Vivemos hoje numa época de “culto ao corpo” em que as pessoas estão desesperadas para moldá-lo o ao seu “bel prazer”. Para isto, muitos frequentam academias, tomam anabolizantes, fazem de tudo para parecerem mais fortes e saudáveis… Pessoas anoréxicas, bulêmicas, tudo com o intuito de se adaptar aos padrões estéticos que regem a moda.
Nossa sociedade é extremamente visual e cada pessoa, muitas vezes na ilusão de ser única, utiliza-se do visual para realizar este intento. Utilizam para isso roupas, acessórios, maquiagens, penteados… Quem nunca se pegou em frente ao espelho, combinando a calça com a camiseta? Ou vendo se o corte de cabelo ficou legal? Mas quando estamos falando de todos estes comportamentos, estamos falando da Body Art (arte corporal)? A Body Art no sentido artístico não se preocupa com a moda. Embora contendo seus elementos, a body art vai além, pois propõe o uso do próprio corpo como suporte artístico.
Para isso, muitas vezes são utilizadas modificações corporais conhecidas como body modification (modificação do corpo), que ocorre quando a preocupação visual vai além de agregar acessórios ao corpo que agora passa a sofrer modificações corporais nas suas mais diversas formas, usando desde produtos químicos até intervenções cirúrgicas. (PIRES, 2003. pg. 18-23) Com esse intuito, a pessoa nem sempre consegue um resultado bem aceito pela sociedade em geral. Algumas pessoas chegam a tamanhas mudanças, que a aparência deixa de ser humana. Podemos dizer então que com a body art o artista se coloca como uma obra viva. Nela, a arte já não se separa do indivíduo, pois ela pode ser o próprio indivíduo.
Desta forma, podemos dizer que dentro da body art temos dois grandes grupos: um que se preocupa em se aproximar ao máximo aos padrões de beleza determinados pela sociedade e para isto valem dietas, musculação e cirurgia plástica e um segundo grupo que compartilha de ideias e ideais em relação às modificações corporais, e para isto utilizam piercing, implante estético, escarificação (ferimentos na pele capazes de deixar marcas) e tatuagem. (PIRES, 2005. pg. 19).
Este pensamento do corpo como suporte artístico não começou a existir agora, sabe-se que nas culturas mais primitivas já havia uma preocupação com a estética, mesmo que com intuito religioso e não propriamente artístico. Para elas, suas vestes, sua pintura corporal ou adereços tinham intenção mágica, e normalmente determinavam a hierarquia na tribo. Hoje, as marcas no corpo são escolhidas de acordo com o gosto estético pessoal, ou dependendo da ligação emocional que o indivíduo tem com a imagem escolhida, mas, assim como nas sociedades primitivas, a marca, independentemente da técnica utilizada, também funciona como um sinal de inclusão (na sociedade ou no grupo desejado). É como se a pessoa, depois de escolher e usar esta marca, se sentisse mais segura, protegida e preparada para as diversas situações da vida. (PIRES, 2003. pg 61)
Piercing
Zeca Baleiro consegue suscitar vários caminhos para pensar por meio do refrão de sua música:
“Tire o seu piercing do caminho, que eu quero passar com a minha dor”
(Piercing, Zeca Baleiro, Vô Imbolá)
Onde será que está este piercing?
Que dor é esta?
Qual é o caminho da dor?
Além dessas, quais outras reflexões ele propõe?
Para quem pensa que é novidade, o uso do piercing (do inglês perfurante, agudo) já ocorre há mais de 5000 anos. Ele começou sendo usado em tribos e clãs primitivos, normalmente como expressão social, distinção de realeza, rito religioso ou cultural. Foi usado nas tribos da América do Sul, África, Indonésia, nas castas religiosas da Índia, pelos Faraós do Egito e também pelos soldados de Roma. Mais tarde, foi utilizado pela aristocracia européia dos séculos XVIII e XIX. Depois, ficou esquecido no início do século XX até a década de 1970, quando ressurge nos circuitos undergroud (subterrâneo ou na gíria, dos grupos do submundo, alheios aos padrões) de Londres. Hoje, o piercing tornou-se moda pelo mundo e pode ser visto nas orelhas, sobrancelhas, línguas, umbigos, etc. dos jovens de todas as classes sociais.
(Revista Tatoo Creator, nº 1, p. 32-33
Locais de aplicação de piercing
Orelha: foi usado pelos marinheiros que acreditavam que utilizando-o teriam uma melhor visão. Para os romanos, significava luxo e riqueza. Já para as tribos sul americanas e africanas tudo dependia do tamanho do buraco conseguido. Quanto maior ele fosse, maior o status social.
