Elementos para uma política de Interação Escola-Família

Elementos para uma política de Interação Escola-Família

Pensando estrategicamente a Interação Escola-Família

Os argumentos sobre a importância e necessidade do trabalho integrado entre essas duas instituições são tão numerosos que, muitas vezes, nos esquecemos de fazer algumas perguntas simples, porém fundamentais:

AS ESCOLAS PODEM TRABALHAR SEM AS FAMÍLIAS?

É claro que o trabalho conjugado entre as duas instâncias socializadoras favorece o desenvolvimento integral (incluindo a carreira escolar) das crianças e adolescentes. Mas não podemos esquecer que, sendo o Estado o responsável primário pela educação pública, deve procurar meios para priorizar e garantir esse direito.

Ou seja, o sistema de ensino que deposita todas suas expectativas ou a culpa dos resultados escolares de seus alunos exclusivamente na família está de alguma forma renunciando a sua missão. O dever da família quanto à educação escolar obrigatória é matricular e enviar regularmente seus filhos às escolas.

O não cumprimento deste dever caracteriza negligência passível de punição legal. É preciso que as escolas conheçam as famílias dos alunos para mapearem quantas e quais famílias podem apenas cumprir seu dever legal, quantas e quais famílias têm condições para um acompanhamento sistemático da escolarização dos filhos e quantas e quais podem, além de acompanhar os filhos, participar mais ativamente da gestão escolar e mesmo do apoio a outras crianças e famílias.

É nesse sentido que a interação com famílias para conhecimento mútuo destaca-se como uma estratégia importante de planejamento escolar e educacional. O levantamento sistemático de informações objetivas sobre os recursos e as atitudes das famílias frente à escolarização dos filhos deve substituir ações baseadas em suposições genéricas do que, em tese, toda família deveria fazer para o bom desenvolvimento dos filhos.

De novo, temos que passar da “família esperada” à “família real” para traçar estratégias mais eficazes visando o envolvimento familiar na vida escolar dos alunos. Uma política ou programa de interação escola-família é uma forma de estabelecer uma racionalidade produtiva para essa delicada relação, de modo a tirá-la tanto do lugar de bode expiatório – situação na qual a ausência das famílias é, reiteramos, motivo alegado para os maus resultados da rede de escolas –, quanto do otimismo ingênuo – segundo o qual basta haver vínculos amistosos entre professores, gestores, mães, avós e demais parentes para se julgar que há complementaridade entre os dois universos de referência das crianças.

UMA POLÍTICA PARA QUÊ?

Guiada pelos princípios já expostos, a política de interação deve estar alinhada com objetivos gerais, tais como:

  • Garantir aos alunos o direito a educação de qualidade e a salvo de toda forma de negligência e discriminação;
  • Promover ensino de qualidade, compreendendo e incluindo o contexto familiar e social do aluno no processo educativo;
  • Conhecer as situações das famílias dos alunos, buscando envolvê-las, na medida de suas possibilidades, na educação escolar dos filhos.

O que a interação com as famílias tem a ver com a qualidade de ensino-aprendizagem?

Recuperando a ideia de que a relação escola-família começa pelo tratamento que é dado aos alunos em sala de aula, vemos que as iniciativas de interação podem ter conexão direta com as práticas pedagógicas propriamente ditas. Independentemente da estratégia de aproximação das escolas dos contextos familiares dos alunos, é importante que ela seja pensada para incidir diretamente no conhecimento que a escola tem sobre as condições de apoio educacional que cada aluno tem na dinâmica do seu grupo familiar.

Ao conhecer as condições reais das famílias – simbólicas e materiais –, as escolas conseguem delimitar melhor o seu espaço de responsabilidade específica e planejar de forma mais concreta os apoios necessários para o grupo de alunos cujas famílias não têm condições (mesmo que temporariamente) de se envolver na escolaridade dos filhos.

Além disso, quando os alunos percebem que seus professores os conhecem, sabem com quem moram, em que situação vivem, sentem-se mais seguros para expressar seus medos e dúvidas na sala de aula. Esse conhecimento pode vir por meio de visita domiciliar, realizada pelo próprio professor ou outro agente educacional, por informações organizadas via questionário, pela presença de pais nos espaços escolares e mesmo por atividades realizadas diretamente com os alunos.

