A narrativa é a arte de contar histórias tão antiga quanto o homem. Não há povo sem narrativa. As histórias narradas sempre acompanharam a vida do homem em sociedade. Através delas foi possível a preservação da cultura e durante muito tempo foi a única fonte de aquisição e transmissão do conhecimento (formas orais). Além disso, as narrativas estimulam a imaginação e povoam a mente de ideias, pessoas, lugares, acontecimentos, desejos, sonhos…
A importância da narrativa nas diversas circunstâncias de vida gerou vários modos de se contar uma história, ou seja, vários tipos de narrativas – lendas, contos, mitos, romances, fábulas etc. Os contos, mitos, lendas e fábulas são antigas expressões da cultura que se eternizaram graças à tradição oral, passada de uma geração para outra, e do texto impresso. Os contos de fadas emocionam, divertem, criam suspense, mexem com os sentimentos mais primitivos do indivíduo.
Neles, o bem e o mal aparecem claramente esboçados, possibilitando perceber que a luta contra os problemas faz parte da existência humana. Por ter suas origens na tradição oral, muitos contos foram recebendo novos elementos, fazendo surgir muitas variações sobre o mesmo enredo (diferentes versões). São textos que mantêm uma estrutura fixa: partem de um problema (como estado de penúria, carência afetiva, conflito entre mãe e filho), que desequilibra a tranquilidade inicial.
O desenvolvimento é uma busca de soluções, no plano da fantasia, com introdução de elementos mágicos (fadas, bruxas, duendes, gigantes etc.). A restauração da ordem acontece no final da narrativa, quando se volta a uma situação de tranquilidade.
RUMPELSTICHEN
Era uma vez um moleiro muito pobre que tinha uma filha linda. Um dia, encontrou-se com o rei e, para se dar importância, disse que a filha sabia fiar palha de ouro.
— Esta é uma habilidade que me encanta – disse o rei.
— Se é verdade o que diz, traga sua filha amanhã cedo ao castelo. Eu quero pô-la à prova.
No dia seguinte, quando a moça chegou, o rei levou-a para um quartinho cheio de palha, entregou-lhe uma roda e uma bobina, dizendo:
— Agora, ponha-se a trabalhar. Se até amanhã cedo não tiver fiado toda esta palha em ouro, você morrerá! – depois saiu, trancou a porta e deixou a filha do moleiro sozinha.
A pobre moça sentou-se num canto, e por muito tempo ficou pensando no que fazer. Não tinha a menor ideia de como fiar palha em ouro e não via jeito de escapar da morte. O pavor tomou conta dela, que começou a chorar desesperadamente. De repente, a porta se abriu, e entrou um anãozinho muito esquisito.
— Boa tarde, minha linda menina
— disse ele.
— Por que chora tanto?
— Ah!
— respondeu a moça entre soluços
— O rei me mandou fiar toda esta palha em ouro. Não sei como fazer isso!
— E se eu fiar para você? O que me dará em troca?
— Dou-lhe o meu colar. O anãozinho pegou o colar, sentou-se diante da roda e
— zunzunzum!
— girou-a três vezes e a bobina ficou cheia. Então pegou outra, girou a roda três vezes e a segunda bobina ficou cheia também. Varou a noite trabalhando assim e, quando acabou de fiar toda a palha e as bobinas ficaram cheias de ouro, sumiu. No dia seguinte…
Irmãos Grimm
As fábulas são pequenas narrativas que transmitem em linguagem simples mensagens morais relacionadas ao comportamento no cotidiano. Em geral, a moral é acrescida por um pensamento final. Algumas fábulas possuem personagens humanas, mas a maior parte delas mostra situações do dia-a-dia vividas por seres personificados – animais com características humanas. O comportamento dos animais representa os defeitos, as qualidades e os vícios dos seres humanos.
