Psicanálise

Saiba tudo a respeito da Psicanálise:

Talvez o termo Psicanálise seja novo para você, mas muito provavelmente você já tenha escutado o nome de seu fundador, ou mesmo a popular frase “Freud explica”. Mas afinal, o que Freud explica? Certamente, ele não explica tudo. O que ele faz é explicar as coisas sob um outro ponto de vista.

Sigmund Freud foi um médico vienense, que viveu de 1856 a 1939, e dedicou-se a compreender o psiquismo humano. Nos primórdios de sua carreira, voltou-se ao tratamento das histerias (em sua maioria mulheres) por meio da hipnose, método que aprendeu com o psiquiatra Jean Charcot, em Paris.

Ao serem submetidas à sugestão hipnótica, as pacientes ficavam livres dos sintomas que causavam sofrimento. No entanto, não muito tempo depois, outros sintomas costumavam aparecer.

Termo do glossário:

histeria: deriva da palavra grega hystera, que significa útero ou matriz; se caracteriza por um sintoma ou conjunto de sintomas de manifestação física, mas que tem sua causa psíquica. As pacientes tratadas por Freud e Charcot apresentam, em sua maioria, ataques semelhantes aos epilépticos e/ou paralisias de membros, incluindo cegueira. (ROUDINESCO; PLON, 1998).

O retorno dos sintomas, bem como o fato de que nem todos os pacientes eram capazes de serem hipnotizados, fizeram com que Freud, pouco a pouco, fosse abandonando esse método e criando sua própria metodologia de trabalho, a associação livre. Freud pedia aos pacientes que relatassem tudo que lhes viesse à mente e também que lhe contassem seus sonhos. A partir disso, descobriu que há fenômenos psíquicos que escapam à consciência humana. Construiu, então, sua teoria sobre o inconsciente, pré-consciente e consciente.

Saiba mais:

“A invenção da psicanálise” (1997), de Elisabeth Roudinesco e Elisabeth Kapnist, exibe a trajetória do pensamento freudiano e as questões de sua época, que tiveram grande influência nos rumos da Psicanálise.

Inconsciente, pré-consciente e consciente

Para compreender a estrutura proposta por Freud, podemos nos valer da metáfora do iceberg (Figura 1).

Psicanálise

Na parte superior, o consciente é composto pela percepção, atenção, pensamentos/raciocínio, ou seja, tudo aquilo que está acessível. Já o pré-consciente, na porção intermediária, é formado pelos conteúdos que não estão totalmente disponíveis na consciência, mas que, mediante um exercício de introspecção, podem se tornar conhecidos, como algumas memórias e conhecimentos.

Por fim, a fração mais extensa e profunda da mente, o inconsciente. Nele, encontram-se conteúdos que o indivíduo não se dá conta, que foram “escondidos” por causarem angústia, vergonha ou culpa (motivações violentas, desejos egoístas, etc). A esse processo de tornar oculto, Freud deu o nome de recalque ou recalcamento.

E por que ele acontece? Para preservar o equilíbrio do funcionamento psíquico, ou seja, para evitar que o sujeito vivencie um grande sofrimento e se desestabilize emocionalmente.

Freud opôs-se à tendência dominante em sua época de explicar os fenômenos psíquicos apenas pelos fatos que o indivíduo tem na consciência em um determinado momento. Ele não via nos processos conscientes a essência da vida psíquica. Ao contrário, na determinação do psiquismo, os processos conscientes se somariam aos pré-conscientes e aos inconscientes. (CÓRIA-SABINI, 1986, p. 92).

O fato de que nosso aparelho psíquico trabalha de modo a esconder de nós mesmos certos conteúdos não significa que eles não nos afetem. Por mais que sejam descritos de forma estática, o consciente, o pré-consciente e o inconsciente são processos dinâmicos e em constante relação.

Id, Ego e Superego

Ao longo de seus estudos, Freud identificou que o aparelho psíquico era mais complexo do que supunha anteriormente ao propor as três dimensões da mente (consciente, pré-consciente e inconsciente). Introduziu, então, a hipótese da existência de outras três instâncias psíquicas (id, ego e superego), que não anulam suas ideias anteriores, do contrário, as complementam (NÁSIO, 1999; SCHULTZ; SCHULTZ, 2015).

Id: é a instância pulsional, a fonte de energia psíquica. É regido pelo Princípio do Prazer, ou seja, seu objetivo é a obtenção de prazer e a evitação da dor, e de modo imediato. É constituído principalmente por aspectos inatos, não conhece ética, moral ou valores.

