O fracasso escolar, as repetidas reprovações e desistências têm atingido um número bastante significativo de crianças no sistema educacional brasileiro. Resolver tal situação requisita das autoridades responsáveis uma atuação no sentido de fazer modificações de grande porte tanto no aparato institucional quanto na formação de professores e professoras. É esperado também que se tomem medidas para tentar reduzir o impacto dessas dificuldades na formação das crianças que estão atualmente na escola, enquanto as mudanças mais amplas e efetivas não acontecem. Cada professor ou professora em sua sala de aula é agente das intervenções necessárias para que se possa oferecer um ensino de melhor qualidade a essas crianças.
A matemática escolar é responsável por uma parcela bastante significativa desse processo fracassado. Isto se deve ao fato de que uma visão tradicional de ensino tem prevalecido em muitas classes, com professores e professoras posicionados como transmissores de conhecimento, e alunos e alunas como meros receptores. Essa visão não leva em conta que trabalhar com a matemática escolar é trabalhar com educação, e que o objeto de trabalho da educação é o ser humano e não a ciência em si e por si. Acrescente-se aí que essa visão de ensino privilegia a ideia de que a matemática é ciência dura, que tem conteúdo fixo e definido, que não abre espaço para a criatividade, para a dúvida ou para a investigação. Em resumo, essa visão do ensino não oferece condições favoráveis para que as crianças aprendam, apreciem e valorizem a matemática.
Com o firme objetivo de tornar possível para as crianças a aprendizagem, o gosto e a valorização da matemática, o trabalho em sala deve apoiar-se em uma perspectiva para o trabalho com a matemática escolar que apresente a matemática como ciência dinâmica, que se faz e se refaz continuamente, enquanto está sendo estudada, enquanto está sendo experimentada. Ela se torna objeto de investigação, passando a ser possível duvidar dela, questionar suas certezas, evidenciar os aspectos que ela não consegue apreender. Essa forma de conceber o trabalho com a matemática escolar será aqui denominada de educação matemática. Não é conhecida uma receita para fazer acontecer esse trabalho nas classes, mas é possível esboçar um elenco de condições que o favoreçam. A ordem em que estão expressas essas condições não representa intenção de valorizar algumas mais do que outras.
1) Para que possa ajudar seu aluno ou sua aluna a percorrer o caminho do conhecimento matemático, de forma intensa e prazerosa, é necessário que o professor ou professora tenha convicção de que estudar matemática, além de necessário, pode ser uma atividade agradável e desafiadora. De outro modo, não será tarefa fácil convencer as crianças da importância de estudar matemática, nem da possibilidade de se constituir em atividade que pode ser prazerosa.
2) É importante pensar na organização dos conteúdos de modo a privilegiar a integração entre eles. Isso quer dizer, por exemplo, lidar com a geometria ancorada na álgebra e, ao mesmo tempo, apoiando-a, permeando essa articulação com os conteúdos referentes às medidas e à aritmética. Um trabalho desarticulado torna-se mecânico e enfadonho, fadado ao insucesso.
3) Um modo privilegiado de fazer o trabalho articulado referido acima é estudar matemática a partir da resolução de problemas. Os problemas devem representar um ponto de partida na busca pelo conhecimento e não um fim, não apenas um recurso para aplicação de métodos e técnicas. É o problema que vai puxar o fio do conteúdo e, a partir do que a criança já sabe, vai possibilitar encontrar caminhos para a construção de novos conhecimentos. Esses novos conhecimentos passam a ser ferramentas para solução de outros problemas e assim por diante. Desse modo, há uma boa chance de os alunos e alunas construírem seus próprios significados para o fazer matemático. A escolha dos problemas a serem utilizados precisa ser cuidadosa: não deve ser algo muito simples, que não represente um desafio, nem tampouco deve ser difícil, a ponto de representar um impedimento. As crianças precisam sentir que, se fizerem um esforço possível, conseguirão chegar a uma solução. O estímulo do professor ou professora é decisivo para que a classe aceite resolver desafios e sinta-se gratificada nesse trabalho.
