Contextualizando a Psicologia

Ao iniciarmos o estudo da Psicologia é pertinente esclarecermos os diferentes significados que o termo abrange e situar em torno de qual se dará este livro. Muito provavelmente você já utilizou ou já ouviu alguém usando o termo psicologia. Talvez tenha dito a algum amigo que ele precisa usar da psicologia para convencer os pais a autorizarem que vá numa festa. Talvez tenha pensado que um amigo age como psicólogo porque te escuta ou te dá conselhos.

Tanto no primeiro quanto no segundo exemplos podemos dizer que o emprego dos termos psicologia/psicólogo estão alicerçados no que chamamos de psicologia do senso comum. Por senso comum entende-se o conjunto de saberes que as pessoas utilizam no seu dia a dia. Ele é o resultado de experiências vividas, do que se observa, do que se aprende com outras pessoas no cotidiano, etc. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

A psicologia do senso comum é um emaranhado de saberes construídos socialmente e transmitidos culturalmente no intuito de explicar como o ser humano funciona em seus aspectos psíquicos. E se ela existe é porque cumpre uma função na vida das pessoas. De modo geral, poderíamos dizer que a psicologia do senso comum contribui para a atribuição de um significado às situações da vida e também na tomada de decisões, na medida em que embasa as ideias, as opiniões e as crenças individuais e grupais.

Por outro lado, mas não de maneira antagônica, temos a psicologia como ciência ou ciência psicológica. Dentre outras características, o conhecimento científico é aquele constituído por rigorosos estudos, faz uso de linguagem precisa e objetiva, é passível de verificação e busca minimizar a interferência dos aspectos emocionais (incluindo crenças e opiniões) do pesquisador. Por maiores que sejam as dessemelhanças entre o conhecimento do senso comum e o conhecimento científico, ambos têm entre si uma relação decodependência.

O conhecimento do senso comum contribui com a evolução da ciência, uma vez que são as situações cotidianas, as problemáticas do dia a dia, que inspiram novos estudos e movimentam a ciência, tornando-a sempre dinâmica. Ao mesmo tempo, o conhecimento do senso comum é, em partes, constituído pela apropriação de saberes ou termos da ciência.

Ou seja, muitos saberes populares têm um fundamento científico, mas não são compreendidos em sua totalidade, ou então, passaram por variações no seu entendimento em função de elementos culturais, religiosos, entre outros (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

Um exemplo é o termo “psicopata”, você já deve ter visto uma pessoa chamando outra de psicopata por fazer algo que considerou cruel ou mal-intencionado. Provavelmente esta pessoa se baseou em algum conhecimento científico, mas não compreende o significado da palavra de maneira mais profunda e complexa. Ou seja, ela tem algum entendimento do que o termo significa, mas não está preocupada com o rigor que um diagnóstico profissional exige, nem compreende a psicopatia de modo científico.

Além disso, no seu entendimento, é possível que haja interferência de aspectos morais ou religiosos, algo que a ciência procura evitar. Isso não quer dizer que o conhecimento do senso comum seja inferior, ele é apenas um conhecimento diferente, construído de modo distinto. Um outro exemplo, que pode auxiliar na compreensão desta diferença, é o caso de uma estudante que compreende que a repetição é importante para a memorização de uma informação, mas ela não sabe explicar por que isso acontece, desconhece os fenômenos cerebrais envolvidos neste processo.

Essa explicação detalhada e rigorosa é função da ciência. Para a ciência não basta saber que é assim, deve-se compreender o porquê das coisas. Algumas das diferenças entre a psicologia do senso comum e a psicologia como ciência estão apresentadas no quadro 1.

Contextualizando a Psicologia

Toda ciência tem seu objeto de estudo, que é aquilo sobre o qual irá se debruçar para conhecer melhor. No caso da Psicologia essa definição não é tão simples por razões que poderemos compreender melhor ao estudarmos um breve histórico do surgimento desta área do conhecimento.

Considerações sobre a história da Psicologia e seu(s) objeto(s) de estudo

A história da Psicologia pode ser contada a partir de dois momentos distintos. Se nos referirmos à psicologia como ciência, seu início será em 1879, na Alemanha, com Wilhelm Wundt. Por outro lado, se considerarmos as primeiras tentativas de sistematizar os conhecimentos sobre as questões psíquicas, teremos de partir da filosofia grega.

