Você se considera legitimamente brasileiro?
Costumamos dizer e ouvir que somos o povo brasileiro! Que vivemos no país do futebol e do carnaval. Pelo menos é assim que nos veem os outros povos, na maioria das vezes. Contudo, quando somos indagados e questionados sobre nossa identidade nacional, ou seja, que povo realmente somos e, qual o sentido da nossa formação enquanto nação, ficamos na maior “crise de identidade”. Ora, como definir quem realmente somos em meio à diversidade cultural?
A questão é: como viemos, enquanto povo e nação ao longo da história, construindo nossa identidade nacional? Mas, será que temos mesmo uma única e autêntica identidade nacional? Quando falamos em identidade, logo pensamos em quem somos. Vêm à nossa mente os nossos “dados pessoais”, ou seja, a cidade onde nascemos, a data de nascimento, nossa filiação, que são os nomes de nossos pais, uma foto registrando nossa fisionomia, nossa impressão digital, uma assinatura feita por nós mesmos.
E que ainda contém um número de registro geral, que permite sermos identificados, não como pessoas, com suas devidas características, mas como um número em meio a tantos outros. E o mais interessante, está ali registrado para todo mundo ver, a nossa nacionalidade, a que nação e povo pertencemos.
Caro leitor, o que o seu documento de identidade significa para você? Já havia parado para pensar nisso? O nosso documento de identidade nos dá algumas informações sobre quem somos. Alguns de nós temos condições de reconstruir a árvore genealógica e saber toda a nossa história a partir da constituição familiar ao longo das gerações que foram formadas. O objetivo de construir a nossa árvore genealógica é o de verificar as características socioeconômicas e culturais de nossas famílias em cada período da história.
A partir daí, descobrir, além de características físicas, entender como a nossa cultura foi construída ao longo da história, com o passar de gerações. Que legal! Além de podermos descobrir as características físicas e de personalidade que herdamos de nossos antepassados, podemos reconstruir a trajetória histórica cultural de nossas famílias. E a partir dos dados históricos, entendermos a herança social e todo nosso legado cultural. Um exemplo desse processo social de transmissão de cultura é a educação ou criação familiar. A cada geração vai se transmitindo, ou melhor, ensinando aos filhos e jovens certos conhecimentos e valores morais adquiridos pela geração mais velha.
Quando falamos em nação ou sociedade, não é diferente. Podemos descobrir como a nossa nação e nós, enquanto povo, fomos constituídos. Saber, por exemplo, quais as características culturais que podemos encontrar na formação e depois no desenvolvimento da nossa sociedade brasileira. E mais, podemos conferir se a sociedade brasileira ainda está refletindo tradicionalmente as mesmas características culturais de quando foi formada! Entender como tudo começou, nos levará a compreender a grande diversidade cultural que caracteriza nosso país! Já que a cultura é um dos instrumentos de análise e compreensão do comportamento humano social, podemos nos questionar: “E eu, o que eu tenho com tudo isso?
Será que a diversidade cultural do meu país me atinge diretamente ou somente de forma indireta? ” A cultura faz parte da totalidade de uma determinada sociedade, nação ou povo. Essa totalidade é tudo o que configura o viver coletivo. São os costumes, os hábitos, a maneira de pensar, agir e sentir, as tradições, as técnicas utilizadas que levam ao desenvolvimento e a interação do homem com a natureza. Ou seja, é tudo mesmo! Tudo que diz respeito a uma sociedade. Muitos sociólogos e historiadores brasileiros, a partir do século XIX, buscaram explicar a formação do povo brasileiro, caracterizado pela diversidade cultural, enquanto uma nação. E o olhar de alguns desses autores foi exclusivamente dedicado ao aspecto cultural.
O legado cultural que herdamos dos povos que se misturam deu origem aos brasileiros. Bom, todos nós sabemos, nem que seja um pouquinho, da história da colonização do nosso país. Se alguém chegar a você e disser: – O Brasil foi colonizado pelos egípcios! Logo você irá franzir a testa e, dando uma boa aula de história do Brasil, irá dizer: – Não, não! Fomos colonizados primeiramente pelos europeus, especificamente pelos portugueses e espanhóis.
