Aprendizagem e desenvolvimento são processos interligados e dependem tanto de elementos intrínsecos (internos) quanto extrínsecos (externos) do ser humano. Os fatores internos abrangem três aspectos que se inter-relacionam: o corpo enquanto um instrumento responsável pelos automatismos, coordenações e articulações, cujo organismo representa a infraestrutura que possibilita ao indivíduo perceber, registrar, reconhecer e gravar os diferentes estímulos que o cercam; as estruturas cognitivas responsáveis por organizar os estímulos transformando-os em conhecimento, representam o que está na base da inteligência; a dinâmica do comportamento, que diz respeito à capacidade do indivíduo atuar de modo dinâmico sobre a realidade que o cerca, produzindo mudanças em seu comportamento.
Os fatores externos são aqueles que dependem das condições oferecidas pelo meio no qual o indivíduo está inserido (PAÍN, 1985). A referida autora inscreve o processo de aprendizagem na dinâmica da transmissão da cultura, ampliando o sentido da palavra educação. Ressalta que a educação possui quatro funções:
- a) mantenedora/conservadora – reproduz as normas que regem as ações, garantindo a continuidade da espécie humana; transmissão da cultura;
- b) socializadora – por meio da língua, da cultura, do meio, transforma o indivíduo em sujeito que se identifica com o grupo e passa a internalizar seu conjunto de normas;
- c) repressora – utiliza-se de meios para garantir a manutenção do sistema que rege a sociedade conservando e reproduzindo as limitações existentes;
- d) transformadora – quando as contradições do sistema são percebidas e reconhecidas e os sujeitos adotam uma postura de enfrentamento dessas contradições, em que a aprendizagem se torna uma possibilidade libertadora.
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Neste sentido, a autora observa que o conhecimento é uma elaboração conjunta de quem ensina e de quem aprende, é construção e produção humana. Os processos de aprendizagem envolvem muitas variáveis, necessitando de um olhar mais amplo e atento a todos os fatores que os constituem. São complexos, pois envolvem questões cognitivas, psicológicas, materiais e humanas que são indissociáveis. De acordo com Paín, a aprendizagem não constitui uma estrutura, mas um lugar de articulação de esquemas.
Não ocorre de modo isolado, é abrangente por envolver “um momento histórico, um organismo, uma etapa genética da inteligência e um sujeito associado a outras estruturas teóricas”, que constituem material de estudo do “materialismo histórico, à teoria piagetiana da inteligência e à teoria psicanalítica de Freud” (PAÍN, 1985, pág. 15). Assim, a autora apresenta quatro dimensões que envolvem os processos de aprendizagem, conforme Figura 11
- A dimensão biológica – é o organismo, suas especificidades e a possibilidade de aprendizagem e construção de esquemas de ação sobre o mundo, bem como instrumentalidade para agir sobre ele;
- A dimensão cognitiva – a partir de uma estrutura orgânica inicial o sujeito constrói conhecimento, refere-se mais às construções da própria pessoa;
- A dimensão social – é composta pelo par ensino/aprendizagem em contextos específicos para cada sujeito, compreendendo todos os comportamentos destinados à transmissão cultural;
- A dimensão de aprendizagem como função do eu – que trata da constituição do sujeito (PAÍN, 1985).
De que maneira cada uma delas pode influenciar a aprendizagem?
A dimensão biológica do processo de aprendizagem refere-se ao organismo, suas especificidades e a possibilidade de aprendizagem e construção de esquemas de ação sobre o mundo, bem como instrumentalidade para agir sobre ele. Sobre este aspecto, Piaget aponta a existência de duas funções que são comuns à vida e ao conhecimento: conservação da informação e antecipação. A conservação da informação está relacionada à memória.
Num primeiro momento ocorre a aquisição de um determinado conhecimento para, posteriormente, ocorrer a conservação da aprendizagem adquirida. Piaget afirma que as informações adquiridas a partir do exterior ocorrem em função de algum marco ou esquema interno do indivíduo, podendo ser mais estruturado ou menos estruturado. Tal processo ocorre tanto para as aprendizagens mais complexas, como para as mais elementares.
