Skinner: Conhecimento e eventos privados

Por definição, qualquer evento no universo capaz de afetar o organismo faz parte de seu ambiente (Skinner, 1953/1965). Dessa forma, em princípio, a pele não é uma barreira e o ambiente não é o que circunda o organismo. O ambiente só pode ser caracterizado a partir de sua relação com a ação do organismo. Dizemos, então, se o ambiente atua como estímulo eliciador, ou estímulo discriminativo ou se é, enquanto evento consequente, reforçador ou punitivo. Uma das principais consequências da definição relacional de ambiente é que não há nada de errado ou contraditório em supor que o organismo possa fazer parte do seu próprio ambiente e Skinner (1945/1961g, 1953/1965, 1954, 1957, 1971, 1972b, 1974) sustentou exatamente essa posição.

Nas palavras do autor (1945/1961g, p.257): “parte do universo é cercada pela própria pele do organismo. […] Em outras palavras, uma pequena parte do universo é privada”. Esse é o ponto de partida da teoria dos eventos privados. Nesse contexto, duas questões se colocam: qual a constituição dos eventos privados? Como entramos em contato com eles? Como foi dito na seção dedicada à definição de comportamento (seção 2.1), o organismo também é corpo e, enquanto tal, também é ambiente. Skinner (1975, p.44) afirma que “o que nós observamos introspectivamente, ou sentimos, são estados do nosso corpo”. Em outro texto, o autor (1945/1961g, p.262) apresenta mais dados sobre esses estados: “o que é experienciado introspectivamente é uma condição física do corpo”.

Enfim, a posição pode ser apresentada da seguinte maneira: “o que é sentido ou introspectivamente observado não é nenhum mundo não físico da consciência, da mente ou da vida mental, mas o próprio corpo do observador” (Skinner, 1974, p.17). Numa primeira aproximação, é possível concluir que para Skinner (1945/1961g, 1963a, 1969b, 1972b, 1974, 1975) os eventos privados são constituídos por estados físicos do corpo que atuam como estímulos em relações respondentes ou operantes. Em outras palavras, os eventos privados são, em parte, as estimulações geradas pelo corpo do organismo. Ressalta‑se o “em parte” porque os eventos privados não são apenas estímulos:

Um tipo importante de estímulo ao qual o indivíduo pode estar possivelmente respondendo, quando descreve o comportamento não emitido, não tem paralelo entre as outras formas de estimulação privada. Ele surge do fato de que o comportamento pode, na realidade, ocorrer em escala tão reduzida que não possa ser observado por outros. […] Frequentemente se expressa isso dizendo que o comportamento é “encoberto”. (Skinner, 1953/1965, p.263)

Na seção 2.1 foi afirmado que o movimento muscular não é característica essencial na definição do comportamento. Em poucas palavras, comportar‑se não é necessariamente movimentar‑se. Essa ideia dá margem à possibilidade de que o comportamento possa ocorrer sem ser manifesto e é justamente isso o que caracteriza o comportamento encoberto. Skinner (1953/1965, 1974) afirma que ele ocorre em escala tão pequena ou em magnitude tão baixa que é impossível a observação sem auxílio instrumental. Todavia, seria mais pertinente afirmar que o comportamento não dependente do movimento muscular ou de qualquer outro tipo de movimento que se manifeste também aos observadores além do sujeito que se com‑ porta.

Isso porque definir o comportamento encoberto baseando‑se em magnitudes ou escalas pode gerar a impressão errônea de que Skinner defenderia argumentos como o da fala subvocal, segundo o qual o pensamento seria, na verdade, o movimento ínfimo do aparato anatômico responsável pela fala.21 Ou pior, poderia sugerir que Skinner sustenta uma definição topográfica, em vez de relacional, do comportamento. Um bom caminho para definir o comportamento encoberto implica levar em consideração algumas características do comportamento verbal.

As contingências responsáveis pelo comporta‑ mento verbal são independentes de qualquer ambiente físico particular, o que dá grande autonomia para sua ocorrência (Skinner, 1953/1965). Em adendo, o comportamento verbal não possui consequências diretas no ambiente físico. Como disse Skinner (1957, p.2): “palavras não quebram ossos”. Outra característica essencial é que o organismo pode ser tanto falante quanto ouvinte de uma situação verbal, sendo possível, assim, que ele reforce os seus próprios operantes verbais.