A história da Psicologia: filósofos gregos

O termo psicologia tem origem em duas palavras gregas: psyché (alma) + logos (razão). De tal modo, a psicologia seria o “estudo da alma”. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2008, p. 33), para os filósofos gregos “A alma ou espírito era concebida como a parte imaterial do ser humano e abarcaria o pensamento, os sentimentos de amor e ódio, a irracionalidade, o desejo, a sensação e percepção.”.

Conforme os autores, Sócrates (469-399 a.C.) foi o responsável por impulsionar as ideias sobre o mundo psicológico por meio do estudo da razão, compreendi[1]da como a essência do humano, aquilo que o difere dos animais. Posteriormente, Platão (427-347 a.C.) dedicou-se a desvendar a parte do corpo que abrigaria a razão e defendeu a imortalidade da alma e sua separação em relação ao corpo.

Aristóteles (384-322 a.C.), por sua vez, entendeu a alma como pertencente ao corpo e defendeu seu caráter de mortalidade. Deste modo, pode-se perceber que 2.300 anos antes do advento da psicologia científica já existiam estudiosos que se dedicavam à compreensão do mundo psíquico. Com a queda do Império Romano e o início da Idade Média, as teorias acerca dos fenômenos psíquicos passaram a ter forte influência da religiosidade, uma vez que a Igreja Católica era detentora de grande poder.

Santo Agostinho (354- 430) e São Tomás de Aquino (1225-1274) podem ser mencionados como dois pensadores que marcaram esta época. Suas ideias mantinham grande ligação com questões divinas e dogmas da Igreja. Após este longo período (Império Romano e Idade Média), em que os conhecimentos psicológicos estiveram atrelados aos saberes religiosos, inicia-se uma época marcada por importantes transformações, o Renascimento ou Renascença.

Inaugurado no século XIV, este movimento constituiu-se por meio de mudanças significativas em diversas áreas (artes, política, etc.) e um avanço na produção do conhecimento. Leonardo da Vinci (1452-1519), William Shakespeare (1564-1616), Galileu Galilei (1564-1641) e René Descartes (1596-1650) foram estudiosos que marcaram esta época.

O último, em especial, é considerado por muitos o precursor da filosofia moderna ao postular que o ser humano possui uma parte material (corpo) e uma parte pensante (mente, alma, espírito). Tal concepção possibilitou o estudo do corpo humano após a morte, propiciando grandes avanços nos estudos da anatomia e fisiologia, áreas de grande relevância na construção das teorias psicológicas. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008).

Saiba mais:

Descartes cunhou a frase “Penso, logo existo”. Para elucidá-la, podemos nos valer do trecho do livro “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder (2012, p. 258): “Então concluiu que se havia algo de que podia ter certeza era o fato de que duvidava de tudo. Entretanto, quando duvidamos de algo, podemos ter a certeza de que estamos raciocinando e, quando raciocinamos, temos a garantia de que somos seres pensantes”. O referido livro trata da história da Filosofia, utilizando-se de elementos literários, o que o torna bastante atrativo ao leitor. Recomendamos!

Os valores e a visão de mundo apresentados no Renascimento foram promovendo transformações socioculturais que culminaram na criação da ciência psicológica. Conforme Bock, Furtado e Teixeira (2008), deve-se considerar como relevantes para a origem da Psicologia Científica: a crescente valorização da ciência enquanto modo privilegiado de dar conta das demandas apresentadas pela nova ordem social (capitalismo); a importância crescente das questões individuais/pessoais, também permeadas pelos ideais capitalistas; e a perda de referências ocasionada pelo enfraquecimento da influência da Igreja Católica na vida das pessoas.

Assim, os humanos passavam a ter a necessidade de construir uma ciência que estudasse e produzisse visibilidade para a experiência subjetiva. Surge assim a Psicologia. A Psicologia é produto das dúvidas do homem moderno, esse humano que se valorizou enquanto indivíduo e que constituiu como sujeito capaz de responsabilizar-se e escolher seu destino. A Filosofia que até então tinha algo a dizer sobre essas experiências e a Fisiologia que podia estudar cientificamente as sensações, fonte da subjetividade humana, se reúnem como pensamentos para fundar, no final do século XIX, a Psicologia. (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008, p. 40)

Desse modo, os indivíduos passaram a ser considerados responsáveis pelos seus próprios destinos, precisavam tomar decisões, encontrar sozinhos algumas respostas, o que costuma ser altamente angustiante.

Título : Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem

Autoras : Josieli Piovesan,  Juliana Cerutti Ottonelli , Jussania  Basso Bordin e Laís Piovesan

Fonte: Psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem [recurso eletrônico] / Josieli Piovesan … [et al.]. – 1. ed. – Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.

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