Temos também uma marcante presença dos africanos, que foram trazidos para cá como escravos e os indígenas que aqui já viviam… depois, por volta de 1870 em diante, é que imigraram muitos outros povos, como os italianos, alemães e holandeses, em busca de trabalho e de uma vida melhor e promissora no Brasil! Pois bem, é isso mesmo! Somos um povo que surgiu de uma grande confluência! Miscigenados! Ou seja, o povo brasileiro foi formado, a princípio, a partir de uma miscigenação, que foi a mistura de basicamente três “raças”, quais sejam: o índio, o branco e o negro. Vamos entender o que é raça, etnia e cultura.
O conceito de etnia distingue-se do conceito de raça e cultura. Etnia é um conceito associado a uma referência e/ou origem comum de um povo. Ou seja, são grupos que compartilham os mesmos laços linguísticos, intelectuais, morais e culturais. Embora possuam uma mesma situação de dependência de instituições e organização social, econômica e política, não constitui ainda em uma nação, mas apenas um agrupamento étnico. Etnia é, portanto, um conceito diferente de raça e cultura. São exemplos de grupos étnicos, entre outros, os índios xavantes e javaés do interior de Goiás, que são reconhecidos pelo etnômino de tapuios.
Hoje habitam no Parque Nacional do Xingu, em número extremamente reduzido. Já a cultura é tudo que as diferentes raças e as diferentes etnias possuem em matéria de vida social, o conjunto de leis que regem o país, a moral, a educação-aprendizagem, as crenças, as expressões artísticas e literárias, costumes e hábitos, ou seja, é a totalidade que abrange o comportamento individual e coletivo de cada grupo, sociedade, nação ou povo. O termo raça significa dizer que há grupos de pessoas que possuem características fisiológicas e biológicas comuns. No entanto, o uso do termo raça acaba classificando um grupo étnico ou sociedade, levando também à hierarquização.
Como se todos nós, seres humanos, fôssemos postos em uma grande escadaria, e em ordem de classificação e hierarquização pelo grau de importância das características físicas de cada grupo étnico; os mais importantes ficariam no topo e assim iria descendo até chegar nos menos importantes. Contudo, qual raça ou grupo étnico pode dizer que é melhor ou mais desenvolvido que outro?
Muitas críticas a esse pensamento foram levantadas, principalmente no final do século XIX, pois tais concepções ajudaram a reforçar a discriminação e o preconceito e, consequentemente a legitimação das desigualdades sociais. Apesar de todas as críticas, ainda é possível observar que nos séculos XIX e XX houve um retorno de práticas racistas como, por exemplo, a eugenia e estudos do genoma, que foram muito defendidas por estudiosos adeptos às teorias evolucionistas sobre o progresso físico e comportamental do homem.
Tais teorias concebiam que determinadas raças e etnias deveriam ser conservadas, por serem modelos de pureza, de superioridade, etc. Contudo, outras que não se enquadrassem nos modelos estabelecidos, ou que fossem, pela situação social que viviam, vítimas de doenças ou epidemias tornavam-se um perigo para o progresso da humanidade e não deveriam existir. Podemos tomar como um exemplo claro deste pensamento, o apartheid ocorrido na África do Sul nos anos de 1948 a 1991, quando toda a população negra foi obrigada a seguir normas e regras rígidas com relação ao convívio social, trabalho, etc., além de toda a forma de violência e discriminação sofrida.
Ou ainda, quem não se lembra do genocídio dos judeus ou mais conhecido como o Holocausto dos Judeus, durante a II Guerra Mundial? O pensamento ideológico que estava por trás daquele terrível ato que exterminou cerca de 6 milhões de judeus, que não eram reconhecidos como seres humanos, era a ideia de superioridade da “raça ariana” alemã. A perseguição e o extermínio dos nazistas alemães contra os judeus ficou conhecido na história por antissemitismo, uma forma de repudiar tudo o que era contrário à ideologia nazista.
Quando olhamos os três grupos étnicos que se miscigenaram no Brasil Colônia, séculos XVI e XVII, com suas características biológicas específicas e também socioculturais, suas tradições, vemos como fizeram toda a diferença no processo de colonização e formação do povo brasileiro, diferentemente de outras colonizações empreendidas pelo mundo.