É egoísta, impulsivo, irracional e agressivo, a parte animal da nossa personalidade. Em um primeiro momento, o id pode parecer algo negativo, que deveria ser eliminado. Mas esta não é uma realidade.

Pensemos no início da vida: o bebê chora, grita e esperneia quando está com fome ou tem algum desconforto. Ele não para até que sua necessidade seja atendida e isso garante sua sobrevivência. No entanto, a importância do id se estende para além da primeira infância, como veremos mais adiante.

Ego: é a instância responsável pelo contato com a realidade. Seu objetivo é satisfazer as demandas dos instintos primitivos (id) de modo adequado ao ambiente em que vive. É regido pelo Princípio da Realidade, que se configura pelo adiamento da gratificação (obtenção do prazer e evitação da dor).

Representante do equilíbrio psíquico, tem função mediadora e integradora entre as pulsões do id e as exigências do superego. Tem componentes conscientes, pré-conscientes e inconscientes. Se desenvolve a partir do id, já nos primeiros anos de vida por meio das interações sociais do indivíduo.

Superego: é a instância da moralidade. Se funda a partir do ego e tem como objetivo suprimir os impulsos inaceitáveis do id, de modo a possibilitar a convivência civilizada. É responsável pelo senso de certo e errado, pois compreende os valores morais e culturais do indivíduo e seu grupo.

É, portanto, o responsável pelos sentimentos de vergonha, culpa e remorso. Assim como o ego, ele também tem componentes conscientes, pré-conscientes e inconscientes. Para Freud, o superego se desenvolve por volta dos cinco anos.

Como é possível imaginar, a relação entre estas três forças nem sempre é pacífica. As demandas do id, muitas vezes, são conflitantes com as exigências do superego e colocam o ego em uma posição difícil. Tanto que, baseando-se na teoria psicanalítica, podemos dizer que uma pessoa tem saúde mental se há um equilíbrio entre tais instâncias.

Nesta perspectiva, o ego adquire o papel fundamental de realizar parcialmente os desejos e impulsos do id, ao mesmo tempo em que respeita os princípios do superego, além de considerar os aspectos da realidade externa. Como ilustração da relação dinâmica entre id, ego e superego, segue o exemplo abaixo:

Mariana está no 7º ano do ensino fundamental, é bastante dedicada aos estudos e leva os compromissos com responsabilidade. O professor de determinada disciplina orientou que a turma se dividisse em duplas para realização de um trabalho. Mariana fez dupla com Natália. O trabalho era para ser feito de modo coletivo, mas elas optaram por separar a tarefa e cada uma fazer uma parte. Mariana ficou a responsável por finalizar o trabalho, imprimi-lo e entregá-lo. No entanto, Natália não fez sua parte como combinado e o trabalho foi entregue incompleto. Mariana ficou com muita raiva, sua vontade era xingar a colega na frente da turma e lhe dar uns quantos tapas (id). Ela estava mesmo furiosa. Mas sabia que um comportamento desses lhe traria problemas e que, provavelmente, se arrependeria disso depois; ela não aprovava a violência como forma de resolver os problemas (superego). Por outro lado, percebia que precisava fazer alguma coisa com sua raiva, se sentia injustiçada. Pensou, então, que uma forma adequada de lidar com a situação era conversar com a colega e explicar o quanto se incomodou com o ocorrido, pois valorizava muito um bom desempenho escolar. Além disso, decidiu sugerir que ambas conversassem com o professor e pedissem um prazo para refazer o trabalho (ego). E foi o que fizeram. Mariana ficou satisfeita consigo mesma. Ela conseguiu atender suas necessidades (demonstrar sua raiva – id) sem ir contra seus princípios (de não violência – superego) e de modo a resolver seu problema de maneira apropriada (ego).

Psicanálise Neste exemplo, por questões didáticas, os conceitos estão bem delimitados. Mas é importante esclarecer que tais instâncias não têm as bordas claramente definidas, ou seja, não é fácil, e talvez nem possível, determinar com precisão o que é manifestação do id, do ego ou do superego. Elas se misturam e até se confundem. O que é fundamental entender é que: a) residem em nós forças conflitantes, forças que tendem à união e à boa convivência e forças que são destrutivas, e b) desconhecemos grande parte delas por estarem no inconsciente.

Em função disso, nem sempre sabemos o que queremos ou compreendemos os motivos de nossos sofrimentos. Há situações em que o ego se sente ameaçado, seja pela existência de conflitos entre ele e a realidade, entre o id e o superego ou mesmo entre o id e a realidade. Quando isso acontece, surge a ansiedade. A ansiedade causa desconforto no indivíduo e gera tensão, que precisa ser aliviada. Para que isso aconteça, o ego pode utilizar diversas estratégias, dentre elas, os mecanismos de defesa (SCHULTZ; SCHULTZ, 2015).