Desse modo, por meio de um comportamento exploratório espontâneo que lhe é vital, o indivíduo cria condições para adaptar-se adequadamente às novas situações, conservando os esquemas anteriormente construídos. Piaget destaca que toda aprendizagem humana resulta de uma construção. “As estruturas do conhecimento apresentam a característica específica de serem construídas, motivo pelo qual não podem ser consideradas inatas, apesar do caráter hereditário da inteligência como aptidão do ser humano” (PAÍN, 1985, p. 16).
Essa construção necessita da experiência ou manipulação do ambiente, e do funcionamento interno do sujeito, os quais conduzem à gradual estruturação da coordenação de suas ações. Paín (1985) propõe a existência de três tipos de conhecimento que compreendem a dimensão biológica:
– Conhecimento das formas hereditárias – une as informações hereditárias do sujeito com as informações referentes ao meio no qual este sujeito atuará.
– Conhecimento das formas lógico-matemáticas – construído progressivamente, de acordo com as fases de equilibração crescente e por organização progressiva das ações realizadas com os objetos, porém, dispensando-os como tais.
– Conhecimento das formas adquiridas – as experiências que o sujeito realiza sobre o objeto lhe fornecem informações sobre suas características e propriedades.
O conhecimento das formas lógico-matemáticas e das formas adquiridas integram o funcionamento do conhecimento das formas hereditárias e complementam-se mutuamente, “já que, se por um lado, toda ação é ação sobre um objeto, por outro lado, esta ação se desdobra com certa organização, impressa no marco das estruturas lógicas que permitem uma correta leitura da experiência” (PAÍN, 1985, p.16).
Com base nos padrões biológicos e na epistemologia genética de Piaget , é possível perceber a existência de uma aprendizagem em sentido mais amplo, gerada pelo desdobramento funcional de uma atividade estruturante que constrói, de modo definitivo, estruturas operatórias esquematizadas durante tal atividade.
Também a existência de uma aprendizagem mais restrita que possibilita o conhecimento das propriedades e das leis de cada objeto particularmente, por meio da assimilação de tais estruturas que permitem uma organização compreensível do real.
A dimensão cognitiva do processo de aprendizagem, alude especificamente às questões psicológicas da aprendizagem. Referenciando P. Gréco, no Volume VII do Tratado de Psicologia Experimental, Paín diferencia 3 tipos de aprendizagem:
- O primeiro tipo de aprendizagem diz respeito aquele em que o indivíduo adquire um comportamento novo, adaptado às novas situações a que se expõe e corroborado pela experiência trazida a partir da tentativa e erro frente a uma situação até então desconhecida. A tentativa e erro não são ocasionais, mas dirigidas de modo que cada experiência seja favorável ao sujeito e conduza a uma aprendizagem, independentemente de ter alcançado êxito ou não.
- No segundo tipo há uma aprendizagem da regulação que conduz as transformações dos objetos e suas relações recíprocas. A experiência tem por função confirmar ou ajustar as hipóteses ou antecipações internas construídas pelo sujeito, a partir da manipulação dos objetos.
- O terceiro tipo é a aprendizagem estrutural que está vinculada ao surgimento das estruturas lógicas do pensamento, as quais permitem ao sujeito organizar uma realidade compreensível e cada vez mais equilibrada. Tais estruturas vão sendo construídas no decorrer de todo processo de aprendizagem, tendo a experiência a função de reavaliação permanente dos esquemas já construídos e ineficientes para determinadas transformações.
Paín (1985) utiliza como exemplo a experiência da conservação da quantidade de líquido para demonstrar como se processa a compensação intuitiva na criança, considerando que as respostas que a satisfazem aos cinco anos já não a satisfazem aos seis anos em decorrência das experiências que vivência, as quais lhe possibilitam modificar esquemas construídos e construir esquemas novos. Assim, as experiências promovem a aplicação da estrutura já construída à realidade e, ao mesmo tempo, cria novos esquemas, que de maneira coordenada permitem ao sujeito compreender sua realidade e possibilidades de transformação.