O mais importante é que tudo isso pode ocorrer privadamente enquanto comportamento encoberto (Skinner, 1953/1965). Esse fato indica que talvez boa parte do comportamento encoberto seja de natureza verbal. Nesse momento, uma questão essencial que resta responder é: como entramos em contato com os eventos privados? De acordo com Skinner (1953/1965, 1972b, 1974), há três maneiras pelas quais entramos em contato com o ambiente. A primeira delas é pelo sistema nervoso exteroceptivo, responsável pelo contato com o ambiente fora da pele, isto é, pelo ambiente que é também acessível a outros observadores através de seus sistemas exteroceptivos.

A segunda maneira é pelo sistema nervoso interoceptivo, responsável pelo contato com o sistema digestivo, circulatório e respiratório. Os estímulos interoceptivos são acessíveis somente em primeira pessoa. A terceira maneira, por sua vez, é pelo sistema nervoso proprioceptivo, responsável pelo contato com os movimentos musculares e com a postura coordenada do corpo. Assim como ocorre no sistema nervoso interoceptivo, os estímulos proprioceptivos só são acessíveis em primeira pessoa. Temos, então, dois sistemas responsáveis pelo nosso contato com o mundo privado: interoceptivo e proprioceptivo.

Embora os eventos privados sejam constituídos por estados fisiológicos do corpo do organismo, essa característica, por si só, não atesta o caráter de privacidade. Ou seja, não devemos confundir eventos privados com eventos internos (i.e., fisiológicos). Afinal, um neurocirurgião pode, por exemplo, serrar o crânio de uma paciente e observar as condições fisiológicas de seu cérebro. Na definição de eventos privados é imprescindível levar em conta a forma como entramos em contato com os estados do nosso corpo, a saber, pelo sistema nervoso interoceptivo e proprioceptivo.

Com essas duas questões esclarecidas, torna‑se possível tratar do problema que, para Skinner (1945/1961g), estaria no cerne da teoria dos eventos privados: quais as contingências responsáveis pelo nosso conhecimento do mundo privado? Sabemos que tipo de eventos são eventos privados, entretanto ainda não sabemos o que significa, no contexto do behaviorismo radical, “conhecer” o mundo privado. Sendo assim, antes de avançar com a discussão sobre os eventos privados é pertinente discorrer sobre a teoria do conhecimento proposta pelo behaviorismo radical. O interesse de Skinner pelo behaviorismo foi um reflexo do seu interesse pela epistemologia (Skinner, 1980/1998).

Sua tese central seria que as questões epistemológicas a respeito da natureza do conhecimento e de como ocorre a sua construção seriam indissociáveis das questões sobre o comportamento estudadas pelas análises behavioristas radicais – tratar de um âmbito implicaria tratar do outro. Nas palavras do autor (1979, p.115): “o behaviorismo e a epistemologia eram parentes próximos. O behaviorismo era uma teoria do conhecimento, e o conhecimento […] era uma forma de comportamento”. Ou seja, o behaviorismo radical seria uma teoria do conhecimento justamente porque o conhecimento seria comportamento.

Skinner (1957, 1979) é contra a ideia de que um sujeito possua conhecimento sobre um mundo. O conhecimento não é algo que se possa possuir (Skinner, 1980/1998). O sujeito não é alheio ao mundo, mas faz parte dele. Se o comportamento envolve tanto o mundo quanto o sujeito, então seria errado dizer que o conhecimento envolve algo além ou aquém dessa relação. Precisa‑ mente, o conhecimento seria a própria relação, e por isso dizemos que o conhecimento é comportamento. Assim afirma Skinner (1956/1961j, p.215‑216):

O conhecimento não é para ser identificado com como as coisas aparecem para nós, mas antes com o que fazemos a respeito [das coisas]. Conhecimento é poder porque é ação. […] Filósofos têm insistido com frequência que não estamos cientes de uma diferença até que ela faça diferença, e evidências experimentais que suportam a ideia de que nós possivelmente não saberíamos nada se não fossemos forçados a saber estão começando a se acumular. O comportamento discriminativo denominado conheci‑ mento origina‑se apenas na presença de certas contingências de reforço sobre as coisas que são conhecidas. Portanto, possivelmente permaneceríamos cegos se estímulos visuais não fossem importantes para nós, assim como não ouvimos separadamente todos os instrumentos em uma sinfonia ou vemos todas as cores em um quadro até que valha a pena fazê‑lo.