Os mecanismos de defesa do ego são inconscientes, ou seja, a pessoa não se dá conta de que os está utilizando. De modo geral, podemos dizer que eles servem para proteger o indivíduo de verdades ameaçadoras e que causariam um sofrimento que ele considera intenso demais para lidar. São várias as estratégias inconscientes empregadas pelo ego, optamos por listar algumas, apenas para que você compreenda melhor como funcionam.

Negação: como o próprio nome sugere, envolve a negação de uma realidade difícil de suportar. Pense no caso dos pais de uma criança que acabaram de receber a notícia de que o filho está com uma grave doença. É comum que, num primeiro momento, eles se autoenganem, agindo como se não fosse verdade.

Projeção: ocorre quando atribuímos a outra pessoa algo que consideramos negativo em nós mesmos. Pense num rapaz que acusa a namorada de estar lhe traindo quando, na verdade, quem está desejando cometer a traição é ele.

Racionalização: compreende a criação de uma explicação racional e convincente a fim de encobrir sentimentos/emoções dolorosas. Pense em um estudante que reprovou de ano e passa a dizer que foi muito melhor assim, pois terá a oportunidade de aprender os conteúdos novamente; quando, na verdade, está se sentindo fracassado e triste.

Defender que há em nós, seres humanos, aspectos de nossa mente que não conhecemos e não controlamos por completo foi o que tornou a teoria de Freud tão inovadora. No entanto, para muitos de sua época, suas ideias eram uma afronta. Tais resistências não impediram que ele seguisse com suas descobertas e continuasse escandalizando os mais conservadores. Se, afirmar a existência de um inconsciente já causou furor, imagina basear grande parte de sua teoria na sexualidade. Não esqueça que estamos falando do final do século XIX, início do século XX.

A sexualidade em Freud

Ao longo de seus estudos, Freud defendeu que estava na infância a principal causa dos problemas psíquicos dos adultos e que grande parte deles giravam em torno de conflitos de cunho sexual. Contrariando os pensadores da época, ele argumentou a existência de uma sexualidade humana desde o nascimento. Nesse sentido, é importante esclarecer que, para a Psicanálise a sexualidade vai muito além da genitalidade, da relação sexual e da reprodução.

O conceito psicanalítico de sexualidade proposto por Freud, traz uma identidade específica e diferente de tudo aquilo que até então já se havia falado sobre o tema. Freud elabora seu conceito, no qual a sexualidade aparece como força, ou seja: sexo é energia. Essa energia vital está ligada precisamente aos instintos, que por sua vez possuem um papel importante na estrutura orgânica dos seres humanos, atuando tanto no meio interno como no externo da vida do homem. (SILVA; BRÍGIDO, 2016, p. 126).

Compreendendo a sexualidade como parte fundamental da personalidade humana e considerando que ela está presente desde o nascimento até a morte, Freud elaborou a teoria do desenvolvimento psicossexual, que compreende cinco fases (oral, anal, fálica, latência e genital).

Em seu entendimento, os aspectos cruciais da personalidade se formam até o quinto ano de vida e as fases psicossexuais acompanham o desenvolvimento biológico da criança. Em cada uma delas, há o predomínio do investimento libidinal em determinada área do corpo, denominada zona erógena.

Termo do glossário:

Libidinal: refere-se a libido, termo utilizado na psicanálise para designar a energia proveniente dos instintos sexuais e de sobrevivência.

  • Fase ORAL: se estende do nascimento até cerca de 1 ano. A principal zona erógena é a boca e o prazer é obtido por meio da sucção (e da mordida após o nascimento dos dentes). É possível perceber neste período que o bebê tende a levar tudo à boca, é por meio dela que ele explora o seu ambiente.
  • Fase ANAL: se estende de 1 a 3 anos. Tem como zona erógena o ânus. Nesta época, a criança começa a ter o controle da função excretora; se inicia, portanto, o treinamento dos hábitos de higiene. É uma fase marcada pelas birras, pois a criança percebe que tem certo controle sobre seu próprio corpo e consequentemente sobre os pais.
  • Fase FÁLICA: se estende dos 4 aos 5 anos. A libido se organiza em torno dos genitais. É comum a curiosidade pelo corpo do outro (meninos têm curiosidade de saber como é o corpo da menina e vice-versa) e a manipulação dos genitais (masturbação). Nesta fase é que ocorre o Complexo de Édipo e se instaura o Superego. A criança, que antes não tinha vergonha de mostrar seus genitais, passa a desenvolvê-la.
  • Período de LATÊNCIA: se estende dos 5 anos até a puberdade. Marcado pelo abrandamento dos impulsos sexuais e um investimento na exploração do mundo (conhecimento). Intensificam-se as preocupações com as relações sociais e as atividades intelectuais. A fase de latência coincide com o início da escolarização da criança.
  • Fase GENITAL: se estende da adolescência até o fim da vida. Marcada por mudanças biológicas significativas. Desponta o interesse sexual voltado ao outro, que pode ser do sexo oposto (heterossexualidade) ou do mesmo sexo (homossexualidade). O desenvolvimento adequado desta fase possibilita o estabelecimento de relacionamentos amorosos maduros.

