O Corpo Fala, O Corpo Canta, O Corpo Brinca: Os Movimentos da Criança na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Ao entender que as instituições de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental são meios educativos em que a criança extrai, experimenta, ajusta e constrói movimentos corporais provenientes da inserção e interação num grupo diferente do seu meio familiar, concluo que estas instituições são meios privilegiados para o desenvolvimento da autonomia corporal e vivências de diversos modelos de movimentos corporais provenientes da cultura em que a criança se encontra.

Nesse cenário, as ações sistematizadas e intencionais poderão proporcionar o conhecimento e o domínio de sua movimentação corporal, consequentemente, mobilizar e aprimorar a sua expressão e comunicação. Para isso, é necessária uma prática pedagógica que atenda não somente as características e necessidades do desenvolvimento infantil, mas também como uma linguagem que contribui para a constituição de um sujeito que produz cultura e é produzido pela cultura em que está inserido.

Esta prática pedagógica poderá ser norteada por três eixos (GARANHANI, 2010).

  • Aprendizagens que envolvem movimentações corporais para o desenvolvimento físico e motor, proporcionando assim o conhecimento, o domínio e a consciência do corpo, condições necessárias para a autonomia e identidade corporal infantil.
  • Aprendizagens que levem à compreensão dos movimentos do corpo como uma linguagem utilizada na interação com o meio através da socialização.
  • Aprendizagens que levem à ampliação do conhecimento de práticas corporais historicamente produzidas na e pela cultura em que a criança se encontra.

Esses eixos deverão se apresentar integrados no fazer pedagógico do professor, embora na elaboração e organização das atividades possa ocorrer a predominância de um sobre o outro, conforme as características e necessidades de cuidado/educação26 presentes em cada idade da infância. Portanto, um eixo não exclui o outro (GARANHANI, 2004), conforme nos mostra a representação gráfica:

O Corpo Fala, O Corpo Canta, O Corpo Brinca: Os Movimentos da Criança na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

Para uma melhor compreensão da figura, traduzo-a da seguinte maneira: na busca da autonomia de movimentação do seu corpo, a criança constrói sua identidade corporal. No entanto, esse processo só ocorre na relação com o outro, que se encontra em um determinado contexto histórico-cultural, ou seja, ocorre na socialização.

Nesse cenário, as crianças se aproximam e se apropriam de elementos da cultura que se traduzem em conhecimentos, atitudes, práticas, valores e normas. Ao ingressar na escola, independente da idade em que se encontra, a criança traz consigo conhecimentos sobre sua movimentação corporal, apropriados e construídos nos diferentes espaços e relações em que vive.

O professor deve sistematizar e ampliar esses conhecimentos, não esquecendo das características e necessidades de cuidado/educação corporais que se apresentam em cada idade. (GARANHANI, 2010). A integração desses eixos, na prática docente com a criança, se faz pelo brincar, que se apresenta na educação da infância como um princípio pedagógico, pois segundo Leontiev (1988) é no brincar que a criança adapta as suas condições às do objeto e/ou às condições exigidas pela ação, com a preservação do próprio conteúdo da ação.

É nesse processo que ela consegue experimentar, explorar e compreender os significados culturais presentes no meio, consequentemente, elaborar e/ou ressignificar o seu pensamento. Assim, brincando em atividade de intensa movimentação corporal, a criança desenvolverá os diferentes aspectos de sua formação, inclusive físicos e motores, ao mesmo tempo, poderá ser levada a entender que esses movimentos têm significados, pois se manifestam com o objetivo de expressão e comunicação.

Poderá entender, também, que os movimentos que envolvem possibilidades de deslocamentos do corpo (como exemplos: caminhar, correr, saltar, rolar, etc.), manipulação de objetos (como exemplos: lançar, pegar, tocar, arremessar, etc.) e equilíbrio (como exemplos: girar, balançar, agachar, etc.) se configuram em diversas práticas e essas, na pequena infância, se apresentam na forma de jogos, atividades rítmicas, brincadeiras ginásticas e artísticas.

… ao ingressar na escola, independentemente da idade em que se encontra, a criança traz consigo saberes sobre os movimentos que se realiza com o seu corpo, apropria[1]dos e construídos nos diferentes espaços e relações em que vive. Desse modo, a escola poderá sistematizar e ampliar o conhecimento da criança sobre o seu movimentar. (GARANHANI, 2008, p. 137).

Em síntese, uma proposta pedagógica com base nos eixos apresentados nos faz dar atenção para a construção de objetivos, seleção de atividades e organização de espaços e materiais que favoreçam o trabalho educativo com o movimento. Esse procedimento é necessário para que a criança tenha oportunidade de diversas vivências e explorações de seu movimentar. Nesse cenário, a organização pedagógica do ambiente o torna um recurso de aprendizagens e, consequentemente, de desenvolvimento.