Nosso país é uma “aquarela” de grupos étnicos! Constituída por meio da colonização (século XVI) e depois, pelas imigrações por volta dos séculos XVIII e XIX. Temos então uma pluralidade de identidades, caracterizada pelas diferenças. Por conta dessa variedade de identidades, povos e tradições, os diferentes grupos étnicos fizeram com que ocorressem em nosso país, um processo chamado de etnicidade.
Etnicidade… O que é isso? Na nossa vida social cotidiana, muitas vezes, deparamo-nos com notícias de grupos étnicos lutando e reivindicando algo na sociedade, tanto no âmbito econômico ou político, como ocorre com os índios e os negros. As várias etnias indígenas se unem em prol da luta pelos direitos de suas terras. Não se trata de direitos à igualdade de distribuição de renda ou de Reforma Agrária, mas, sim da posse legítima que os índios têm das suas reservas de terras.
Outro exemplo de etnicidade e mobilização é a luta pela igualdade de oportunidades no trabalho e na educação, distribuição de renda, contra a discriminação étnica-racial (racismo), etc., que os negros travam no Brasil. As cotas, termo que também faz parte das chamadas Políticas Afirmativas, são medidas positivas, que buscam reparar ou minimizar o racismo e a exclusão social que afetam os negros e descendentes retirando as oportunidades de ingresso nas universidades e nos concursos públicos.
O Brasil é conhecido como o país de maior número de negros e afrodescendentes depois do Continente Africano, no entanto, o racismo que muitas vezes aparece “camuflado”, estabelece uma grande distância entre estes e as suas efetivas e plenas participações na vida social.
Você já ouviu essa pergunta:
Quando questionado sobre isso, o que você responde? Já parou para pensar que a sua identidade é de BRASILEIRO, independente de que etnia seus avós ou pais fazem parte? Vamos entender isso? É muito comum vermos um americano encher o peito e dizer: “sou um norte-americano!” Vemos em suas palavras e postura o orgulho de sua nacionalidade! Contudo, não é raro, vermos entre nós brasileiros e muitas vezes nós mesmos, dizermos de cabeça baixa que somos brasileiros… Mas, logo dizemos: “Ah, mas sou descendente de… poloneses… alemães… portugueses… espanhóis… italianos… holandeses… japoneses…” e, alguns mais “corajosos” dizem: “sou descendente de africanos… indígenas…”, não que a proposta aqui seja a da “negação” das descendências e origens. Mas, que possamos refletir e ter um bom entendimento da nossa pluralidade, uma das maiores riquezas de nosso país.
Veja bem! Todos os grupos étnicos que imigraram para o Brasil a partir dos séculos XVIII e XIX foram muito importantes no desenvolvimento da nação e ajudaram a dar um colorido especial ao país. O problema é quando “desprezamos” as nossas raízes, as nossas origens, as pessoas que primeiro formaram aquilo que viríamos a ser no futuro: “os brasileiros”. O que realmente acontece conosco?
Parece que a “crise de identidade” paira entre os brasileiros. Não nos reconhecemos como uma nação e não nos valorizamos como outros povos, o nosso país, a nossa gente, as nossas tradições e a nossa multiforme e colorida diversidade cultural como um todo. Costumamos tão somente exaltar alguns aspectos ou traços da nossa cultura. Essas questões nos levam a pensar qual o verdadeiro problema ou impasse que nos impede de dizer com orgulho que somos brasileiros.
Durante o processo de colonização pelo qual passou parte do mundo, a partir do século XV, foi deixada uma forte marca de etnocentrismo. Ora, o etnocentrismo é a atitude de superioridade e desprezo que um grupo social, uma sociedade ou um povo tem em relação a outros grupos. Com a descoberta do Novo Mundo e suas gentes, tornou-se necessário conhecer o outro, o diferente. As interações sociais provenientes do contato com este Novo Mundo, foram marcadas por conflitos, caracterizados nas formas de genocídios e etnocídios.
No “Folhas” anterior tratamos da discussão do genocídio. Lembra-se? Pois então, as interações sociais do Novo Mundo foram marcadas por conflitos, caracterizados nas formas de genocídios e etnocídios. Interação social… o que é isso? Interação é uma palavra muito usada hoje em dia. É comum para nossa geração ouvir, falar e viver em interação. Por via de regra, a internet é um grande exemplo de interação.