Para Skinner (1953/1965, 1974), o conhecimento não é uma atividade passiva, não é contemplação; pelo contrário, conhecer significa ser sensível às contingências. O conhecimento, portanto, é uma relação de controle do ambiente sobre o sujeito, que, então, não o conhece por conta de um ato puro de sua vontade ou desejo, mas porque certas características desse ambiente controlam o seu comportamento (Skinner, 1953/1965). Dizemos que um organismo “conhece” quando seu comportamento está em consonância com as contingências (Skinner, 1974).

Voltando ao exemplo de operante discriminado em que um estímulo luminoso discrimina a ocasião na qual respostas de pressionar a barra pertencentes à mesma classe são seguidas de consequências reforçadoras. Um organismo cuja frequência de respostas geradoras de consequências reforçadoras seja alta é um organismo que “conhece” tal contingência. Nesse caso, conhecer é responder de certa maneira, numa dada ocasião, gerando, assim, consequências. Um sujeito também “conhece” quando é capaz de descrever contingências (Skinner, 1974): o experimentador que estabeleceu a contingência de operante discriminado do exemplo é capaz de descrever essa contingência e, nesse sentido, ele também a conhece.

Para Skinner (1974), são dois tipos diferentes de conhecimento: conhecer enquanto “contato” com as contingências (sujeito experimental) e enquanto “descrição” das contingências (experimentador). De volta ao problema do conhecimento dos eventos privados, uma pista que nos leva ao caminho da resposta está na introspecção, que, segundo Skinner (1986, p.716), seria uma “forma de comportamento perceptivo”. Principal ferramenta metodológica da psicologia estruturalista de Wundt e Titchener e da psicologia funcionalista de James, Dewey e Angell (Keller, 1937/1970; Marx & Hillix, 1963/2000), a introspecção consiste, basicamente, na descrição do que ocorre no mundo privado.

De acordo com Keller (1937/1970), a observação introspectiva envolve uma atitude em relação à experiência, o experienciar ele próprio e um relato adequado da experiência. A atitude equivale a analisar o fenômeno a partir dos parâmetros do sistema psicológico em questão. É justa‑ mente essa atitude que distingue a observação do psicólogo da de outros cientistas ou da de leigos. O experienciar e o relatar são as duas características principais da introspecção. Primeiro é preciso que o sujeito tenha uma “experiência”, por exemplo, uma sensação dolorosa, para só depois relatá‑la ao observador.

A introspecção não poderia ser praticada por observadores ingênuos, pois assim perder‑se‑ia a exatidão experimental do método (Marx & Hillix, 1963/2000). Em linhas gerais, pede‑se a um sujeito que descreva o que esteja “passando em sua mente” e, a partir dessa descrição, são tecidas teorias, modelos e explicações sobre a estrutura e o funcionamento da mente. De qualquer forma, a nossa pista está no fato de que a introspecção exige comportamento verbal, e isso indica que, se quisermos saber como o conhecimento do mundo privado se origina, devemos, então, analisar o comportamento verbal e a sua relação com os eventos privados.

Esse foi exatamente o ponto de Skinner (1945/1961g, p.285): “o único problema sobre a subjetividade com o qual a ciência do comporta‑ mento deve lidar está no campo verbal. Como podemos explicar o comportamento de falar sobre eventos mentais?”. A lógica dos relatos dos eventos privados está no comporta‑ mento verbal de tacto. Trata‑se de um operante verbal cujos estímulos discriminativos são objetos ou eventos e cujas respostas normalmente informam o ouvinte sobre tais estímulos.

As contingências que mantêm o comportamento do falante, contudo, não estão nos objetos ou eventos, mas sim nas práticas da comunidade verbal em que ele está inserido. Isto é, os objetos ou eventos apenas estabelecem a ocasião para a ocorrência de respostas verbais de tacto, mas não são os responsáveis pela manutenção e controle de suas classes. Especificamente, a função “arquetípica” do tacto seria in‑ formar o ouvinte sobre uma situação que, possivelmente, é de seu interesse, mas que é a ele momentaneamente inacessível (seção 2.4). Nessa situação, é provável que o ouvinte reforce o operante verbal de tacto do falante.