A passagem de uma fase à outra pode se dar de distintas maneiras. O modo como o indivíduo vivencia uma fase irá impactar o desenvolvimento das posteriores. Em cada uma delas há conflitos que devem ser “resolvidos” e a fase mais complexa, em se tratando disso, é a fálica.

É quando acontece o Complexo de Édipo, termo criado por Freud para descrever a disputa (inconsciente) que a criança estabelece com seu progenitor de mesmo sexo e pelo amor do progenitor do sexo oposto (CÓRIA-SABINI, 1986; SCHULTZ; SCHULTZ, 2015).

Você já foi surpreendido por alguma criança com perguntas sobre sexo/sexualidade? Como você se sentiu? Como reagiu? Compreender a sexualidade infantil contribui para a tomada de decisão diante de situações em que a criança manifesta dúvidas e curiosidades em relação ao tema. É importante que ela seja escutada e que as respostas sejam as mais verdadeiras possíveis dentro de sua capacidade de compreensão.

É indicado que se responda exatamente o que foi perguntado, sem omitir ou entrar em detalhes desnecessários, partindo dos conhecimentos prévios das crianças. Muitas vezes, pais e educadores se assustam ou ficam constrangidos diante das perguntas feitas e preferem desviar do assunto. É compreensível que isso aconteça, pois o tema da sexualidade ainda é tabu em nossa sociedade e muitos adultos preferem negar a existência da sexualidade infantil, inclusive por terem bloqueios em relação à própria vivência sexual (PERES, 2002).

No entanto, deixar de responder os questionamentos da criança pode gerar ideias distorcidas e fantasiosas, além de despertar inseguranças, medos, e a sensação de que não se pode confiar no adulto que deveria lhe ajudar a compreender o mundo. Além da expressão da curiosidade por meio de perguntas ou comentários, a criança pode manifestá-la a partir de comportamentos.

É comum ouvirmos relatos de pais ou educadores que presenciaram a criança manipulando os próprios genitais de modo a obter prazer (masturbação) ou explorando o corpo de um amiguinho como forma de conhecer as diferenças entre os sexos. Nestes casos, é recomendado que se converse com a criança, mas nunca com o objetivo de repreendê-la. O essencial é ajudá-la a entender suas vontades e curiosidades e a desenvolver o senso de intimidade (privacidade).

É importante que ela compreenda que há comportamentos que não devem ocorrer na frente dos outros, como a exibição ou manipulação dos genitais. Ao mesmo tempo em que os adultos apresentam dificuldades para lidar com as manifestações sexuais das crianças, é comum que façam perguntas do tipo: “Quem é a/o tua/teu namoradinha/o?”. Esse tipo de comentário pode confundir a criança e incentivar comportamentos ou preocupações para as quais ela não está preparada.

Falas como essa são tão comuns que a Secretaria de Assistência Social do Amazonas lançou a campanha “Criança não namora!”. (Figura 2). A ação teve grande repercussão nas redes sociais e contou com o apoio do Conselho Nacional de Justiça e outras entidades.

Psicanálise

Ao finalizarmos esta breve apresentação dos fundamentos da Psicanálise podemos afirmar que o objeto de estudo desta teoria psicológica é o inconsciente. Freud foi o fundador da Psicanálise e teve muitos seguidores (Wilfred Bion, Melanie Klein, Carl Gustav Jung, Donald Winnicott, Jacques Lacan e vários outros), alguns ampliaram ou aprofundaram suas teorias; outros as questionaram e propuseram novos conceitos, mas todos eles têm o inconsciente como aspecto fundamental da personalidade.

Título : Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem

Autoras : Josieli Piovesan,  Juliana Cerutti Ottonelli , Jussania  Basso Bordin e Laís Piovesan

Fonte: Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem [recurso eletrônico] / Josieli Piovesan … [et al.]. – 1. ed. – Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.

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