Conectado à rede mundial de computadores e comunicação eu, você e tantos outros passamos a repartir, trocar ou associar não somente informações, mas também várias e diferentes ações. Com a reciprocidade de ações sociais passamos, então, a interagir com outros indivíduos ou grupos sociais.
Muitos antropólogos, sociólogos e historiadores brasileiros pesquisaram e discutiram o processo de formação do povo brasileiro. Gilberto Freyre (1900-1987), por exemplo, defendeu a ideia de que a interação social entre negro, branco e índio foi harmoniosa. Em seu famoso livro intitulado Casa-Grande & Senzala (1933), Freyre relata que foi por meio da miscigenação que houve um equilíbrio entre, principalmente, o negro e o branco. As relações sociais baseavam-se no trabalho escravo, no poder e mando do senhor de engenho e na família patriarcal, características da colonização portuguesa no Brasil, na qual o convívio era caracterizado pela harmonia e o equilíbrio entre o senhor patriarca e os escravos.
É interessante saber que o contato interétnico é um fenômeno que não ocorreu somente no período das colonizações, ainda ocorre, a ocupação por parte de alguns grupos, como por exemplo, os madeireiros, garimpeiros, e etc., em territórios indígenas, assim como pela utilização do trabalho manual dos índios. A situação de conflito, como já sabemos, decorre do sentimento e da atitude etnocêntrica, que foi uma característica do pensamento evolucionista, apoiando o empreendimento colonialista pelo mundo.
Você sabe como esses povos eram chamados? Ah… eram selvagens, considerados sem a menor condição de raciocínio, servindo somente ao trabalho braçal. Não precisavam pensar, calcular ou programar. Serviam de braços e pernas para seus senhores. No entanto, houve resistência dos índios, como é o caso dos Guaranis que habitavam parte do que é hoje o Paraguai e o estado do Paraná e, os Carijós que habitavam o litoral paranaense.
Tanto os colonizadores espanhóis quanto os portugueses empreenderam grandes preamentos de índios com o objetivo de os forçarem ao trabalho nos engenhos de açúcar, como no desmatamento para a expansão e ocupação das terras, entre outras atividades no Brasil Colônia. O contato e a interação social entre o índio e o branco foi, e ainda hoje é, de altos e baixos. De amizade e de inimizade, de concordância e de não-concordância, de uma cultura ser mais valorizada que a outra e se sobrepor a esta. Uma das consequências do contato foi um forte processo de mudança cultural, sofrida pelos povos nativos no Brasil e no mundo.
Todos nós já sabemos a história de como os índios foram “desprezados” e muitos deles exterminados pelos colonizadores. Mas, quando o tráfico negreiro passou a ser mais rentável, os índios foram trocados por braços e pés mais ágeis e fortes, que foram os escravos africanos. Contudo, não podemos esquecer que cada povo ou grupo tem a sua própria maneira de organização social, que é vinculada à sua cultura, à sua forma de ver o mundo e a si mesmo. Muitos grupos indígenas foram cruelmente extintos.
Dados do acervo da “ANAÍ–Associação Nacional de Apoio ao Índio” (1983), e pelos dados levantados pela Secretaria de Estado da Cultura relatam que os Xetá, grupo indígena que habitava o noroeste paranaense, conhecida como a floresta tropical da Serra de Dourados, nas proximidades do município de Cruzeiro do Oeste, ao noroeste do estado do Paraná, conseguiram viver de forma mais isolada em suas terras até o início do século XX. Gradualmente, mas num curto espaço de tempo, o índice de extinção deste grupo foi notório.
Tendo sido retirados de suas terras e com isso negado o seu direito de posse, sofreram perseguição e morte, doenças e fome. Hoje, 2005, o número de Xetá foi reduzido a seis pessoas. Motivo? Ora, nada mais, nada menos que a colonização cafeeira calculada e empreendida por colonos em busca de riquezas e prosperidade nas maravilhosas terras férteis do Brasil da década de 1950.
Aproximadamente dos dez milhões de índios que havia aqui antes da colonização, restam apenas 345 mil índios, espalhados em 215 sociedades indígenas (dados levantados pela FUNAI – Fundação Nacional do Índio, acesso em 08 de set. e 20 de out. de 2005).
RERERÊNCIAS:
Sociologia / vários autores. – Curitiba: SEED-PR, 2006. – 266 p.
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