Entretanto, para Skinner (1945/1961g, 1957), é essencial que o ouvinte também possa eventualmente entrar em contato com o objeto ou evento sobre o qual ele foi informado pelo falante. Nesse caso, o ouvinte “verifica” se o relato do falante está correto ou se é preciso e, de acordo com o resultado dessa verificação, a probabilidade de que ele reforce o operante verbal de tacto do falante aumenta ou diminui. Há, portanto, dois quesitos que devem ser levados em conta na manutenção do comportamento verbal de tacto: (1) a pertinência de suas ocorrências, isto é, a utilidade da informação ao ouvinte; e (2) a validade ou precisão do relato em comparação ao objeto ou evento ao qual ele se refere.

O segundo quesito sugere que os objetos ou eventos referidos por operantes verbais de tacto configuram a ocasião tanto para a ocorrência das respostas verbais de tacto do falante quanto para a ocorrência de consequências reforçadoras por parte do ouvinte (Skinner, 1945/1961g, 1957). Afinal, se o último não tiver acesso a esses objetos ou eventos como ele poderia reforçar a classe operante verbal de tacto do falante? É justamente essa característica do tacto que traz problemas aos relatos acerca dos eventos privados, pois, ao passo que tais relatos são tactos, os eventos privados só são acessíveis ao falante.

Se assim não fosse, eles não seriam propriamente eventos privados. É possível exemplificar o tacto de eventos privados com o auxílio do Quadro 2.8. Temos um evento privado (Sd‑f) que, em adição à presença do ouvinte (Sd‑f2), estabelece a ocasião para a ocorrência de seu relato

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Rv1. O relato é a única fonte de informação sobre os eventos privados que controla a resposta do ouvinte (Sd‑o), que, por sua vez, apresenta a consequência reforçadora à classe operante verbal de tacto do falante (Sr‑f). No entanto, Skinner (1945/1961g, p.279) afirma que “o reforço diferencial contingente sobre a propriedade de privacidade não pode ser feito”. No tacto é condição essencial que os objetos ou eventos sejam acessíveis tanto ao falante quanto ao ouvinte.

Se assim não for, a probabilidade de que o ouvinte apresente consequências reforçadoras pode diminuir e, dessa forma, o falante não passará pelas contingências que modelam o seu relato acerca dos eventos privados (Skinner, 1945/1961g, 1957). Em outras palavras, o falante não será capaz de responder discriminativa‑ mente aos eventos privados, o que significa que ele não os conhecerá. Como é possível, então, que os sujeitos respondam discriminativamente aos eventos privados se estes não são acessíveis à comunidade responsável pelo controle das suas classes operantes verbais?

De acordo com Skinner (1945/1961g, 1953/1965, 1957), deve haver outras fontes de estimulação que, ao contrário dos eventos privados, sejam acessíveis tanto ao falante quanto ao ouvinte. Skinner (1945/1961g, 1957) apresenta quatro possibilidades. O primeiro caso seria a associação de estímulos públicos com estímulos privados. Nas palavras de Skinner (1945/1961g, p.276): “alguém pode ensinar uma criança a dizer ‘Isso dói’ em concordância com o uso na comunidade verbal ao fazer o reforço contingente sobre acompanhamentos públicos do estímulo doloroso”. Há no Quadro 2.9 uma situação desse tipo.

Nesse caso, temos um evento privado (Sd‑f), um evento público (Sd‑f2) e a presença do ouvinte (Sd‑f3) estabelecendo a ocasião para a ocorrência da resposta do falante (Rv1). O ouvinte, por sua vez, fica sob controle da resposta do falante (Sd‑o2) e do evento público que também fez parte da ocasião em que a resposta do falante ocorreu (Sd‑o). Dessa forma, embora o ouvinte não tenha acesso ao evento privado (Sd‑f), o controle é possível graças ao acompanha‑ mento do evento público.

