Assim como o docente cria materiais didáticos, publica suas pesquisas e realiza outras atividades em que ele será autor, ele também, muitas vezes, precisa valer-se de materiais preexistentes produzidos por terceiros para planejar suas aulas e dispor de recursos didáticos e pedagógicos aptos a engajarem e permitirem o aprofundamento dos estudos pelos alunos.
Desse modo, é comum o uso de imagens, vídeos, músicas, artigos científicos, livros etc. Como foi explicado anteriormente, todas essas obras são protegidas por direitos autorais e, portanto, geralmente, exigem autorização prévia e expressa do autor ou do titular para que possam ser utilizadas.
Lembre-se! O fato de uma obra estar na Internet não significa que esteja em domínio público. Os direitos autorais permanecem vigentes sobre ela e, portanto, salvo exceções, o seu uso exige autorização prévia e expressa do autor ou do titular dos direitos autorais. Portanto, não é possível inserir um livro de terceiro em site sem a autorização do titular dos direitos sobre a obra.
A mesma regra é válida para o caso de se utilizar textos publicados em sites, blogs, fotologs etc. Essa é a regra: as mais diversas formas de utilização de obras por terceiros exigem a autorização prévia e expressa do autor. Caso a obra intelectual seja utilizada sem prévia autorização do autor, o responsável pelo uso desautorizado (seja pessoa física ou jurídica) estará violando normas de direito autoral, podendo ser submetido às penalidades previstas em lei.
SE A OBRA NECESSITAR DE AUTORIZAÇÃO, COMO DEVO PROCEDER?
Neste caso, antes de fazer uso da obra será necessário localizar o autor, ou quem o represente, ou o titular dos direitos autorais, e solicitar a sua autorização, preferencialmente por escrito e em documento que especifique de forma clara se o uso autorizado é gratuito ou oneroso (neste caso, em que condições, valores etc), se tem limitação temporal e a finalidade para a qual é concedida. Em algumas situações, é possível obter essa autorização de modo mais informal, como, por exemplo, por e-mail, por uma conversa presencial ou pelo telefone.
Porém, essas situações são difíceis de se provar, caso futuramente ocorra algum problema ou uma disputa judicial. Assim, aconselha-se que seja coletada uma prova escrita, que pode ser um documento assinado, como referido acima (ex: termo de autorização, contrato de licença) ou um e-mail, ou qualquer outra forma de mensagem que permita identificar o titular da obra e a autorização concedida.
EM QUE SITUAÇÕES É POSSÍVEL FAZER USO DE UMA OBRA SEM SOLICITAR PRÉVIA E EXPRESSA AUTORIZAÇÃO?
Não há dúvidas de que as obras protegidas pelo direito autoral são importantes para o pleno direito de acesso à cultura, à informação e ao ensino. No intuito de compatibilizar os direitos individuais de autores, titulares e possuidores de direitos conexos, com os interesses de acesso dos usuários de obras intelectuais, a legislação prevê algumas limitações ao direito autoral, os quais estão previstos nos arts. 46, 47 e 48 da LDA. Deste modo, nos casos especificados na lei, não é necessário solicitar prévia e expressa autorização ao autor ou titular da obra.
Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:
I – a reprodução:
- a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;
- b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;
- c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;
- d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;
II – a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
III – a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;
IV – o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;
V – a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;
VI – a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;
VII – a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;
VIII – a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.
A Lei também dispõe que são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito.
As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.
Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.
Entre essas várias limitações previstas na LDA, algumas tem maior aplicação para o âmbito acadêmico e o ensino não presencial. Destaca-se, então, a previsão quanto ao direito de citação (art. 46, III LDA). Algo tão comum em trabalhos acadêmicos, as citações, na verdade, são limitações aos direitos do autor.
Esta previsão legal acaba por ser relevante porque confere segurança jurídica àqueles que fazem o uso correto e adequado deste direito. A utilização de trechos de obras de um autor em um trabalho acadêmico, sem a devida indicação de ser uma citação, e sem menção à autoria, caracteriza o plágio.
Outro aspecto importante é a possibilidade de reprodução de obras intelectuais para o sistema Braille ou qualquer outro procedimento em qualquer suporte para que os deficientes visuais possam ter acesso às obras (art. 46, I,d, LDA). Recorda-se que, em 2015, o Brasil ratificou o Tratado de Marraqueche, da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), um documento internacional que tem por objetivo facilitar o acesso de bens culturais por pessoas com deficiência visual ou dificuldades de manuseio do material impresso, por meio do estabelecimento de limitações e exceções aos direitos autorais, de modo a permitir o uso de bens intelectuais para produção e disponibilização de obras em formatos acessíveis, como o Braille, audiolivro, entre outros, sem a necessidade de autorização ou remuneração do titular dos direitos autorais dessas obras.
