Marynelma Camargo Garanhani
PARA INICIAR A CONVERSA…OS SABERES SOBRE O MOVIMENTO DO CORPO INFANTIL
Desde que nascem, as crianças se movimentam e, progressivamente, se apropriam de possibilidades corporais para a interação com o mundo. Por meio do movimento, aprendem sobre si mesmas, se relacionam com o outro e com os objetos, desenvolvem suas capacidades e aprendem habilidades. Portanto, o movimento é um recurso utilizado pela criança para o seu conhecimento e o do meio em que se insere, para expressar seu pensamento e também experimentar relações com pessoas e objetos.
Apoiada nessas considerações, entendo a movimentação da criança como uma linguagem não verbal que permite à criança agir no meio em que está inserida, através da compreensão de significados, expressão de suas intenções e construção de relações de comunicação. Portanto, o movimento é uma importante dimensão do desenvolvimento e da cultura humana, (BRASIL, 1998) e o corpo em movimento constitui a matriz básica da aprendizagem infantil (GARANHANI, 2002).
A justificativa para essa afirmação é que a criança necessita agir para compreender e expressar significados presentes no contexto histórico-cultural em que se encontra, ou seja, ao transformar em símbolo aquilo que pode experimentar corporalmente, a criança constrói o seu pensamento primeiramente sob a forma de ação. Por isso, necessita agir, se movimentar para conhecer e compreender os significados presentes no seu meio. (GARANHANI, 2004).
Mas como isso ocorre? Ao descrever o processo de desenvolvimento infantil, Wallon ressalta que a criança, já no início do seu desenvolvimento, estabelece uma relação de comunicação com o meio, através da seleção de movimentos do corpo que garantem a sua aproximação do outro e a satisfação de suas necessidades. Portanto, na fase inicial do desenvolvimento infantil, os movimentos do corpo se apresentam como instrumentos expressivos de bem-estar e mal-estar. (MAHONEY, 2000).
Conforme o desenvolvimento avança, a relação da criança com o meio facilita a discriminação das formas de se comunicar, sendo que o andar e a fala desencadeiam um salto qualitativo no desenvolvimento da pequena infância, possibilitando uma maior autonomia e independência na investigação do espaço e dos objetos que nele se encontram.
Os objetos e a organização do espaço constituem, nesse momento, uma oportunidade ou ocasião de movimentação e exploração do corpo e, essa constatação, propicia estudos e discussões pedagógicas sobre o material educativo no processo de desenvolvimento da criança pequena. Nesse período do desenvolvimento infantil, a fala acompanhada do andar possibilita ainda à criança o ingresso no mundo dos símbolos.
Wallon (1942) enfatiza: é na idade de 2 a 3 anos que a criança conquista a dimensão simbólica do pensamento e isso lhe dará condições de se apropriar do conhecimento cultural acumulado, historicamente, pelo meio social. A capacidade de simbolização se inicia quando a criança começa a imitar o que vê ao redor e a expressar o seu pensamento por ideomovimentos – pensamento apoiado por gestos –, o que lhe possibilita ultrapassar os limites sensório-motores do comportamento.
O gesto é capaz de tornar presente o objeto e substituí-lo, ou seja, pelos gestos a criança simula uma situação de utilização do objeto sem tê-lo, de fato, presente; trata- -se de um ato sem o objeto real. […] Essa atividade que o faz-de-conta se faz presente consiste, portanto, na descoberta e no exercício do desdobramento da realidade, pressupondo o início da representação. […] O desdobramento da realidade só será possível, no entanto, quando houver a subordinação da atividade sensório-motora à representação. Nesse momento, assiste-se ao início da organização do pensamento; a criança é capaz de dar significação ao símbolo e ao signo, ou seja, encontrar para um objeto a sua representação e para a representação um signo. (COSTA, 2000, p. 35).
Mas para a criança constituir a imagem e representá-la é preciso, antes, conhecer e estabelecer relações corporais com o objeto e/ou a situação que serão representados. Oliveira (1996), quando aborda o desenvolvimento infantil, numa visão sociointeracionista, nos explica:
Ao imitar o outro, as crianças necessitam captar o modelo de suas características básicas, percebendo-o a partir de sua plasticidade perceptivo-postural, conforme se ajustam afetivamente a ele. Com isso, decodificam o conjunto de impressões que captam do outro, experimentando diversas possibilidades de ações no meio ao qual estão inseridas e diferenciando os elementos originais que são trazidos para a situação presente (OLIVEIRA, 1996, p.143).
Em síntese, a capacidade de simbolizar se amplia quando a criança percebe, com ajuda da fala, as sensações do seu corpo na manipulação de diferentes objetos e/ou vivências corporais de situações diferenciadas. Portanto, a linguagem é o instrumento que vai mobilizar a percepção, organizar a compreensão e elaborar a expressividade da criança no mundo dos símbolos de um determinado contexto histórico-cultural.
Assim, o corpo como um conjunto de dimensões física, afetiva, histórica e social assume um papel fundamental no processo de constituição da criança pequena como sujeito cultural. Na idade de 3 a 6 anos, o domínio de praxias25 culturais (alimentar-se sozinha, amarrar os sapatos, escovar os dentes, etc.) pode propiciar o aperfeiçoamento da expressividade infantil e, consequentemente, uma autonomia na movimentação corporal.
Ao tornar-se capaz de distinguir os objetos, de identificar a sua cor, a sua forma, as suas dimensões e as suas próprias qualidades táteis e olfativas, a criança desenvolve, cada vez mais, a dependência em experimentar modelos de movimentos corporais do seu meio sociocultural.
Portanto, os movimentos do corpo tão importantes no desenvolvimento físico-motor infantil, também, constituem uma linguagem que se constrói no processo histórico-cultural do meio no qual a criança se encontra. Assim, na idade de 3 a 6 anos, os gestos instrumentais (praxias) sofrem um processo de especialização e, segundo Galvão (1995), é um processo estreitamente vinculado ao ambiente cultural.
Já na idade posterior, entre 6 e 11 anos,
… os gestos estão mais precisos e localizados, de forma que ela pode selecionar o gesto adequado à ação que deseja realizar. Pode também planejar mentalmente o movimento e prever etapas e consequências do deslocamento, o que garante uma desenvoltura maior na exploração do ambiente e nas atividades de conquista do mundo objetivo. (AMARAL, 2000, p.52).
Em síntese, os progressos da linguagem oral, da representação (verbal e não verbal) e o aperfeiçoamento de movimentos corporais constituem condições para a elaboração da expressividade infantil, ou seja, de uma linguagem corporal.
Essas reflexões nos levam a pensar que a criança utiliza a movimentação do seu corpo como linguagem para compreender, expressar e comunicar suas ideias, entendimentos, desejos etc., e, este fato, nos faz (re)pensar uma concepção de educação escolar que valorize a movimentação da criança, não somente como uma necessidade físico-motora do desenvolvimento infantil, mas também como uma capacidade expressiva e intencional.
FONTE: Educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental : saberes e práticas
DOWNLOAD: Educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental : saberes e práticas / autores Catarina de Souza Moro [et al] / organizadores: Arleandra Cristina Talin do Amaral, Roseli Correia de Barros Casagrande, Viviane Chulek. – Curitiba : SEED–PR., 2012
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