Muitos professores ouvidos nesse estudo afirmam que, ao verem com mais nitidez a realidade de alunos, modificavam sua interpretação sobre seu comportamento em sala de aula, deixando de lado a expectativa de aluno ideal e abraçando o aluno real. Vários exemplos apareceram nos municípios visitados. Em um deles, uma professora relatou que tinha dificuldades para lidar com um aluno que atrapalhava o ritmo dos colegas: ficava sempre brincando, circulando pela sala, e não se concentrava nos seus afazeres.

Quando conversou com sua mãe, se deu conta de que ele tinha uma série de atribuições domésticas e era responsável, na ausência dos adultos, pelos irmãos mais novos. Assim, o único espaço que ele tinha para relaxar e ser criança era a escola. Numa outra história, a professora de educação física contou que não conseguia envolver vários de seus alunos nas atividades de dança. Ela argumentava com a turma o quanto soltar o corpo era bom e prazeroso e tinha como resposta os olhares desconfiados de boa parte da turma.

Quando se aproximou das famílias, percebeu que a orientação religiosa da maioria das mães e pais pregava que a dança era um ato pecaminoso. Assim, a professora percebeu que, ao insistir na atividade, gerava um sério conflito moral em seus alunos. Os exemplos acima sinalizam que uma compreensão mais apurada das condições de vida e da cultura dos alunos pode gerar mudanças produtivas no planejamento pedagógico e na relação professor-aluno. Este ponto merece especial atenção, pois, desde o fim dos anos 1960, pesquisas já constatavam que as expectativas dos docentes funcionam como uma profecia autorrealizadora para seus alunos.

A profecia autorrealizadora, também conhecida como efeito pigmaleão, foi fundamentada por Rosenthal e Jacobson (1968)22. O estudo mostrou que os professores tendem a tratar os alunos conforme expectativas prévias que terminam por influenciar o desempenho efetivo dos estudantes. Por exemplo, um professor classifica um aluno como desatento e passa então a agir em relação a este aluno sempre segundo este pensamento. Com o tempo, o aluno acaba se convencendo de que é mesmo desatento, intensificando comportamentos nesse sentido.

Se a percepção de um professor sobre cada um de seus alunos é decisiva para a promoção de uma boa relação escola-aluno, um diagnóstico baseado em suposições e não em evidências sobre os fatores que estão interferindo nos problemas de aprendizagem pode gerar intervenções pedagógicas pouco eficazes e com resultados possivelmente desastrosos.

Além disso, os julgamentos escolares costumam influenciar a expectativa das famílias – o que, por sua vez, impacta consideravelmente as chances de uma criança, adolescente ou jovem ter sucesso como aluno. O círculo vicioso se quebra quando “a escola abraça até o mau aluno”, como disse uma coordenadora pedagógica entrevistada. A interação com as famílias nos moldes como estamos concebendo aqui é recente na história da educação brasileira, por isso ela requer mudanças de mentalidade de todos os envolvidos.

Segundo várias pesquisas, as escolas frequentemente representam as famílias como uma extensão de si mesmas, sem perceber as diferenças de lógica de um espaço a outro. Esse traço, de colocar a lógica da instituição escolar no centro do diálogo, é chamado escolacentrismo e costuma impedir que os agentes escolares escutem e compreendam o ponto de vista das famílias.