Um sujeito S1 machuca o joelho e reclama para outro sujeito S2 que “está doendo”. Trata‑se de um relato de evento privado ao qual o sujeito S2 não tem acesso. Todavia, o sujeito S2 tem acesso ao joelho machucado (evento público), o que possibilita que ele reforce a classe operante de tacto pertencente ao repertório comportamental de S1. Nesse caso, o sujeito S2 “associa” o evento privado de “dor” com o joelho machucado porque, quando ele próprio se machucou, a comunidade verbal o ensinou a responder discriminativamente da mesma forma que S1, ou seja, dizendo que “está doendo”.

Outra possibilidade de controle ocorre a partir dos efeitos colaterais ao mesmo estímulo, segundo o qual “a comunidade infere o evento privado, não pelo acompanhamento de um evento público, mas por respostas colaterais, geralmente incondicionadas e não verbais” (Skinner, 1945/1961g, p.277). É o caso exposto no Quadro 2.10.

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O evento privado (Sd‑f) e a presença do ouvinte (Sd‑f2) estabelecem a ocasião para a ocorrência do relato do evento privado (Rv1). Entretanto, o evento privado é responsável por outra resposta do falante (Rr1). Essa resposta foi possivelmente eliciada pelo evento privado (Se‑f) e é propriamente não verbal. O ouvinte, por sua vez, na medida em que não tem acesso ao evento privado, fica sob controle da resposta não verbal do falante (Sd‑o), o que possibilita reforçar (Sr‑f) a classe operante verbal de tacto do falante.

Voltemos ao exemplo do sujeito S1 que machucou o joelho. Acompanhando o evento privado há respostas observáveis, tais como expressão de dor, choro e contração da perna, que foram possivelmente eliciadas (isto é, fazem parte de relações respondentes). Essas respostas, por sua vez, estabelecem a ocasião para que o ouvinte reforce a classe operante verbal de tacto acerca do evento privado em questão, mesmo não tendo acesso direto a ele.

Assim como ocorre no caso da associação de estímulos, a probabilidade de que o ouvinte reforce o operante verbal de tacto do falante aumenta por conta dos efeitos colaterais porque, quando ele próprio chorou, contraiu a perna, etc., a comunidade verbal o ensinou a responder discriminativamente da mesma forma que S1, ou seja, dizendo que “está doendo”.

A terceira forma de controle está na extensão metafórica do tacto, segundo a qual “uma resposta adquirida e mantida por conta de sua conexão com um estímulo público pode ser emitida, através da indução, em resposta a eventos privados” (Skinner, 1945/1961g, p.277). Portanto, inicialmente o relato do falante fica sob controle de eventos públicos, para, depois, ser estendido a eventos privados que possuam características semelhantes aos dos eventos públicos que inicialmente controlaram sua resposta. Nesse caso há dois passos necessários (quadros 2.11 e 2.12).

Primeiramente temos um evento público que estabelece tanto a ocasião para a ocorrência da resposta do falante (Sd‑f) quanto para a ocorrência da resposta do ouvinte (Sd‑o). O evento público em adição à presença do ouvinte (Sd‑f2) estabelecem a ocasião para a ocorrência da resposta verbal do falante (Rv1). O ouvinte, por sua vez, tem acesso ao estímulo discriminativo ao qual o relato verbal do falante está se referindo, já que se trata de um evento público, podendo, então, reforçar precisamente a classe operante verbal de tacto do falante. Enfim, trata‑se de um caso de tacto comum. Por

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exemplo: uma pessoa ao preparar um chá afirma que “a água está ebuliente”. O ouvinte, ao verificar esse evento público, confirma o relato do falante e, assim, reforça a classe operante verbal de tacto em questão. Uma característica do estado de ebulição é a agitação da água, com bolhas aparecendo e sumindo em ritmo frenético. Essa característica pode controlar, futuramente, o relato de eventos privados. O ouvinte não tem acesso ao evento privado. Então como o controle é possível?

Nesse caso, a classe operante em questão foi modelada e mantida como sendo um tacto referente a eventos públicos. Todavia, o ouvinte estendeu metaforicamente a classe de respostas pertencentes a essa classe operante verbal de tacto para relatar eventos privados sem que a comunidade estabelecesse uma relação de controle direta sobre tais eventos. Assim, a característica de agitação do estado de ebulição da água pode ser atribuída a um evento privado, fazendo com que o falante afirme que ele está se sentindo “ebuliente” ou “agitado”, mesmo que a comunidade verbal nunca o tenha ensinado a apresentar essa resposta (ou res‑ postas que pertençam à mesma classe) quando sob controle de estimulação privada.

