MERLEAU-PONTY: A Palavra que Corporifica o Mundo e antecede o Pensamento

“Nossos pensamentos, nossas paixões, inquietações giram em torno de coisas percebidas”

(Merleau-Ponty, 1966, p. 127).

Vivemos no mundo da linguagem. Nosso ser e nosso corpo são palavras: palavra-mundo, diria Paulo Freire. Nós dizemos por gestos, mímicas; palavra que nem precisa ser pronunciada com a boca. A palavra, toda ela, entretanto, carrega sempre um sentido ambíguo: fonte de comunhão ou de divisão.

Dos antigos romanos:

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Ela tanto serve para dizer alguma coisa, como para esconder outras. Ao afirmar alguma coisa, tira de foco outras dimensões desta mesma coisa. O filósofo Merleau-Ponty dizia que as palavras são recortadas com um fundo de silêncio. Os sentidos que as palavras afirmam só aparecem no contraste com os sentidos negados. Quando lemos uma palavra, mesmo aquelas deste texto, nenhuma letra apareceria se o fundo desta página fosse preto. É o contraste que permite, como uma moldura, produzir um sentido.

Veja em baixo, combinam-se o preto e o branco, de maneiras diferentes. Se o fundo preto do Banner do Exemplo I fosse branco, não haveria nada escrito que pudesse ser lido. O contrário do que ocorre com a metade superior das letras pretas recortadas por uma faixa branca no Exemplo II.

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A velha historinha…

O filho manda uma carta. “Pai, manda-me dinheiro!” O pai lê, com enorme desagrado e fica ofendido. “Ele pensa que manda em mim! Desaforado!…” A mãe toma a carta, e explica: “Mas meu velho, não é isso que está escrito aqui, olha o tom sofrido dele…” – e com voz, chorosa e doce, de quem suplica, relê… Veja, aqui está assim: “Pai! Manda-me o dinheiro!” O velho em silêncio, disfarçou as lágrimas…

Combinamos muitas coisas nas nossas assembléias, e cada um entende coisas muito diferentes dos mesmos signos escritos. Fantasia, imaginação, construção a partir dos sentidos cotidianos de nossas experiências, fazem circular ideias muito contrárias nas mesmas palavras.

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A Palavra possui um significado social circulante

A palavra é um signo que carrega um sentido social circulante, disponível e todos, de um grupo ou uma população; carregada de ambiguidade, a partir de uma leitura do mundo, com as experiências vividas num corpo, dizia Paulo Freire, “molhado de história” chegamos a entendimentos distintos. O Beijo, símbolo universal de carinho, unidade, afeto e fidelidade, no contexto de Judas, ele significa traição.

É, muitas vezes, a moldura das relações que muda o sentido de um gesto. Paulo Freire alerta que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. É a visão do mundo que dá o chão, o recorte do que de fato se está falando.

Um poeta dizia

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No filme O amor é contagioso o intelectual internado numa instituição psiquiátrica perguntava, escondendo o polegar, e mostrando quatro dedos da mão: “Quantos dedos vês aqui…” As pessoas diziam: quatro! Ele concluía: “Todos imbecis!” Consertando-lhe a caneca de chá com um adesivo, Patch Adams (Tom Rankes) conquistou-lhe a simpatia, e perguntou: “E essa, dos dedos?…” Ele os mostrou e disse: “É preciso olhar além dos dedos… “ A imagem, então, se multiplicava em muitos dedos, antes invisíveis.

Adams aprendeu a lição. Quando um dia o reitor decidiu expulsá-lo da Faculdade de Medicina, Adams com o reitor à sua frente, vociferando, deixou o olhar flutuar como que perdido, viu muito além daquele reitor… Adams ria… A fúria do reitor era então redobrada. Adams enxergava muitos outros reitores além daquele… Nem tudo estava perdido. Tinha noção de que não estava só… Acabou vencendo, fazendo-se médico que respondia aos sonhos e desejos das pessoas, e que seria seguido por uma multidão de outros médicos, historicamente

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Se você “cortar” cada um destes símbolos acima, bem no meio deles, de cima até embaixo, descobrirá a lógica usada na sua confecção*.

Existo, logo penso!

Não pensamos para, só depois, existir. Sequer pensamos antes para expressar o pensado com palavras. Ao contrário. Precisamos começar a falar, a escrever, a dizer, a contar para que os outros e nós mesmos possamos compreender o que, de fato pensamos. Ainda que em silêncio, tentarmos organizar nosso pensamento, na verdade ensaiamos discursos, escolhemos palavras e frases, experimentando a lógica delas, falando com os nossos botões, para nós mesmos nos compreendermos. E quando nossa boca se abre e dizemos nossas palavras e nossos discursos, sempre nos surpreendemos ou nos confundimos no que queríamos dizer, e aquilo que de fato dissemos nelas. Dizemos muito menos e muito mais do que queríamos ter dito.

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Este é o mais importante sentido de dizer, redizer, escrever e reescrever nossos textos. Trata-se de expressar em palavras para melhor compreender nossos pensamentos e quem somos. Quando estamos em aulas sempre nos obrigamos a ir além do que até então tínhamos entendido, e assim aprendemos. A filosofia nos ensina a utilizar a palavra como centro gravitacional de estudo, da compreensão, do desenvolvimento do próprio pensamento. Veja como filósofos contemporâneos, abaixo, definem a Filosofia:

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Vivemos numa sociedade da comunicação, somos seres que não subsistem sem nos comunicarmos, e a palavra é o lugar sagrado da divisão ou da comunhão, arco-voltáico que produz morte ou vida, a depender do contexto e da intencionalidade do ser humano. Ela é a fonte da compreensão de nós mesmos – quem não se compreende a si próprio sempre terá um grande abismo na compreensão dos outros. O tu, em parte, é um outro eu. A palavra é o lugar da possível comunhão com todos os outros.

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REFERÊNCIAS:

Fundamentos de Filosofia: os caminhos do “Pensar” para quem quer transformação / Luiz Augusto Passos. — 1ª ed., 1ª reimp. — Brasília/DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 2014.


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