Como o conteúdo das aulas nos estabelecimentos de ensino tem proteção autoral, a lei também prevê a possibilidade de que os alunos façam apanhado das lições, sendo vedada, no entanto, a sua publicação, integral ou parcial, sem autorização expressa do docente que as ministrou (inciso IV). No que diz respeito à utilização de obras intelectuais para fins didáticos, a lei autoriza apenas a representação teatral e a execução musical, desde que não haja intuito de lucro (inciso VI), o que se considera bastante restritivo.
Afinal, por esta previsão legal não estaria autorizado, por exemplo, o uso de obra audiovisual e até mesmo de obra literária. Não obstante, há posicionamento tanto entre os estudiosos do Direito Autoral quanto nos Tribunais brasileiros no sentido de que o uso das obras intelectuais com finalidade didática nos estabelecimentos de ensino configura um uso justo, motivo pela qual os demais tipos não previstos na lei também estariam abarcados nessa limitação.
De fato, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 964.404/ES, reconheceu que o rol descrito nos arts. 46, 47 e 48 LDA não é exaustivo. Isso significa que outras hipóteses podem ser enquadradas no regime de limitações e exceções, em observância à função social do direito de autor e à necessidade de harmonização do seu conteúdo com outros direitos, como o direito à educação, à cultura e à liberdade de expressão.
Ressalta-se, portanto, que a matéria das limitações aos direitos autorais é bastante ampla e subjetiva, ficando a sua interpretação, na maior parte das vezes, a cargo dos tribunais, que deverão decidir os conflitos eventualmente existentes. Desse modo, os usuários de obras intelectuais deparam-se com uma situação de insegurança jurídica. Outro ponto do art. 46 que gera muita discussão e insegurança é a previsão da possibilidade de reprodução apenas de pequenos trechos da obra, em um só exemplar, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro.
Este inciso do art. 46 (II) já originou infindáveis debates no contexto jurídico e acadêmico, principalmente em razão da prática usual nas universidades de cópia reprográfica dos textos utilizados em aulas. São históricas as ações contra donos de estabelecimentos de cópias em universidades. Hoje, o avanço da tecnologia faz com que seja possível disponibilizar os arquivos contendo obras inteiras para que o aluno faça download em sua casa. Essas práticas podem ensejar a violação de direitos autorais, uma vez que a norma autoriza apenas a reprodução de pequeno trecho.
MAS AFINAL, O QUE PODE SER CONSIDERADO “PEQUENO TRECHO” DE UMA OBRA?
A legislação brasileira não estabelece o que é considerado um pequeno trecho, então a dúvida é muito pertinente. Algumas instituições de ensino criaram regramentos internos limitando a possibilidade de cópia das obras nas lojas de reprografia com base em percentuais que consideraram adequados (geralmente entre 10% e 20%). Porém, não há segurança jurídica quanto a essa matéria, uma vez que não há qualquer dispositivo na lei com tal previsão. Por conseguinte, é importante ter cuidado redobrado no momento de disponibilizar cópias de obras intelectuais (textos, livros, vídeos etc) para os estudantes.
Se esta regra pode parecer um pouco exagerada no contexto da sociedade informacional, é importante dizer que, de fato, a legislação brasileira já foi considerada uma das mais restritivas do mundo no que diz respeito à possibilidade de acesso dos usuários às obras intelectuais. Uma leitura atenta da LDA permite verificar, por exemplo, que não há autorização para a reprodução de obras raras ou de obras esgotadas, o que prejudica de modo injustificado o direito de acesso às obras intelectuais.
Não obstante, embora de acordo com a lei só se mostre possível a reprodução de “pequeno trecho”, há um outro dispositivo no art. 46 que pode auxiliar a resolver essa questão com um pouco menos de insegurança. Trata-se da possibilidade de reprodução de pequenos trechos de obras preexistentes em obras novas. Para tal situação poderá ser utilizada a cláusula geral apresentada no inciso VIII, segundo a qual deverão ser observados os seguintes critérios:
◼ o pequeno trecho deve ter caráter meramente acessório à produção de uma nova obra, ou seja, a reprodução em si não pode ser o objetivo principal da obra nova;
◼ o pequeno trecho utilizado não pode impactar a exploração normal da obra de origem, prejudicando o seu uso comercial e contrariando o seu aproveitamento normal, fazendo, por exemplo, com que o público consumidor venha a perder o interesse na aquisição da obra utilizada; e
◼ o pequeno trecho não pode prejudicar, injustificadamente, os interesses legítimos do seu autor.
FONTE:
Cartilha do docente para atividades pedagógicas não presenciais [recurso eletrônico] / autores, Denise Mesquita Corrêa … [et al.] ; organização e edição, Luciano Patrício Souza de Castro. – Florianópolis : SEAD/UFSC, 2020.
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