O estudo Participación de las familias en la educación infantil latinoamericana24 destaca alguns fatores que costumam inibir uma boa interação com algumas famílias. Todos esses fatores podem, de alguma forma, ser relacionados com a ideia de “escolacentrismo”:

  • Os professores sentem-se incomodados quando os pais opinam na área que julgam de sua competência exclusiva. Não veem importância ou não acreditam que as famílias possam participar dessa relação de contornos mais pedagógicos.
  • Educadores culpam a família pelas dificuldades apresentadas pelos alunos e alunas. É comum ouvir: a mãe não se preocupa, abandona o filho, não estabelece limites em casa.
  • Professores criticam os pais (principalmente as mães) por não ajudarem no dever e nos pedidos da escola, ignorando as mudanças do papel da mulher na sociedade. Assim, o aluno que se apresenta sem o apoio do adulto é desprestigiado em sala de aula e tende a piorar seu rendimento.
  • Gestores e docentes desqualificam aspectos da cultura familiar sem sequer conhecer o sentido das práticas, o espaço e a rotina familiar.
  • A escola persiste com atividades dirigidas a modelos de famílias tradicionais, apesar das mudanças na sociedade.
  • A escola mantém a mesma rotina de reuniões, oficinas, palestras e atividades, sem consultar os pais sobre temas de seu interesse, necessidade e horários adequados.

A identificação das práticas e atitudes que distanciam as famílias de um diálogo focado no desenvolvimento escolar dos seus filhos é importante para, por exemplo, rever os conteúdos de formação dos docentes, reorganizar a forma como as escolas convocam e recebem familiares dos alunos, repensar as instâncias de participação na gestão da escola, entre outras providências.

QUEM PROPÕE A POLÍTICA?

Ao considerarmos as instituições escolares como iniciadoras do movimento de aproximação com as famílias, as orientações aqui contidas se dirigem prioritariamente aos gestores educacionais, gestores escolares e professores. Embora tenhamos encontrado experiências interessantes acontecendo em escolas, percebemos que a interferência direta ou a liderança da Secretaria de Educação aumenta as chances de sucesso de um programa de interação.

Além disso, é importante que a política conte com a participação da sociedade, representada, por exemplo, pelo Conselho Municipal de Educação, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente etc.

UMA POLÍTICA COM QUEM?

A experiência tem mostrado que, quando a escola vai ao encontro das famílias dos alunos, principalmente quando há contato direto como nas visitas domiciliares, os educadores se deparam com situações e demandas de várias ordens: alcoolismo, vício em drogas, violência, precariedade das condições das moradias, necessidade de atendimento médico, trabalho infantil doméstico etc.

Esses problemas extrapolam a função dos educadores e, muitas vezes, causam-lhes uma sensação de impotência que os fragiliza emocionalmente. Não se espera que a Educação resolva todos os problemas sociais. A Assistência Social do município geralmente tem a atribuição de formar a Rede de Proteção Integral para crianças e adolescentes, conforme prevê o ECA.

As Secretarias de Educação e as escolas são uma parte estratégica desta rede de proteção, especialmente porque têm contato cotidiano com as crianças e jovens e, por meio deles, também com suas famílias. O papel dos agentes educacionais é identificar as demandas e encaminhá-las aos serviços de apoio social existentes no município/bairro, estruturados especificamente para as necessidades não escolares, por exemplo: grupos de alcoólicos anônimos, programas de erradicação de trabalho infantil, serviços de saúde etc.

Ou seja, é preciso que os gestores e demais responsáveis pela educação tenham uma visão intersetorial. No desenho de políticas e ações intersetoriais, a coordenação costuma ficar a cargo do prefeito municipal, já que exerce poder de articulação entre os diversos setores governamentais e pode ainda mobilizar organizações não governamentais, meios de comunicação e a população em geral.

Essa liderança é um respaldo fundamental e até mesmo um pré-requisito para desencadear as ações multissetoriais necessárias ao desenvolvimento de uma política educacional de interação responsável e eficiente. Significa dizer que, se dos prefeitos espera-se o papel de coordenador das políticas intersetoriais, do gestor educacional esperam-se iniciativa, disposição e capacidade de articulação horizontal com seus pares da Saúde, Assistência Social etc., pois muitas vezes é necessário agilidade para que os problemas sociais não se alojem apenas nos estabelecimentos de ensino. Como alertam os estudos de casos de articulação intersetorial, a construção de compromissos comuns a partir de referências disciplinares, técnicas, políticas e de foco distintos é um grande desafio.