É muito comum a presença de provérbios populares. Os mais famosos fabulistas (autores de fábulas) foram: Esopo (Grécia, 600 A.C.) e La Fontaine (França, século XVIII). No Brasil, Monteiro Lobato (século XX) e nos dias de hoje Millor Fernandes, que as recriou de forma satírica e engraçada.
O LEÃO E O RATINHO
Um leão, cansado de tanto caçar, dormia espichado debaixo da sombra de uma boa árvore. Vieram uns ratinhos passear em cima dele e ele acordou. Todos conseguiram fugir, menos um, que o leão prendeu debaixo da pata. Tanto o ratinho pediu e implorou, que o leão desistiu de esmagá-lo e deixou que fosse embora. Algum tempo depois o leão ficou preso na rede de uns caçadores. Não conseguindo se soltar, fazia a floresta inteira tremer com seus urros de raiva. Nisso apareceu o ratinho e com seus dentes afiados roeu as cordas e soltou o leão.
Moral: Uma boa ação ganha outra
Fábulas de Esopo /Companhia das Letrinhas
As lendas, assim como os mitos, são histórias sem autoria conhecida. Foram criadas por povos de diferentes lugares e épocas para explicar fatos para os quais as pessoas não tinham explicações, como o surgimento da terra e dos seres humanos, do dia e da noite e outros fenômenos da natureza. Também falam sobre heróis, heroínas, deuses, deusas, monstros e outros seres fantásticos.
AS LÁGRIMAS DE POTIRA
Muito antes de os brancos atingirem os sertões de Goiás, em busca de pedras preciosas, existiam por aquelas partes do Brasil muitas tribos indígenas, vivendo em paz ou em guerra e segundo suas crenças e hábitos.
Numa dessas tribos, que por muito tempo manteve a harmonia com seus vizinhos, viviam Potira, menina contemplada por Tupã com a formosura das flores, e Itagibá, jovem forte e valente.
Era costume na tribo as mulheres se casarem cedo e os homens, assim que se tornassem guerreiros. Quando Potira chegou à idade do casamento, Itagibá adquiriu sua condição de guerreiro. Não havia como negar que se amavam e que tinham escolhido um ao outro. Embora outros jovens quisessem o amor da indiazinha, nenhum ainda possuía a condição exigida para as bodas, de modo que não houve disputa, e Potira e Itagibá se uniram com muita festa.
Corria o tempo tranquilamente, sem que nada perturbasse a vida do apaixonado casal. Os curtos períodos de separação, quando Itagibá saía com os demais para caçar, tornavam os dois ainda mais unidos. Era admirável a alegria do reencontro!
Um dia, no entanto, o território da tribo foi invadido por vizinhos cobiçosos, devido à abundante caça que ali havia, e Itagibá teve que partir com os outros homens para a guerra.
Potira ficou contemplando as canoas que desciam rio abaixo, levando sua gente em armas, sem saber exatamente o que sentia, além da tristeza de se separar de seu amado por um tempo não previsto. Não chorou como as mulheres mais velhas, talvez porque nunca houvesse visto ou vivido o que sucede numa guerra.
Mas todas as tardes iam sentar-se à beira do rio, numa espera paciente e calma. Alheia aos afazeres de suas irmãs e à algazarra constante das crianças, ficava atenta, querendo ouvir o som de um remo batendo na água e ver uma canoa despontar na curva do rio, trazendo de volta seu amado. Somente retornava à taba quando o sol se punha e depois de olhar uma última vez, tentando distinguir no entardecer o perfil de Itagibá.
Foram muitas tardes iguais, com a dor da saudade aumentando pouco a pouco. Até que o canto da araponga ressoou na floresta, desta vez não para anunciar a chuva, mas para prenunciar que Itagibá não voltaria, pois tinha morrido na batalha.
E pela primeira vez Potira chorou. Sem dizer palavra, como não haveria de fazer nunca mais, ficou à beira do rio.