4) A organização da classe em pequenos grupos possibilita maior interação entre os alunos e alunas. Tal interação é fundamental na medida em que a proximidade física promove a curiosidade pelo trabalho do outro e estimula as discussões a respeito dos diferentes modos de solução dos problemas, possibilitando o treino da argumentação, tão necessária na comunicação das ideias. Esta organização é especialmente recomendada para as salas de apoio. Reunindo as crianças que apresentam dificuldades comuns, é possível planejar atividades diferentes para grupos com necessidades diferentes e dar explicações para cada grupo, reduzindo a quantidade de atendimentos necessários e possibilitando melhorar a observação do trabalho de cada um.
5) A exigência com a formalização do vocabulário e dos procedimentos matemáticos deve ser gradativa. No ensino fundamental, especialmente nas salas de apoio, a ênfase deve ser na organização dos registros escritos e/ou pictóricos dos raciocínios executados, com o objetivo de torná-los claros, para que a própria criança consiga entendê-los e explicá-los. Nas séries finais do ensino fundamental, pode-se investir um tanto nos aspectos mais formais desses registros, deixando ainda uma boa parcela para ser efetivada no ensino médio.
6) O desenvolvimento das atividades deve ser feito com ênfase nos conhecimentos que os alunos e alunas trazem das etapas anteriores de escolarização e também das suas vidas extra-escola, tanto nas classes regulares como e, especialmente, nas salas de apoio à aprendizagem. Se uma criança está sendo encaminhada para esse trabalho, o professor ou professora da sala de apoio deve recebê-la como alguém que está precisando de ajuda, para fazer ou completar aprendizagens que não conseguiu realizar anteriormente. Uma conversa franca com o professor ou professora regente de classe sobre os motivos que o fizeram recomendar a sala de apoio para aquela criança, pode ser de grande valia para definir exatamente a dificuldade apresentada por ela e orientar a escolha das atividades a serem realizadas.
Além dos aspectos pontuados, é importante fazer algumas ponderações a respeito da avaliação da aprendizagem, que costuma ser, com muita frequência, considerada uma tarefa difícil. Entender a avaliação como apenas dar notas ou como instrumento para classificar cada um dos aprendizes é reduzi-la a mero instrumento de punir, de desconfiar, de subtrair a autoestima e a autoconfiança dos alunos e alunas. A avaliação, enquanto processo, precisa exercer o papel que lhe é devido: ser auxiliar privilegiado da aprendizagem. Acreditamos em uma forma de avaliar que possa servir como baliza para o trabalho da professora ou professor. No processo de avaliar, é fundamental:
- Que se levem em conta as diferenças individuais, abandonando o caráter homogeneizante da avaliação seletiva. Isso será uma meta alcançável na medida em que a professora ou professor deixar de pautar-se pela comparação de seus alunos e alunas com um padrão ideal e passar a considerar o processo de aprendizagem de cada um, os avanços e conquistas que faz;
- Que se considerem os erros como indicativos de correção de rotas no trabalho em sala de aula e não como resultado de um processo de aprendizagem fracassado. Desse modo, a importância dada ao erro alcança outro patamar, passando a apontar caminhos a serem trilhados, deixando de ser passível de punição;
- Que se incluam no rol de instrumentos de avaliação a observação das atividades cotidianas, coletivas e individuais, tanto escritas como orais ou de construção, deixando de privilegiar apenas provas e testes.
Nesse sentido, pode-se dizer que a matemática escolar é um instrumento de educação, pois quando os alunos têm a oportunidade de frequentar uma sala de aula em que o professor ou professora os respeita enquanto indivíduos capazes e autônomos, podem experimentar o prazer, a satisfação, o gosto bom de estudar para aprender, para descobrir mais, para conhecer. E isso é algo esperado no processo educativo. Quando a sala de aula de matemática passa a ser um lugar em que alunos e alunas podem desfrutar de muitas experiências de conhecimento, podem saborear desafios, aprendem a ter confiança em si como solucionadores de problemas, aprendem a comunicar suas ideias matemáticas, pode-se dizer que a matemática esteve a serviço da educação, que é o que se espera da matemática escolar.
REFERÊNCIAS:
Orientações pedagógicas, matemática: sala de apoio à aprendizagem / Paraná. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Departamento de Ensino Fundamental. – Curitiba : SEED – Pr., 2005. – 130p.