Apesar das dificuldades, constata-se que se a colaboração de vários setores é bem-sucedida, ela oferece uma série de vantagens para a população tais como: aumenta o conhecimento e a compreensão entre os setores; evita superposição de funções que geram rivalidades; ajuda a estabelecer uma matriz de papéis e responsabilidades; assegura o planejamento baseado no conhecimento ampliado das necessidades da comunidade; e disponibiliza para o público informações mais coerentes e uniformes.

Programas como o Bolsa Família, de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), Saúde na Família (PSF), Saúde na Escola (PSE), entre outros27, são exemplos de aplicação da estratégia intersetorial em interface com a educação. Tal estratégia é reforçada pela Diretriz XXIV do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação do PDE – “integrar os programas da área da educação com os de outras áreas como saúde, esporte, assistência social, cultura, dentre outras, com vista ao fortalecimento da identidade do educando com sua escola”.

Teresina decidiu encarar o desafio da intersetorialidade – tarefa que já se consolida em outras capitais, como Belo Horizonte (MG), como veremos a seguir. Em outubro de 2008, os principais gestores municipais de Teresina – pedagogos, médicos e assistentes sociais – estavam se transferindo para o mesmo prédio para facilitar o trabalho conjunto. O município havia realizado também nessa época um inédito Ciclo de Oficinas de Integração entre esses profissionais, para organizar a rede de proteção social.

A proposta é construir um planejamento conjunto de atendimento às famílias, por território. A iniciativa tem o nome de Ciclo de Oficinas de Articulação e Integração das Ações dos Centros de Referência da Assistência Social (Cras) com as Políticas de Educação e Saúde. Resultou da parceria entre a Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Semec), a Secretaria Municipal do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (SEMTCAS) e a Fundação Municipal de Saúde (FMS).

A expectativa é que, ao fazer o encaminhamento familiar para a rede de proteção social, a escola estará também garantindo as condições de educabilidade de seus alunos. Com 177 mil alunos e 118 mil famílias, Belo Horizonte (MG) consolidou nos últimos anos, a partir da criação do Programa Família-Escola, ações integradas no território. São quatro grandes linhas de atuação: controle da frequência escolar, transferência de renda, promoção da saúde e mobilização social.

Essa estratégia orienta a descentralização em administrações regionais, a formação dos gestores escolares – para se verem como agentes de ações intersetoriais –, e chega até as crianças de muitas formas. Um exemplo de desdobramento possível de um olhar mais de perto e em conjunto sobre cada aluno  é o fornecimento de merenda diferenciada para os alunos com problemas metabólicos, alérgicos ou outros.

Numa articulação entre as Secretarias de Abastecimento, Saúde e Educação, alunos com restrições alimentares foram identificados e passaram a ter um cardápio montado exclusivamente para eles. A dieta passou também a fazer parte do planejamento e da distribuição alimentar nas escolas. Assim, os alunos se sentem incluídos e atendidos nas suas necessidades específicas.

A Secretaria Municipal de Educação (SMED) apoia, além das atividades internas a cada escola, o Fórum Família-Escola – encontros nos quais os familiares expõem suas dúvidas, queixas e sugestões sobre a educação e a escola de seus filhos. Todas as famílias também recebem trimestralmente o Jornal Famíla-Escola e contam com o serviço de relacionamento por telefone chamado Alô, Educação! Todas essas atividades orientam-se, segundo a SMED, para criar uma rede de colaboração, diálogo e parceria entre famílias, escolas, comunidades e serviços públicos, garantindo não só a permanência dos alunos em sala de aula, mas também o aprendizado de crianças, adolescentes e jovens.

UMA POLÍTICA COM QUE RECURSOS?

Sabemos que a descontinuidade dos programas na mudança de gestores públicos é um problema grave na gestão educacional. Quando a política envolve custos elevados, fica mais vulnerável a cortes orçamentários. Nas experiências visitadas para esta pesquisa, os recursos materiais e humanos necessários para implementar ações dependiam diretamente da estratégia de aproximação com as famílias.

Encontramos iniciativas com custo mínimo, apenas com a cessão de técnicos da SME para acompanhar esporadicamente os trabalhos nas escolas. Já as iniciativas que incluíam visitas domiciliares contavam com a provisão de recursos para custear os deslocamentos e o trabalho dos agentes educacionais.

