema matemático”; e à segunda questão ele pode responder: “Estou tentando resolver o problema porque há um prêmio para quem apresentar a resposta correta”. Nesse caso, o sujeito estaria consciente acerca do que ele está fazendo e da razão pela qual ele está fazendo. Até o momento, a presente análise focou três fatores relacionados à definição behaviorista radical de consciência: a concepção de conhecimento por detrás dessa definição – o conhecimento “descritivo”; o papel da comunidade verbal no estabelecimento desse conhecimento – o conhecimento “com outros”; e os aspectos do comportamento aos quais o sujeito responde discriminativamente – repertório comportamental (“pessoa”), função e topografia.

Além disso, ressaltou‑se que a consciência também consiste em responder discriminativamente a eventos privados (estimulações proprioceptivas e interoceptivas e comportamentos encobertos). Tendo em vista essas informações, parece ser imprescindível à consciência a existência de contingências verbais envolvidas nesse tipo de controle discriminativo. Todavia, é difícil deixar de lado a ideia de que organismos que não se comportam verbalmente também possuam algum tipo de consciência. Afinal, é plenamente possível que existam contingências em que respostas dos sujeitos possam atuar como estímulos discriminativos para relações operantes subsequentes.

Nesse caso, o sujeito estaria respondendo discriminativa‑ mente ao seu próprio comportamento, precisamente a uma “parte” bem específica do seu repertório comportamental: uma dada classe de respostas que também atuaria como estímulo discriminativo para uma outra relação operante. Organismos que não se comportam verbalmente também possuem sistemas nervosos interoceptivos e proprioceptivos e, assim, seus corpos também podem servir de fonte de estimulação discriminativa. Talvez seja exatamente por esse motivo que, definir a consciência apenas como “uma forma de reagir ao próprio comportamento” (Skinner, 1945/1961g, p.281) ou como responder discriminativamente ao próprio comportamento, não seja suficiente, pois tais atividades não são necessariamente verbais.

Ademais, mesmo atribuindo à noção de “conhecimento” a condição de característica imprescindível na definição de consciência ainda pareceria um contrassenso eximir de organismos que não se comportam verbalmente algum tipo de consciência. Ora, Skinner (1974) apresenta dois tipos de conhecimento: o conhecimento “descritivo” (descrição das contingências) e o conhecimento por “contato” (sensibilidade às contingências) (seção 2.6). Um organismo que não se comporta verbalmente, mas que responde discriminativamente ao seu próprio comportamento, “conhece” a si mesmo no sentido de ser sensível às contingências relacionadas ao controle discriminativo em que seu próprio comportamento atua como ocasião para a ocorrência de respostas.

O único fator ausente seria, então, o comportamento verbal, que possibilitaria o conhecimento “descritivo” estabelecido por meio da interação com a comunidade verbal, ou seja, com os “outros” indicados pela etimologia da palavra “consciência”. Talvez atribuir ou não consciência a organismos que não se comportam verbalmente seja apenas uma questão de princípio. Por definição, para o behaviorismo radical, a “consciência” é um tipo de conhecimento inerente ao comportamento verbal. Por outro lado, é difícil sustentar definições a priori no behaviorismo radical, já que a filosofia da ciência proposta por Skinner, além de prezar pelo empiricismo, sustenta que o estabelecimento de uma teoria do comportamento, assim como dos conceitos que a constituem, deve ocorrer tendo em vista os dados experimentais (seção 2.2).

Em decorrência dessas observações, talvez seja justificável admitir que haja um tipo de consciência não verbal.12 A consciência não verbal seria caracterizada pelo responder discriminativamente ao próprio comportamento e pelo conheci‑ mento por “contato” com as contingências relacionadas a esse tipo de controle discriminativo. O organismo consciente possuiria conhecimento de si mesmo no sentido de ser capaz de responder discriminativamente a aspectos do próprio comportamento, seja por meio de estimulação proprioceptiva, interoceptiva ou exteroceptiva. As seguintes passagens de Skinner sugerem uma tese semelhante:

No sentido em que dizemos que uma pessoa é consciente da‑ quilo que a cerca, ela [também] é consciente dos estados ou eventos de seu corpo; ela está sob controle deles enquanto estímulos. Um boxeador que tenha sido “posto inconsciente” não está respondendo aos estímulos atuais quer dentro, quer fora de sua pele. […] Longe de ignorar a consciência nesse sentido, uma ciência do comportamento desenvolveu novas maneiras de estudá‑la. […] Uma pessoa torna‑se consciente em um sentido diferente quando uma comunidade verbal arranja contingências sobre as quais ela não apenas vê um objeto, mas também vê que está vendo um objeto. (Skinner, 1974, p.219‑220)

Acredito que todas as espécies não humanas são conscientes […] tal como são todos os humanos previamente à aquisição do comportamento verbal. Elas veem, ouvem, sentem, e assim por diante, mas não observam o que estão fazendo. […] uma comunidade verbal […] fornece as contingências para o comporta‑ mento autodescritivo que é o coração de um tipo diferente de consciência [awareness] ou consciência [consciousness]. (Skinner, 1988, p.306)

Em síntese, há a “consciência não verbal”, que consiste em responder discriminativamente ao próprio comportamento, e há a “consciência verbal”, que consiste em responder discriminativa‑ mente de maneira verbal ao próprio comportamento. No primeiro caso, Skinner fala do boxeador que, por estar “inconsciente”, não é sensível às estimulações, sejam elas exteroceptivas, proprioceptivas ou interoceptivas, o que significa que ele não as conhece (conheci‑ mento por “contato”).

No segundo caso, Skinner fala da percepção (seção 3.3), especificamente da questão do “ver que está vendo”. Trata‑se do responder discriminativamente às respostas perceptivas (conhecimento “descritivo”). Por exemplo, ao ver uma “bola vermelha” e relatar que está vendo uma “bola vermelha”, um sujeito não está propriamente descrevendo o estímulo “bola vermelha” em si, mas sim a resposta visual que o estímulo “bola vermelha” ocasionou (seção 3.3).

Dar‑se‑á continuidade ao problema da consciência a seguir (seção 3.5). Por ora, é útil finalizar a presente seção com a apresentação do Quadro 3.3, que sintetiza os aspectos da definição behaviorista radical de consciência.

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REFERÊNCIAS:

A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente / Diego Zilio. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.


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