Nariz: teve origem no Oriente Médio há aproximadamente 4000 anos. No século XVI, foi usado na Índia pelas castas nobres. Os hippies que viajaram para Índia nos anos de 1960 e 1970 também aderiram. Os punks utilizaram na década de 1980 e até hoje faz parte da moda.
Língua: este foi usado pelos sacerdotes Astecas e Maias, que o consideravam auxiliar na comunicação com os deuses.
Lábios: os Maias e Astecas também utilizavam, e em puro ouro. Na África, era utilizado pelas mulheres da tribo Makolo para atrair os homens. Tribos indígenas da América do Sul (inclusive do Brasil) usavam uma espécie de prato de madeira para alargar o lábio inferior.
Mamilos: em tribos da América Central, era utilizado como marca de transição à masculinidade (da infância para a fase adulta).
Umbigo: os primeiros surgiram no Antigo Egito e eram liberados apenas para o Faraó e famílias nobres. No caso dos Faraós, o piercing era introduzido durante uma cerimônia religiosa.
(Revista Tatoo Creator, nº 1, p. 32-33).
O piercing pode ser utilizado em nome da Arte de diversas formas. Uma delas é por meio de performances de suspensão nas quais se utilizam piercings como apoio. Observe a figura abaixo:
Tatuagem
Essa é outra moda que começou bem antes do que a maioria das pessoas imaginam.
“A origem da palavra “tatoo” vem do capitão inglês James Cook (também descobridor do surf) que, ao desembarcar no Taiti (Polinésia) em 1779, deu de cara com habitantes locais de ambos os sexos que simplesmente não usavam roupas e sim, cobriam seus corpos com desenhos feitos por meio de injeções de tinta preta na pele (…). O som “tatoo” ou tattow como escreveu Cook em seu diário, era o som feito durante a execução da tatuagem, em que utilizavam ossinhos como agulhas e uma espécie de martelinho para a introdução da tinta na pele. Tatu, no idioma Taiti, significa “desenho no corpo”. (Revista Tatoo Creator, nº 1. pg 07
Na verdade, no Antigo Egito já eram feitas tatuagens. Essas foram encontradas em múmias no Vale do Rio Nilo e segundo especialistas, eram feitas em prisioneiros, para que eles não fugissem. No século XVIII, foram vistas por europeus, durante suas navegações pelo Pacífico Sul. Os nativos da Polinésia, Filipinas, Indonésia e Nova Zelânida (Maori) tatuavam-se em rituais religiosos bastante complexos. Os Maori tatuavam inclusive seus rostos e acreditavam que isto os faria lutar com maior ferocidade, bem como atrair as mulheres. Como as tatuagens eram praticadas pelos povos conhecidos na Idade Média como “pagãos”, as pessoas que possuíam então desenhos no corpo foram brutalmente perseguidas pela Inquisição.
Mais tarde, no Japão, as tatuagens foram utilizadas para identificar as pessoas da família Yakuza (máfia japonesa). Os desenhos preferidos eram cerejeiras, peixes, dragões e samurais. Na Índia, é muito usada a tatuagem de henna, que é feita com um tipo de tinta extraída de uma semente chamada “merrandi” a qual sai da pele em alguns dias. Lá, a tatuagem é utilizada pela noiva no dia de seu casamento que tatua em seu corpo as letras do nome do marido. No Brasil, a tatuagem já era praticada pelos indígenas antes da chegada de Pedro Álvares Cabral, em 1500 e continua sendo praticada em algumas tribos até hoje. Entre os índios Tupinambás, por exemplo, os guerreiros recebiam tatuagens como prêmios quando capturavam inimigos. Note que a tatuagem, neste caso, possui uma função hierárquica e não somente estética como nos dias de hoje.
Apesar da tinta da tatuagem de henna ser de origem vegetal e de sair em poucos dias, pode provocar alergia em algumas pessoas, sensíveis aos componentes. Já a tatuagem definitiva é feita colocando-se a tinta de forma subcutânea, o que faz com que ela só saia por meio de cirurgia plástica (o que é bastante caro).