A frequência e abrangência dessas visitas definem o custo do programa. Chama atenção a existência de decretos municipais amparando legalmente esse tipo de função. Esse procedimento institucional fortalece as ações de interação escola-família, tornando-as menos sujeitas a mudanças conjunturais.

Além dos encontros diretos com familiares, é preciso prever recursos e prazos também para atividades de formação dos profissionais de educação envolvidos, e também para reuniões periódicas de troca de experiências, cursos ou outras atividades de formação continuada, reuniões ou fóruns de pais, além da avaliação dos resultados e replanejamento das ações. Em municípios maiores, publicações enviadas às casas das famílias, fórum de pais, serviços de ouvidoria (0800), programas de rádio e outras estratégias de comunicação também foram localizadas.

Pensando a Operacionalização do Programa/Política (FORMAS DE ATUAÇÃO DA SME JUNTO ÀS ESCOLAS)

Sabemos que nem todos os programas educacionais começam com um projeto escrito, mas em algum momento seus proponentes percebem a importância e a necessidade de colocar as ideias no papel. Pode acontecer também que, depois de implementado, um projeto ou programa passe a ser uma atividade permanente, um eixo transversal do trabalho escolar/educacional.

No levantamento realizado, encontramos projetos criados por iniciativa de uma ou mais professoras, projetos elaborados por SMEs, assim como outros originados pela pressão da comunidade local que, com o tempo e os bons resultados, acabaram virando política municipal.

DO NÃO ESCRITO A UMA POLÍTICA MUNICIPAL

Itaiçaba é uma pequena cidade do Ceará com apenas 2.500 alunos, distribuídos em sete escolas municipais e uma estadual. Dividem as mesmas salas de aula da rede pública os filhos de trabalhadores do campo e de fazendeiros, de comerciários e comerciantes, das domésticas e das professoras, dos dirigentes e dos funcionários municipais.

Há dois anos, não só os filhos, mas também os pais e os parentes começaram a frequentar todos os dias a escola, dispostos a contribuir como pudessem para diminuir os altos índices de evasão, de repetência e absenteísmo verificados no município.      A ideia de chamar os pais para a escola não estava escrita em lugar algum. Partiu da Secretaria Municipal de Educação a iniciativa de reunir as famílias para algo além da divulgação periódica dos boletins.

O primeiro encontro para propor uma parceria escola-família ocorreu na escola Dom Aureliano Matos, na zona rural. A reunião, descrita como descontraída e prazerosa, terminou com oito mães se prontificando para irem diariamente à escola. Basicamente, sentiram-se capazes de realizar as seguintes atividades: organizar brincadeiras com as crianças na hora do recreio, ajudar no reforço escolar do contraturno e levar um grupo de crianças para casa para que fizessem juntas o dever.

Nas outras escolas, o mesmo processo foi se repetindo: além de pais e mães, avós, tias e primas mais velhas foram se apresentando à escola como responsáveis pelos alunos e se colocando à disposição para ajudar, dentro de suas possibilidades e horários. Já havia algum tempo que os adultos podiam ser vistos nos pátios e salas de aula das escolas quando o projeto Família Presente, Aluno Ideal foi escrito. Ele passou então a ser apresentado nas igrejas, quadras, auditórios e divulgado por um grupo de alunos por meio da Rádio Itinerante, espaço semanal dos alunos na rádio comunitária local, nas sete escolas municipais.

Em Itaiçaba, os envolvidos no projeto veem muitos benefícios. “Eu estudo mais porque minha mãe está ali me olhando e ajudando a professora”, disse um aluno. “Até a merenda está melhor”, completa uma mãe. “Eu vi quando minha filha aprendeu a ler e escrever as primeiras palavras”, testemunhou um pai emocionado. O projeto produziu ainda efeito cascata, ativando e revitalizando outras ações no ambiente escolar.

Um desses programas é o Laboratório de Redação, onde pais, mães, alunos e professores escrevem sobre temas eleitos em conjunto e debatem semanalmente suas produções. Depois do Laboratório de Redação, a visita dos alunos à Biblioteca Pública, uma iniciativa do Governo do Estado denominada Amigos da Leitura, virou programa familiar.