Contos e lendas de amor, Editora Ática
É FUNDAMENTAL LEMBRAR…
Os contos, mitos, lendas e fábulas devem fazer parte do cotidiano da sala de aula, para que os alunos possam aprender mais sobre eles, ampliando o repertório, descobrindo a magia, conhecendo obras e autores consagrados, apropriando-se da linguagem e estabelecendo um vínculo prazeroso com a leitura e a escrita. Uma das formas de esses textos entrarem na sala de aula é através da leitura diária realizada pelo professor. Lembre-se: os alunos que não sabem ler convencionalmente podem “ler” através da leitura do professor.
SITUAÇÕES DE APRENDIZAGEM
A seguir você encontrará uma lista de situações de sala de aula que possibilitam a aprendizagem da língua escrita por meio de atividades de leitura e escrita. As sugestões que seguem servem para trabalhar com vários textos: contos, mitos, lendas e fábulas. Por isso é necessário que, ao trabalhar cada um desses textos, você construa uma sequência de atividades que considere pertinentes para ensinar aos seus alunos.
Leitura pelo professor
– É importante que o professor faça a leitura de vários textos do mesmo gênero (contos, mitos, lendas e fábulas), de modo que os alunos possam se apropriar de um conhecimento que faz parte do patrimônio cultural da humanidade e instrumentalizá-los para desfrutar das narrativas literárias. A atividade de leitura deve ser diária (na hora da chegada, na volta do recreio, antes da saída), pois é importante que os alunos tenham um contato frequente com os textos, para que possam conhecê-los melhor.
O professor necessita ler os textos antes, para se preparar para a leitura em voz alta, garantindo que os alunos possam ouvir a história tal qual está escrita, imprimindo ritmo à narrativa e dando uma ideia correta do que significa ler. Essas situações de leitura não devem estar vinculadas a atividades de interpretação por escrito do texto, pois são momentos em que se privilegia o ouvir.
Nas atividades de leitura, é importante comentar previamente o assunto a ser lido: fazer com que os alunos levantem hipóteses sobre o tema a partir do título; oferecer informações que situem a leitura (autor, nome do livro etc.); criar um certo suspense quando for o caso, ou seja, propor situações em que os alunos possam inferir e antecipar significados antes, durante e depois da leitura. Para dar continuidade ao trabalho, o professor deve buscar os livros na biblioteca da escola.
Reconto oral
– Possibilita ao aluno, que não é leitor e escritor convencional, saber mais sobre o texto, apropriando-se oralmente da língua que se escreve. Não é uma situação em que o aluno deve decorar integralmente o texto, mas recontá-lo a partir do que se apropriou da história, não podendo transformar o enredo. Essa situação de aprendizagem deve ser proposta a partir do momento em que os alunos ampliaram o repertório desses tipos de textos.
Ao recontar, o aluno deve tanto procurar manter as características linguísticas do texto ouvido como esforçar-se para adequar a linguagem à situação de comunicação na qual está inserido o reconto (é diferente recontar para os colegas de classe, numa situação de “Hora da História”, por exemplo, e recontar para gravar uma fita cassete que comporá o acervo da biblioteca). Essa atividade poderá ser realizada com ajuda e orientação do professor e de colegas.
Escritas produzidas pelos alunos
– Escrever segundo suas próprias hipóteses é fundamental para refletir sobre a escrita. Por isso é importante criar momentos na rotina de sala de aula em que os alunos possam escrever sozinhos ou em duplas. Por exemplo: escrita da lista dos personagens do conto; escrita de um novo título para o texto; reescrita de fábulas, contos, mitos e lendas conhecidas; reescrita transformando partes – modificando o cenário, o final, as características de uma personagem, dando outro título etc.; escrita de textos a partir de outros conhecidos – um bilhete ou carta de um personagem para outro, um trecho do diário de um personagem, uma mensagem de alerta sobre os perigos em uma dada situação, um convite; uma notícia informando a respeito do desfecho de uma história etc.