Body Art e a Pele Humana: uma relação que pode “criar o maior caso”
A Body Art, como arte no corpo, utiliza o invólucro que todos temos em comum: a epiderme. Quando pensamos em saúde física, dificilmente nos lembramos de sua importância, mas ela possui um sentido absolutamente vital para nós: o tato. Sem este sentido morreríamos facilmente, pois não conseguiríamos diferenciar, por exemplo, óleo fervendo de água fresca, ou pior, na hora de comer um delicioso chocolate, mastigaríamos e engoliríamos junto a nossa língua, pois não sentiríamos dor. Sem contar, que evita a perda de líquidos do corpo, mantém sua temperatura e, como boa proteção que é, a pele nos livra de boa parte das infecções. Quando decidimos fazer um piercing ou uma tatuagem, estamos optando por ferir a pele, um órgão vital, e desta forma ficamos suscetíveis a várias doenças que muitas vezes podem pôr em risco nossa vida.
Você sabe a diferença entre infecção e inflamação? E entre contaminação e contágio?
Vamos começar falando sobre a inflamação: a inflamação é uma resposta defensiva do corpo a um tecido lesionado. Ela ocorre quando o corpo tenta eliminar os microorganismos, toxinas ou o material estranho ao tecido danificado, evitando assim sua disseminação a outros órgãos e ao mesmo tempo, prepara o local para o reparo do tecido. Ela possui quatro características principais que auxiliam no seu reconhecimento: rubor (vermelhidão), dor, calor e edema (inchaço).
Existem três estágios na resposta inflamatória: a dilatação e o aumento da permeabilidade dos vasos, a migração fagocitária (movimentação de glóbulos brancos para o local) e o reparo. É no estágio do reparo que aparece um elemento que normalmente não nos agradamos quando o vemos no machucado: o pus. O pus é um fluido espesso que contém glóbulos brancos vivos e mortos e detritos de outros tecidos mortos. Sua formação ocorre em praticamente todas as inflamações, exceto as muito brandas, e continua até que a infecção seja reduzida. (TORTORA, 2000, p. 390) E a infecção? Nem sempre os nossos glóbulos brancos são suficientemente eficazes para conter a inflamação, então, ela aumenta e os microorganismos acabam por se depositar numa variedade de tecidos e órgãos, e é aí que ocorre a infecção, que é uma “enfermidade causada pela presença e desenvolvimento no interior do organismo de uma ou mais variedades de agentes vivos patogênicos (bactérias e vírus)”.
(Houaiss, 2001) Existem três tipos de infecção: a persistente, doença auto-imune e inalação de material antigênico. No caso da agressão da derme, ocorrida por meio de piercings e tatuagens, o tipo de infecção mais comum é a persistente, que ocorre por uma resposta fraca dos anticorpos que levam a uma inflamação crônica e consequente deposição do tecido. Ex: hanseníase, malária, febre hemorrágica da dengue, hepatite viral, etc. (ROITT, 2003, p. 357) Já a diferença entre contaminação e contágio é mais fácil de entender. A contaminação ocorre quando há a disseminação de agentes nocivos, ou seja, é a presença num ambiente, de seres patogênicos, que provocam doenças, ou substâncias, em concentração nociva ao ser humano.
(NASS, em < www.cdcc.sc.usp.br> >, acesso em 07/12/2005)
O contágio por sua vez, é a transmissão de uma doença de uma pessoa a outra, seja por contato direto (como no caso da AIDS) ou indireto (como a gripe, por exemplo). (Houaiss, 2001) Então, agora que você leu sobre os perigos, que tal saber sobre os cuidados?
Cuidados com piercings e tatuagens
Se resolver fazer uma tatuagem ou um piercing, procure, em primeiro lugar, ir a uma clínica indicada por alguém como excelente. Observe a higiene, o material deve ser totalmente descartável e esterilizado para evitar infecções. Na hora que estiver fazendo o piercing ou a tatuagem evite se mexer. Doer é normal, portanto, não adianta utilizar remédios ou drogas para evitar a dor. A cicatrização do piercing pode levar de 6 semanas a um ano, dependendo do local escolhido. A joia deve ser de material inoxidável para evitar alergias.
Já a cicatrização da tatuagem é mais rápida e leva em média 15 dias, e nesse período deve ser passada uma pomada cicatrizante três vezes ao dia, que normalmente é indicada pelo tatuador. Tanto no caso do piercing quanto da tatuagem, não esfregue o local, nem tire a casquinha. Para dormir, proteja a tatuagem com plástico filme. Evite roupas que possam apertar o local. Não tome banho de mar, lagoa ou piscina, não vá à sauna, nem pegue sol. Não tome banhos quentes ou demorados. Seque o local com muito cuidado e não use roupas apertadas. Tudo isso pelo período de 20 dias.
REFERÊNCIAS:
Arte / vários autores. – Curitiba: SEED-PR, 2006. – 336 p