Interatividade: para saber mais sobre a experiência da conservação de líquidos assista: Vídeo 1: A criança ainda não atingiu o estágio de conservação. https://www.youtube.com/watch?v=soi4ZNtfc-s Vídeo 2: A criança atingiu o estágio de conservação https://www.youtube.com/watch?v=1UkLxwqjhFs
A dimensão social do processo de aprendizagem é tida como um dos polos que compõe o par ensino-aprendizagem, do qual decorre o processo educativo. Processo este que abarca os diferentes comportamentos necessários à transmissão da cultura, sejam os realizados nas instituições formais ou nas outras instituições que promovem a educação, entre elas a família.
Por meio da aprendizagem o sujeito histórico exercita, apropria-se e incorpora a cultura do grupo social a que pertence, demonstrada em comportamentos como: falar, cumprimentar, usar utensílios, fabricar artefatos, rezar, conforme a modalidade própria do seu grupo. Ou seja, adquire e desenvolve conhecimentos e comportamentos relativos às relações e convenções sociais vigentes no contexto do grupo, não apenas como produto das relações estabelecidas com os objetos e outras pessoas, mas como consequência de seu pertencimento a determinados grupos sociais (PAÍN, 1985; POZO, 2002).
Nesse sentido, educar significa ensinar, indicando, estabelecendo sinais e marcando comportamentos permitidos nesses grupos. Desse modo, o sujeito aprende como se comportar a partir de ações que desenvolvem e que reprimem, adequando-se às normas e às necessidades do grupo. Nesse movimento do construir, desconstruir, modificar, evoluir, a educação garante a continuidade do processo histórico e da sociedade.
Sob esta perspectiva, as aprendizagens humanas são consideradas aprendizagens sociais visto que se originam em contextos de interação social, e são culturalmente mediadas quando se utilizam da transmissão da cultura. Todavia, apesar do caráter social e coletivo, a assimilação e interiorização da cultura é um processo individual de cada aprendiz.
O processo de aprendizagem como função do eu. Os processos de aprendizagem também influenciam a constituição do sujeito. A educação permite ao ser humano manter a pulsão sob controle, permitindo empregarmos sua força em obras culturais. Aos poucos, a criança aprende a controlar a pressão dos impulsos por meio de formas de satisfação substitutivas que possibilitem intercalar a necessidade e o desejo.
Aprende a organizar informações sensoriais transformando-as em elementos utilizáveis que podem ser pensados, recordados e sonhados. Tais elementos agrupam-se de modo a formar uma barreira que protege a emoção da realidade e a realidade da emoção.
Paín (1985, p.19) aponta para dois tipos de elementos: os elementos alfa “são captados em uma experiência emocional e integrados ao conhecimento como partes da pessoa”, e os elementos beta que “entrariam no sujeito como coisas não-digeridas” e, como tal, formando uma base sem utilidade para imaginação e inteligência. Estes elementos formalizam a diferença entre o pré-consciente de representações, e de objetos inconscientes não verbalizados.
A função mediadora do ego permite a aceitação da realidade diante do princípio do prazer, pois sua capacidade de pensar possibilita discernir entre o que convém e o que não convém em cada situação, evitando, de maneira racional, a necessidade de reprimir. A capacidade de entender e memorizar da inteligência humana também é fundamental para que o homem possa deter sua demanda impulsiva.
A aprendizagem integra a educação e o pensamento em um só processo, uma vez que ambos se viabilizam na efetivação do princípio de realidade. Desenvolver a capacidade de resignação e de frustração é fundamental considerando que conhecer também implica um desconhecer.
É preciso prestar atenção ao “reverso da aprendizagem, isto é, ao que se oculta quando se ensina, ao que se desprende quando se aprende” (PAÍN, 1985, p. 19) Considerando os diferentes níveis de interpretação da realidade, compreender a aprendizagem como objeto único e científico é muito difícil, já que a síntese não se dá no nível teórico, mas no fenômeno.
O sujeito aprende que pertence a um grupo social particular, dotado de um equipamento mental determinado pela genética e cumprindo uma continuidade biológica funcional, e tudo isso para que consiga cumprir o destino de outro. Todavia, ainda permanece um ser inacabado, em constante construção.
Título : Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem
Autoras : Josieli Piovesan, Juliana Cerutti Ottonelli , Jussania Basso Bordin e Laís Piovesan
Fonte: Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem [recurso eletrônico] / Josieli Piovesan … [et al.]. – 1. ed. – Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.
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material muito bem explicitado e de grande valia para minha prática.