Da Ciência Moderna ao Novo Senso Comum

Da Ciência Moderna ao Novo Senso ComumPara compreendermos melhor este item da unidade 2, precisamos primeiramente saber o que é senso comum? Pode-se dizer que

[…]senso comum é um saber que nasce da experiência quotidiana, da vida que o homem leva em sociedade. É um saber informal, simples e superficial, que ocorre de uma forma espontânea, por meio do contato com outras pessoas, com as situações e com os objetos que nos rodeiam (DOCIO et al., 2009, p.11).

Conforme Tardif (2010) um dos projetos intelectuais do século XX foi a criação de uma ciência da educação, ou seja, uma análise científica dos eixos de ensino e aprendizagem. Tal projeto foi assumido pela psicologia que se impôs como fundamento epistemológico para a constituição de uma pedagogia científica.

O autor ainda restringe, nesse aspecto, a interpretação do termo ciência da educação à psicologia e à psicopedagogia enquanto que o termo ciências da educação é reservado ao feixe de saberes modernos, em particular, às ciências sociais e humanas que fornecem o aporte para a análise da educação, bem como as suas diversas disciplinas científicas ou técnicas tais como a avaliação, a didática ou a administração escolar.

Termo do glossário: A Psicopedagogia é a área de conhecimento, atuação e pesquisa que lida com o processo de aprendizagem humana, visando o apoio aos indivíduos e aos grupos envolvidos neste processo, na perspectiva da diversidade e da inclusão. Associação Brasileira de Psicopedagogia (2008)

Tardif (2010, p. 364) destaca que a ciência aparece como a grande solucionadora dos problemas humanos “um remédio universal contra todos os males, a começar pela ignorância, passando pela crítica das crenças tradicionais, superando as opiniões do senso comum para atingir um conhecimento rigoroso, sistemático, universal, concreto e correto”. Isto significa que todas as dimensões do homem passam a ser estudadas sob o enfoque das ciências que pretendem mensurá-lo, particularmente, as ciências humanas.

Este fato é resultado de uma longa história, com elementos despontados entre os três últimos séculos: “o projeto moderno de fundar uma ciência da educação germina lentamente no século XVIII, sob a influência de Rousseau, do racionalismo das Luzes, do empirismo inglês e do progresso da ciência e depois, em meados do século XIX, das ciências da vida” (TARDIF, 2010, p. 360). De acordo com Nogueira:

É importante precisar que no século XVIII os filósofos iluministas propagavam a soberania da razão como paradigma do homem moderno. Mas Rousseau aparece contrastando essa visão de mundo. Ele criticou o racionalismo por causa do processo que dele deriva: a desnaturalização do homem que se torna mais forte tanto com o ideal cientificista quanto pelo positivismo os quais postulam a supremacia da ciência. Apenas a ciência é possuidora da verdade do homem, sem a qual ele não pode alcançar a plenitude do saber. Qualquer outra fonte de saber seja filosófica ou teológica, por exemplo, é terminantemente desconsiderada. (NOGUEIRA, 2012, p. 28)

Saiba mais: O Iluminismo surgiu na França do século XVII e propunha o domínio do pensamento racional sobre o teocentrismo (Deus no centro de todas as explicações) que predominava na Europa desde a época Medieval. De acordo com os filósofos iluministas, esta forma de pensamento tinha o propósito de jogar luzes nas trevas em que se encontrava grande parte da humanidade. Fizeram também uma forte crítica ao absolutismo ao defenderem a liberdade econômica, política e social.

Para Gauthier (s/ano) uma das funções da ciência será a crítica da tradição em geral, pois em nome da ciência se ergue verdades sobre todos os tipos de tradição sejam eles religiosos, morais ou jurídicos. O que não for fundamentado, racionalmente, tende a tornar-se sinônimo de duvidoso e obsoleto.

Saiba mais: para Gauthier, a pedagogia nova expõe a criança no cerne de seus interesses, em vista disso, ela deve “transmitir” a cultura tendo como pressuposto as forças vitais da criança, permitindo assim, o seu pleno desenvolvimento. Isto significa que a prática educativa será pautada em valores subjetivos e não mais em valores objetivos quais sejam o verdadeiro, o belo e o bem. Então, educar não é mais um movimento do exterior para o interior como na pedagogia tradicional, mas do interior para o exterior.

Isto implica que o desenvolvimento das forças imanentes da criança: seus desejos, sentimentos, sua criatividade passa a ser permitidos. Além de ser possuidora de uma energia vital e criadora, a criança tem necessidades e interesses. Nesse caso, para a pedagogia nova é fundamental que tanto o ensino como a aprendizagem girem em torno dessas “realidades”. Isto implica que todo o programa pedagógico seja determinado por essas “categorias” em nível de estrutura e conteúdo.

No que tange à tradição pedagógica, em específico, ocorre um movimento de crítica por parte da pedagogia nova “aos Irmãos das Escolas Cristãs, aos educadores Jesuítas e aos Mestres da Escola Mútua por causa da forma de ensino considerada antiquada” (GAUTHIER, p. 194-195). Nesse caso, segundo ele, ainda no século XIX se ensinava utilizando o mesmo método do século XVII, apesar das adaptações realizadas. Por outro lado, “os partidários da pedagogia nova denunciavam esse saber sedimentado historicamente e transmitido na prática, pela imitação, o que correspondia a um ato de ensinar mecânico” (GAUTHIER, s/ano, p. 186).