Tirando dúvidas
Reescrita
Reescrever é reelaborar um texto fonte (bons textos conhecidos, utilizados como referência). Isto é feito conservando, retirando ou acrescentando elementos com relação a ele. Portanto, reescrita não é reprodução literal: é uma versão própria de um texto já existente. A reescrita de textos coloca a necessidade de a criança recordar para escrever depois, levando-a não só à reprodução dos principais elementos presentes no texto fonte, mas, algumas vezes, também ao uso das mesmas expressões e palavras que estão no livro. Podemos propor às crianças a reescrita de alguma notícia na TV, de uma lenda, de uma história etc. Toda atividade de reescrita supõe a imitação do escrever do outro: “do jeito que está no livro”, “do jeito que sai no jornal” etc.
Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil/MEC
Escrita coletiva
– O professor escreve na lousa, ou em um cartaz, o que os alunos ditam para ele. Neste caso é absolutamente necessário que todos os alunos conheçam bem o conto, a lenda ou fábula. Durante o processo de escrita do texto, é fundamental que o professor discuta com os alunos a forma de escrever as palavras, pois isso favorece a aprendizagem de novos conhecimentos sobre a língua escrita.
Reflexão sobre a escrita – Sempre que for possível, favorecer a reflexão dos alunos sobre a escrita, propondo comparações entre palavras que começam ou terminam da mesma forma (letras, sílabas ou pedaços).
Pesquisa de outros textos
– Os alunos podem pesquisar outros textos do mesmo gênero em livros, na família e na comunidade. Podem, por exemplo: entrevistar pais, avós e amigos a respeito de lendas, fábulas e contos que conhecem; ou procurar textos conhecidos no caderno do aluno.
Rodas de conversa ou de leitura
– Sentar em roda é uma boa estratégia para socializar experiências e conhecimentos, pois favorece um ambiente de troca entre os alunos. Uma roda de leitura permite compartilhar momentos de prazer e diversão com a leitura.
Aprendendo com outros
– A interação com bons modelos é fundamental na aprendizagem; por isso, é importante que os alunos possam compartilhar atos de leitura e observar outras pessoas lendo ou recontando. Desta forma podem aprender a utilizar uma variedade maior de recursos interpretativos: entonação, pausas, expressões faciais, gestos… O professor pode chamar para a sala de aula alguns familiares ou pessoas da comunidade, que gostem de contar ou ler para outros. Também é possível levar para a sala de aula gravações de pessoas lendo e contando histórias.
Projetos
– As propostas de aprendizagem também podem ser organizadas por meio de projetos que proponham aos alunos situações comunicativas envolvendo a leitura e a escrita dos textos (lendas, fábulas, mitos e contos). Essas propostas de trabalho podem contemplar todas as séries, cada aluno contribuindo de acordo com suas possibilidades. Exemplos: propor a realização de:
- Mural de personagens: descrição das personagens mitológicas (características físicas, poderes, moradia etc.) acompanhada de ilustrações que correspondam às descrições.
- Seleção dos textos preferidos para a produção de uma coletânea (livro) – podem escrever ou selecionar os textos para presentear alguém ou para compor a biblioteca da classe.
- Reconto oral de contos conhecidos para um público específico (outra classe, comunidade etc.).
Como os textos produzidos nos projetos têm um leitor real, o professor deve torná-lo o mais próximo do correto, traduzindo a escrita dos alunos ou revisando as escritas em que só faltam algumas letras.
EXEMPLOS DE ATIVIDADES
Seguem algumas sugestões de atividades que você poderá tomar como modelo para elaborar outras para os seus alunos:
REFERÊNCIAS:
Alfabetização : livro do professor / Ana Rosa Abreu … [et al.]. Brasília : FUNDESCOLA/SEF-MEC, 2000.
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