Junto com as professoras, seguem para a biblioteca pais, mães, avós, tias, primas, irmãs mais velhas. Não só para ouvir a leitura das crianças, mas também para desfrutar, em sossego, de um bom livro.

A experiência de Itaiçaba tem um contexto muito particular de envolvimento comunitário que facilitou a mobilização espontânea de pais e mães e a abertura completa das escolas a sua participação em todos os espaços. Essa não é uma estratégia simples de se implantar nem livre de problemas de delimitação de competências entre professores e familiares sobre a tarefa de ensino. No entanto, naquele município, essa experiência tem sido um estímulo para a renovação das práticas pedagógicas e, junto com uma série de outros programas de formação, avaliação e fortalecimento da gestão, tem contribuído para a melhoria dos indicadores educacionais.

As experiências identificadas neste estudo foram implantadas pelas SMEs de duas formas básicas. Na primeira, a Secretaria, ouvindo as equipes escolares, elaborou o projeto e apresentou-o às escolas para que manifestassem o interesse em aderir a ele. Dependendo do porte da rede, pode ser necessário dimensionar a proposta fazendo um projeto piloto, envolvendo poucas escolas e, depois de analisar os resultados, ampliar para as demais.

Neste e em outros casos de seleção de escolas, os técnicos da Secretaria elaboram critérios para priorizar os estabelecimentos de ensino que têm problemas mais agudos relacionados à aprendizagem, abandono ou vulnerabilidade das condições de vida dos alunos. Na segunda, a SME constata que as escolas já estão desenvolvendo, por conta própria, ações de interação com as famílias de seus alunos e resolvem apoiá-las. Implantam uma coordenação técnica para que os projetos não ocorram de forma isolada e mantenham suas especificidades.

Este é o caso de Itabuna (BA), que tem a integração escola-família como uma política pública aplicada nas 127 escolas urbanas e 37 rurais que compõem a rede. Cada escola apresentou uma proposta e a SME designou três coordenadoras, dentro da gerência de ensino básico, para cuidar da interação com a comunidade, além de organizar uma coordenadoria exclusiva das relações escolas-famílias. Sudmenucci (SP), cuja rede é constituída de apenas sete escolas, também preferiu não ter um projeto único e sim apoiar os projetos de cada escola.

Seja qual for a opção, uma aprendizagem importante é que essa política não pode ser imposta. As Secretarias precisam informar e dar condições para que as escolas se posicionem. Antes de aderirem, os gestores escolares devem avaliar sua relação com as famílias de seus alunos e com a comunidade do entorno, sua estrutura funcional e, principalmente, o engajamento de seus profissionais na proposta.

Essa não é uma política sem riscos que possa ser executada de forma burocrática. Como a base de uma boa interação é a relação de confiança, se os compromissos subjacentes a esta política não forem bem compreendidos, ela pode gerar o efeito inverso ao pretendido, ou seja, afastar ainda mais o universo escolar do universo familiar de referência dos alunos.

FORMAS DE APROXIMAÇÃO DAS ESCOLAS EM DIREÇÃO ÀS FAMÍLIAS

No levantamento que fizemos, encontramos diversas estratégias de aproximação dos agentes escolares das famílias dos alunos. Essa diversidade de estratégias nos parece válida e necessária num país tão plural quanto o nosso. É importante pensar nos riscos e possibilidades de cada uma dessas estratégias. Em alguns lugares, os professores fazem visitas se deslocando até o domicílio dos alunos. Em outros, quem está encarregado da visita domiciliar é o agente da educação.

Essas visitas precisam ser bem preparadas e são atividades formadoras muito importantes. No entanto, questiona-se até que ponto os professores, que já têm uma vida profissional tão atribulada, têm condições de assumir mais essa função e até que ponto ela deveria fazer parte de suas atribuições profissionais. No debate da versão preliminar deste documento, que contou com a participação de professores, coordenadores e diretores escolares, as vantagens desse tipo de ação foram consideradas mais relevantes quando ela é percebida como estruturante do planejamento do trabalho pedagógico com os alunos.