Para isso, deve ser planejado de forma cuidadosa pelo profissional responsável pela educação da infância. Segundo Angel (1995), organizar um ambiente de aprendizagem não é, simplesmente, propor uma série de materiais para que as crianças brinquem. É necessário escolher e combinar os materiais apropriados aos objetivos que se pretende alcançar, sem perder de vista que esses materiais devem ser atrativos, acolhedores e seguros.

Um dos ambientes de aprendizagem de movimentos são os parques infantis. Eles estão presentes nas escolas da criança e podem ser utilizados como espaço didático-pedagógico para o trabalho educativo do movimento. Mas, na maioria das vezes, são usados apenas como um lugar em que a criança brinca livremente, sem que haja nenhuma intervenção pedagógica. Nos dias de hoje, há estudos (FILGUEIRAS e FREYBERGER, 2001; OLIVEIRA, 2002; HORN, 2004; CABANELLAS e ESLAVA, 2005) que discutem a organização dos espaços na Educação Infantil e consideram o parque como um recurso didático-pedagógico deste contexto educacional.

Veem-no como um meio privilegiado à educação da infância devido aos equipamentos que, por meio da brincadeira, convidam à vivência de desafios relacionados com a movimentação do corpo, vivências estas que mobilizam a iniciativa individual e, em algumas situações, favorecem também a ajuda mútua por meio de parcerias.

Em síntese, no contexto da instituição escolar infantil, o parque constitui não só um espaço de interação das crianças, mas também um espaço privilegiado para o trabalho educativo com o movimento. Essas constatações levam a entender o parque como um espaço privilegiado para a prática de movimentos, como também um ambiente de aprendizagem da escola em que o professor poderá desafiar a criança no seu movimentar.

PARA FINALIZAR… PROPOSTAS DE PRÁTICAS DE MOVIMENTOS NA EDUCAÇÃO DA CRIANÇA

Os aportes teóricos apresentados, bem como as reflexões, me levaram a sistematizar algumas sugestões de práticas de movimentos nos diferentes eixos de trabalho que configuram esta proposta. No entanto, é importante repetir que: os eixos se integram no fazer pedagógico do trabalho educativo com o movimento, apesar de haver a predominância de um sobre o outro, conforme o objetivo e/ou a atividade proposta em cada idade. A seguir, apresento quadros que sistematizam orientações e sugestões de práticas em cada eixo. O primeiro quadro é do eixo Autonomia e identidade corporal.

Autonomia e identidade corporal

Neste eixo de trabalho serão proporcionadas práticas que oportunizem o conhecimento e o domínio do corpo para o desenvolvimento físico e motor, por meio do desenvolvimento de capacidades e aprendizagem de habilidades.

Por exemplo: práticas que desenvolvam a força (capacidade física) nos membros inferiores e o esquema corporal (capacidade perceptivo- -motora) da criança, para que esta consiga ficar em pé (movimento de equilíbrio), condição para aprender a andar. Para isso, é preciso organizar um espaço rico em situações que proporcione uma variedade de experiências de movimentos em diferentes espaços, como pátio, areia, gramado, parquinho, sala de atividades e espaços e recursos naturais disponíveis na comunidade.

Além disso, planejar o uso de equipamentos e materiais que estimulem a exploração, a vivência e a criação de movimentos, proporcionando diferentes situações lúdicas nos equipamentos do parquinho, com bolas, arcos, colchões, cordas, triciclos, entre outros.

Exemplos de objetivos

– Exploração e conhecimento das possibilidades de movimento do próprio corpo e suas limitações.

– Adaptação corporal progressivamente autônoma para a satisfação das necessidades básicas e às situações cotidianas.

– Observação das diferenças e semelhanças de sua movimentação corporal em relação aos outros.

 – Disponibilidade e coordenação corporal na execução de diversas formas de movimentos que envolvam deslocamentos (GARANHANI, 2010).

Sugestões de práticas

(Educação Infantil – 1/2 anos)

Disponibilizar, às crianças, diferentes equipamentos para a vivência de diversas formas de se movimentar, caracterizadas como brincadeiras ginásticas. Por exemplo: utilizar o brinquedo minhocão para que as crianças passem por dentro do túnel de diferentes for[1]mas (engatinhando, arrastando-se, deslocando-se de costas, de frente, etc.).

Sugestões de práticas

(Anos Iniciais – 8/9 anos)

Proporcionar, às crianças, a vivência de jogos e brincadeiras que desenvolvam as noções frente, atrás, esquerda, direita, etc. (capacidades de percepção do espaço). Por exemplo: Em duplas, uma criança será um robô e a outra criança o comandante do robô.

A dupla deverá combinar os comandos para o robô caminhar, ou seja, quando tocar na barriga, o robô caminhará para a frente, ao tocar nos ombros caminhará para a esquerda ou direita, etc. A tarefa é comandar o deslocamento do robô no meio de um grupo de crianças que também estão caracterizadas como robôs.

