Ainda falta uma delimitação clara sobre o que os autores citados na seção anterior entendem por “mente” e sobre quais seriam as suas características que devem ser levadas em conta nas discussões da filosofia da mente. Em síntese, é preciso fazer um mapeamento do conceito de mente. Quando trata da mente, Descartes refere‑se especificamente ao pensamento, de cuja existência não se pode duvidar, já que a dúvida é, também, um pensamento.
Uma definição mais precisa do termo é encontrada na seguinte passagem do autor (1642/1984, p.113): “Eu uso esse termo para incluir tudo o que está dentro de nós de tal modo que estamos imediatamente conscientes. Assim, todas as operações da vontade, do intelecto, da imaginação e dos sentidos são pensamentos”. Portanto, o termo “pensamento”, tal como utilizado por Descartes, abrange a mente como um todo.
Por outro lado, principalmente no âmbito da ciência cognitiva e da psicologia cognitiva, o pensamento é normal‑ mente caracterizado como uma atividade cognitiva responsável pela manipulação de informações adquiridas do ambiente com a finalidade de executar comportamentos manifestos.
O pensa‑ mento, assim definido, estaria relacionado com os processos de raciocínio e de resolução de problemas (Sternberg, 1996/2000; Zilio, 2009). Enquanto a definição cartesiana abarca a mente em seu sentido mais geral, a definição cognitiva salienta apenas esse aspecto processual, mas ambas são importantes para entender o alcance do conceito de mente. Já os behavioristas filosóficos, além do pensamento, tratam de conceitos mentais como crenças, desejos, intenções e conhecimento.
A teoria da identidade, entretanto, defende que as explicações behavioristas filosóficas não abrangeriam processos como sensações, percepções e imagens mentais. Tanto o funcionalismo da máquina quanto o funcionalismo causal, por sua vez, trata dos mesmos processos enumerados pela teoria da identidade, mas abandonam a ideia de que seja possível identificar os estados mentais com estados físicos específicos.
O eliminativismo também trata dos mesmos processos, mas, baseando‑se no argumento de que são apenas ilusões linguísticas da psicologia popular, elimina‑os enquanto estados mentais. As teorias do aspecto dual tratam da consciência, mas ressaltam a sua propriedade qualitativa, isto é, a experiência de estar em um estado consciente ou de ter um ponto de vista particular e afirmam que é justamente essa característica que assegura a subjetividade da mente.
Por meio dessa breve varredura terminológica é possível apresentar a mente a partir de cinco dimensões conceituais: (1) pensa‑ mento; (2) intencionalidade e conteúdos mentais; (3) percepção, imagem mental e sensação; (4) consciência; e (5) experiência. A dimensão conceitual (1) diz respeito ao pensamento tal como definido pela ciência cognitiva e pela psicologia cognitiva, ou seja, envolve a definição mais estrita do termo.
Isso se justifica porque, por ser bastante geral, a definição de Descartes abrange praticamente todas as dimensões conceituais de classificação da mente. Já a dimensão conceitual (2) trata da intencionalidade, que, na definição de Searle (1983/2002, p.1), é a “propriedade de muitos estados e eventos mentais pela qual estes são dirigidos para, ou acerca de, objetos e estados de coisas no mundo”, incluindo, portanto, estados mentais como crenças, desejos e intenções.
Essa definição de intencionalidade leva a outra questão: a dos conteúdos mentais. A intencionalidade é caracterizada pela ideia de que os estados mentais são sempre “sobre algo” ou “direcionados para algo” e esse “algo” são os conteúdos dos estados intencionais. São os conteúdos que diferenciam um estado mental M1 de um estado M2. Pensar sobre um problema de aritmética é diferente de pensar sobre o significado dos poemas de Fernando Pessoa.
Crer que o mundo vai acabar daqui a vinte anos é diferente de crer que o sol nascerá amanhã. A pergunta central a respeito dos conteúdos mentais é: o que os determina? Os conteúdos seriam determinados pela própria mente ou pelos estados de coisas do mundo (Kim, 1996)? A questão da determinação dos conteúdos mentais é também, em geral, caracterizada como o problema do significado.
Entender o que significa estar em um estado mental seria a chave para a resposta ao problema dos conteúdos mentais (Kim, 1996). A dimensão conceitual (3), por sua vez, abrange os processos de percepção, imagem mental e sensação. As imagens mentais seriam experiências perceptivas que ocorrem na ausência dos estímulos perceptivos.
Por exemplo, podemos ver uma “bola vermelha” que está no ambiente externo através do nosso sistema perceptivo visual, mas também podemos “ver” a “bola vermelha” mesmo com os olhos fechados, através de imagens que só seriam acessíveis ao “olho da mente”. Por outro lado, as sensações seriam experiências perceptivas que envolvem basicamente estados internos do sujeito, tais como as sensações de “dor” e de “prazer”.
A diferença entre sensações e percepções estaria no fato de que as segundas envolveriam estimulações externas que, em princípio, são acessíveis a mais de um sujeito, enquanto as primeiras envolveriam estimulações acessíveis apenas ao sujeito que as possui. A dimensão conceitual (4), por seu turno, abarca a consciência como conhecimento de si, de acordo com a qual um sujeito é consciente no sentido de estar ciente dos (ou de conhecer os) seus próprios estados mentais, corporais e comportamentais (Chalmers, 1995, 1996).
Finalmente, a dimensão conceitual (5) trata da experiência, isto é, do caráter subjetivo da consciência segundo a qual um sujeito é consciente apenas se for concebível perguntar como é ser esse sujeito no sentido de ao menos imaginar como seria adquirir o seu ponto de vista particular. Essa divisão é meramente metodológica, servindo apenas ao propósito de facilitar a busca de uma definição da mente funda‑ mentada no behaviorismo radical.
É evidente que não há uma linha demarcatória clara entre as dimensões conceituais de classificação da mente. Talvez seja mais correto – e seguro – sustentar que as dimensões se entrelaçam e que são interdependentes. Todavia, essa classificação encontra suporte, por exemplo, na divisão feita por Chalmers (1996, p.11‑2) entre dois conceitos de mente:
O primeiro é o conceito fenomênico de mente. Esse é o conceito da mente como experiência consciente, e do estado mental como um estado mental experienciado conscientemente. […] O segundo é o conceito psicológico de mente. Esse é o conceito da mente enquanto base explanatória ou causal do comportamento. Nesse sentido, um estado é mental se tiver algum papel causal na produção do comportamento, ou, ao menos, se tiver um papel apropriado na explicação do comportamento. […] Em geral, uma característica fenomênica da mente é caracterizada conforme o que significa para um sujeito tê‑la, enquanto uma característica psicológica é caracterizada conforme o papel associado [a ela] na causalidade ou explicação do comportamento.
A mente psicológica seria aquela relacionada à explicação do comportamento e basicamente todas as dimensões conceituais da mente contêm características que supostamente contribuem para as causas do comportamento.
Por outro lado, a mente fenomênica trata essencialmente do aspecto dual entre subjetivo e objetivo, segundo o qual a experiência de estar em um estado mental, ou melhor, de ter um ponto de vista particular, é uma propriedade mental intransponível pela objetividade da ciência.
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REFERÊNCIAS:
A natureza comportamental da mente: behaviorismo radical e filosofia da mente / Diego Zilio. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
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