A quarta forma de controle decorre da descrição do próprio comportamento, que, quando manifesto, também serve como estímulo discriminativo para o reforço diferencial da comunidade verbal. Mas, ao longo do processo, o falante “presumivelmente [também] adquire a resposta em conexão com uma quantidade abundante de estímulos proprioceptivos adicionais” (Skinner, 1945/1961g, p.277). Trata‑se do caso apresentado no Quadro 2.13. O relato do falante (Rv1) diz respeito ao seu próprio comporta‑ mento (Sd‑f2).

O ouvinte tem acesso ao comportamento descrito (Sd‑o) e assim pode reforçar diferencialmente a classe operante verbal de tacto do falante (Sd‑o2). Entretanto, o falante, ao mesmo tempo em que aprende a relatar respostas manifestas também está sob controle de estimulação proprioceptiva e interoceptiva (Sd‑f), e esta é inacessível ao ouvinte. O ponto central nesse caso é que o evento público (resposta manifesta) “estimula o falante e a comu-

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nidade verbal de maneira diferente” (Skinner, 1957, p.133). Um sujeito cego24 descreve suas respostas manifestas de resolver um problema matemático fazendo contas com a ajuda de seus dedos. O ouvinte reforça a classe operante verbal de tacto do falante porque também tem acesso às suas respostas manifestas. Todavia, o falante não tem acesso pelos mesmos meios que a comunidade verbal. Enquanto o ouvinte está sob controle da estimulação exteroceptiva, o falante está sob controle da estimulação proprioceptiva e interoceptiva.

Suponha‑se, agora, que esse sujeito passe a relatar eventos privados, especificamente operantes encobertos sobre os quais a comunidade verbal não tem acesso, como o de resolver o mesmo problema matemático, mas sem a emissão de respostas manifestas – digamos que o sujeito faça “contas de cabeça”. Primeiramente, o sujeito aprendeu a descrever o seu próprio comportamento a partir do reforçamento diferencial providenciado pela comunidade verbal perante os relatos a respeito de comportamentos manifestos. A partir desse momento, o sujeito consegue responder discriminativamente sem o auxílio das respostas manifestas. Afinal,

desde o início ele esteve sob controle da estimulação proprioceptiva e interoceptiva. Seu comportamento, antes manifesto, pode agora ser encoberto e Skinner (1945/1961g) apresenta três possíveis maneiras pelas quais a comunidade verbal pode reforçar o relato de operantes encobertos: (1) a classe operante verbal de tacto da qual o relato faz parte pode ser reforçada por conta da presença de uma resposta manifesta que acompanha a resposta encoberta – o sujeito pode mexer os dedos numa tentativa de fazer somas ou subtrações que auxiliem na resolução do problema matemático; (2) a classe operante verbal de tacto da qual o relato faz parte pode ser reforçada porque a resposta encoberta pode ser bastante similar em comparação a uma resposta manifesta, o que faz com que ambas possam estar em relação funcional com o mesmo estímulo – o sujeito está tentando resolver um problema matemático que foi a ele ditado por outra pessoa.

Nessa situação, o ouvinte tem acesso à ocasião (que, nesse caso, também é verbal) que controla a resposta encoberta do falante, podendo inferir com certo grau de confiabilidade que o relato verbal acerca da resposta encoberta possa estar correto e, assim, é provável que ele reforce tal classe operante verbal de tacto; (3) a classe operante verbal de tacto da qual o relato de uma resposta encoberta faz parte pode não ter sempre um acompanha‑ mento público ou um estímulo discriminativo manifesto para o ouvinte, mas quando tem um e/ou o outro é reforçada – a classe operante verbal de tacto em questão pode ter sido reforçada em outras ocasiões e isso aumenta a probabilidade da ocorrência de res‑ postas verbais de tacto pertencentes à mesma classe em ocasiões futuras, mesmo que em alguns casos a comunidade verbal não apresente consequências reforçadoras.

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REFERÊNCIAS:

A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente / Diego Zilio. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.


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