Inversamente, se esta ação não está articulada com os demais programas da Secretaria e da escola, ela foi considerada pouco importante. Deve-se observar que outras políticas setoriais também costumam utilizar a estratégia da visita – o que pode acabar sobrecarregando o mesmo grupo familiar com perguntas, tarefas e orientações diversas. Há riscos de se gerar procedimentos duplicados, confusos e ineficazes.

Nesse sentido, ouvimos sugestões de formar os agentes do Programa Saúde da Família como parceiros da Educação para, por exemplo, verificar motivos de infrequência escolar. Além disso, fatores como a distância da casa dos alunos, risco de circulação em áreas inseguras, são reais e precisam ser levados em consideração ao se optar pela visita domiciliar. Algumas Secretarias criaram serviços especiais, com psicólogos e assistentes sociais, encarregados de fazer a ponte entre as escolas e as famílias.

A vantagem alegada é que estes profissionais têm uma formação mais adequada para a aproximação domiciliar e conseguem mediar relações tensas entre famílias e escolas. A desvantagem é que geralmente esses profissionais são pouco numerosos e não conseguem cobrir o universo das famílias. As informações coletadas por eles não são também imediatamente repassadas às escolas e professores. Em redes maiores, os mecanismos para falar e ouvir as famílias incluíram fóruns, serviços de telefone gratuito e publicações distribuídas em domicílio.

Vimos também iniciativas nas quais os familiares dos alunos se fazem presentes em vários espaços escolares: auxiliam no recreio, apoiam os professores em sala de aula, abrem suas casas para a realização de reforço escolar para seus filhos e vizinhos etc. É importante salientar, conforme indicam outras pesquisas, que a participação das famílias nas atividades escolares pode gerar conflitos com professores, que veem suas salas de aula ocupadas por adultos que não têm as mesmas responsabilidades institucionais nem a formação requerida para desempenhar funções de ensino.

Além disso, a presença voluntária de mães e pais no cotidiano escolar tem de respeitar a disponibilidade destes para não gerar uma pressão extra sobre a carga de responsabilidades parentais. Na experiência de Itaiçaba, no entanto, como esta aproximação foi feita de forma paulatina e fruto da boa relação escolacomunidade, os efeitos dessa presença foram relatados como benéficos para alunos, responsáveis e docentes.

Seja qual for a estratégia de aproximação, é fundamental preparar todos os profissionais envolvidos no programa para que atuem com segurança. Para isso, o dirigente municipal e sua equipe técnica devem estruturar linhas de formação continuada31, apoio e monitoramento das atividades que serão planejadas e executadas pelos professores e gestores escolares. Algumas decisões prévias são definidoras do escopo do plano de ação.

Por exemplo: numa ação de aproximação com as famílias, todos os alunos serão contemplados? Comparando as experiências, concluímos que, desde que as famílias permitam32, todas devem ter a oportunidade de um encontro no qual possam se apresentar e conhecer melhor o ambiente e as pessoas encarregadas da formação escolar de seus filhos. Esse é o momento para a família se dar a conhecer.

Observamos que, quando a aproximação está ligada apenas a problemas como infrequência, evasão e mau desempenho, ela ganha uma conotação negativa que estigmatiza os alunos visitados e faz com que os demais não queiram os agentes escolares em seus lares. Pais e mães, quando sentem que a escola só pensa na repreensão, costumam se afastar do ambiente escolar.

Como a experiência mais sistematizada que encontramos foi a de Taboão da Serra (SP), que está em vigor há mais de cinco anos, disponibilizamos a seguir um exemplo mais operacional da estratégia de aproximação escolhida, que no caso se realiza por meio da visita domiciliar realizada por professores a todos os alunos. Ressaltamos, mais uma vez, que essa é apenas uma das possibilidades de interação escola-família.

Fonte:

Interação escola-família: subsídios para práticas escolares / organizado por Jane Margareth Castro e Marilza Regattieri. – Brasília : UNESCO, MEC, 2009.

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