Toda crítica à pedagogia tradicional se balizou na ciência moderna e seus procedimentos. Tais modos de proceder perpassam pela verificação das hipóteses levantadas pelo cientista, pela refutação das conjecturas, pela correção dos seus erros e pela corroboração de verdades. A partir do século XVIII, a ciência se consolidou e ganhou relevância no final do século XIX.

Nas palavras de Gauthier (s/ano, p. 187):

Conhecemos a influência que terá a doutrina positivista de Auguste Comte (1798 – 1857). Este afirma que a humanidade passa por um certo número de estágios na sua evolução. Primeiro, um estágio teológico, caracterizado pela explicação sobrenatural dos fenômenos; depois um estágio metafísico, em que as entidades sobrenaturais como Deus são substituídas por conceitos abstratos da mesma natureza; finalmente um estágio positivo, em que os humanos, renunciando as antigas explicações, descobrem pela observação e pelo raciocínio científico as leis que regem o real. A ciência segundo Comte é o estágio mais avançado da evolução da humanidade.

Contudo, vários autores defenderão a cientificidade da pedagogia (GAUTHIER, s/ ano), assim, a superação da pedagogia tradicional somente será efetivada pelo viés da fundamentação científica da nova pedagogia, implicando que ela deverá passar pelos estágios da observação e da experimentação. Assim, pode-se constatar que o século XIX foi marcado por uma literatura impactante na formação do espírito científico contemporâneo.

Dois exemplos são importantes: a biologia e a obra de Darwin, Por sua vez, a obra de Claude Bernard, Introdução ao estudo da medicina experimental publicada em 1865, na qual o autor define as normas de observação para a realização de uma medicina experimental. Em outras palavras, é instituída uma análise científica e natural do homem, tido por animal como todos os outros e não como um ser à parte. Nesse caso, o ente humano é concebido ideologicamente como um fenômeno natural, cujo estudo será da competência das ciências da natureza e dos seus métodos.

Logo, a ciência humana que aplicará os métodos e os procedimentos será a psicologia. De acordo com Tardif:

[…] é o desenvolvimento da psicologia experimental, em fins do século XIX, que fornece à educação a sua primeira base científica. A psicologia experimental se inspira em trabalhos de psicofísica experimental dedicados à percepção, à sensação e ao influxo nervoso, realizados por Weber, Helmholtz, Fechner e Wundt, entre outros. Todos esses trabalhos têm por fim estabelecer uma correlação entre os processos psicológicos e mecanismos físicos, corporais, materiais, neurológicos ou outros. (TARDIF, 2010, p. 360)

Simultaneamente, ao findar-se o século XIX, formou-se a pedagogia experimental, assim denominada devido ao seu paralelismo com a psicologia experimental que tinha por finalidade atingir aspectos objetivos e mensuráveis da experiência educacional (NOGUEIRA, 2012).

Essas experimentações serão realizadas por meio de testes psicológicos de aprendizagem e seus instrumentos. Nas palavras de Plaisance e Vergnaud:

É impossível falar em psicologia da educação sem lembrar os testes, pois eles ocuparam lugar importante no trabalho dos psicólogos profissionais e boa parte dos trabalhos de pesquisa da primeira metade do século XX consistiu em elaborar provas tão confiáveis quanto possível para medir as aptidões das crianças, seus conhecimentos, seu desenvolvimento, seu temperamento. (PLAISANCE; VERGNAUD, 2003, p.63)

Os testes psicológicos, juntamente com seus instrumentos, definem o conjunto de modelos quantitativos que servirão de base para uma descrição e classificação das crianças, conforme Tardif:

Eles fornecerão mais tarde à pedagogia uma base científica e técnica. No espaço de vinte anos, vê-se constituir […] trabalhos de Watson (1913), de Guthrie (1921) e de B.F Skinner (1930), uma ciência da aprendizagem com fundamento experimental, acompanhada de uma técnica de modificação de comportamento, capaz de servir de base para uma pedagogia “científica” aplicável à crianças normais ou com dificuldades de aprendizagem. (TARDIF, 2010, p. 361)

António Nóvoa relata que o momento da pedagogia experimental foi preparado por intermédio de alguns autores como: o pedagogo e psicólogo Alfred Binet (1857- 1911), em Paris, com a invenção do primeiro teste de inteligência; o neurologista e psicólogo do desenvolvimento infantil Édouard Claparède (1873-1940), em Genebra; e o pedagogo experimental Raymond Buyse (1889-1974), em Bruxelas.

No auge da modernidade, após a autonomia das ciências particulares em relação à filosofia, a pedagogia se transformou em ciência da educação. Ela se tornou um “lugar comum” dos cientistas, particularmente, da área de humanas. Mas será de um modo explícito um domínio da psicologia.

FONTE:

Teorias da educação [recurso eletrônico] / Cíntia Moralles Camillo, Liziany Müller Medeiros. – Santa Maria, RS : UFSM, NTE, 2018.

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