Variação da atividade: o professor poderá fazer essa brincadeira em trios, sendo dois robôs para uma só criança comandar, ou então em quartetos, sendo três robôs para uma só criança comandar, aumentando, portanto, a complexidade da atividade.

Na sequência, apresento o quadro que mostra sugestões de práticas de movimentos para o eixo Sociabilização:

Socialização

Este eixo de trabalho implica na compreensão de movimentos do corpo como forma de linguagem, e isto ocorre na relação com as pessoas e objetos presentes no meio sociocultural em que a criança está inserida.

Exemplos de objetivos

– Confiança nas possibilidades de movimentação corporal.

– Esforço para vencer as situações de desafios.

– Aceitação das diferenças corporais.

– Colaboração e iniciativa com o grupo.

– Expressão e interpretação de sensações, sentimentos e intenções.

– Diferenciação de posturas e atitudes corporais. (GARANHANI, 2010).

Sugestões de práticas

(Educação Infantil – 2/3 anos)

Ensinar cantigas de roda tradicionais e brinquedos cantados com gestos. Por exemplo: Roda cutia, Atirei o pau no gato, etc. Organizar pequenos grupos para brincar com o mesmo brinquedo, por exemplo: jogos de encaixe ou montagem.

Sugestões de práticas

(Anos Iniciais – 6/7 anos)

Proporcionar jogos e brincadeiras em que as crianças aprendam a lidar com os significados dos gestos do corpo. Por exemplo: o professor trabalhará com as crianças, o que significa uma pessoa ser líder e então irá brincar de Siga o Líder. Tudo o que o líder comandar o restante da turma deverá executar.

Variação da atividade: o professor poderá combinar com as crianças os significados dos comandos do líder. Proporcionar brincadeiras de Construção de Bonecos, por exemplo: a construção de bonecos de palitos.

As crianças deverão montar o seu boneco no chão e brincar de circular entre eles de diferentes formas. Ao sinal do professor, deverão parar na frente do boneco e reproduzir com o próprio corpo a posição do boneco.

O Corpo Fala, O Corpo Canta, O Corpo Brinca: Os Movimentos da Criança na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental

E, para finalizar, apresento o quadro que trata do eixo Ampliação de práticas corporais infantis:

Ampliação das práticas corporais infantis

No eixo de trabalho proposto, a criança, por meio do conhecimento e/ou (re)conhecimento, apropriação e apreciação, construção e (re) organização das diversas práticas corporais infantis presentes em seu meio sociocultural, poderá sistematizar e ampliar o seu conhecimento em relação às possibilidades e maneiras de se movimentar.

Exemplos de objetivos

– Conhecer e se apropriar de jogos e brincadeiras tradicionais do seu meio sociocultural.

– Identificar e apreciar as diferentes manifestações de danças folclóricas do seu meio sociocultural.

– Vivenciar e/ou construir brincadeiras que utilizem elementos de esportes ginásticos, por exemplo: movimentos de cambalhotas, etc.

– Participar e/ou (re)organizar jogos de oposição que utilizem elementos das lutas, por exemplo: movimentos de imobilização.

Sugestões de práticas

(Educação Infantil – 4/5)

Disponibilizar, às crianças, um repertório de jogos e brincadeiras tradicionais. Por exemplo: Coelhinho sai da Toca, Amarelinha, Pique esconde, etc.

Sugestões de práticas

(Anos Iniciais – 9/10 anos)

Trabalhar, com as crianças, as práticas corporais que se apresentam como conteúdos da Educação Física Escolar, sendo: os jogos e as brincadeiras, as ginásticas e as danças, os elementos das lutas e dos esportes. (GARANHANI, 2010).

Para finalizar, ressalto que na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental o trabalho educativo com o movimento poderá estar a cargo do professor de Educação Física, mas este deverá ser realizado em parceria com os professores de referência da turma. Portanto, é tarefa destes professores:

  • propor, orientar e desenvolver projetos pedagógicos sobre o movimento;
  • propor e organizar ambientes de aprendizagem de movimentos;
  • selecionar materiais e equipamentos educativos que oportunizem o movimentar da criança;
  • selecionar e planejar práticas educativas de movimento;
  • elaborar propostas curriculares que valorizem o movimento da criança como uma capacidade expressiva e intencional.

Diante do exposto, considero que este não é um momento de finalizar as reflexões e sugestões apresentadas. É um momento de incentivar discussões para um aprofundamento dessas ideias, as quais poderão ser mobilizadas por meio da formação de professores e de políticas educacionais que valorizem o movimento do corpo infantil, na Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, como uma linguagem da criança.

FONTE: Educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental : saberes e práticas

DOWNLOAD: Educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental : saberes e práticas / autores Catarina de Souza Moro [et al] / organizadores: Arleandra Cristina Talin do Amaral, Roseli Correia de Barros Casagrande, Viviane Chulek. – Curitiba : SEED–PR., 2012

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