MARX: Não trabalhamos porque somos humanos, somos humanos porque trabalhamos

Gênesis segundo MARX:

No começo era o macaco. Ele começou a realizar pequenas operações para, com segurança, manter sua vida. O polegar opositor crescera-lhe nas duas mãos. Hábil, por isso, como nenhum outro animal, trabalhava. Certa noite, percebera, pela primeira vez, um misto de desproteção, parecia ser dois: sentia saudade do que tinha sido e vontade de ser outra coisa. Sua mente não estava onde estava seu corpo: começara sua transformação em gente! Gente que pensava, que planejava, que utilizava teorias que interpretava o mundo a seu favor. Pensadores, os mais fortes começaram a acumular trabalho realizado pelos outros, sem pagá-los, criando o capital. Numa terrível noite sem fim, o capital acumulado, adquiriu alma. Descobrira, ainda, que a feitura de macaco em gente era realizada em silêncio pelo trabalho, e, alterou o genoma dele de maneira cruel para poder produzir as pessoas de que precisava. No outro dia, as pessoas não eram mais pessoas. Voltaram a ser macacos. Macacos que trabalhavam felizes com três importantes competências: eram adestráveis, morreu neles a revolta e, já não tinham sonhos.

(Passos: O sonho e o pesadelo – 1992)

Recupero, na historinha acima, alguns conceitos importantes: o polegar opositor que distingue o ser humano; o pensamento gerando desejo e quebrando a experiência do espaço e do tempo fechados; o trabalho como produtor de pessoas; a inversão realizada daquele que pensa, o trabalhador, transformando-se em coisa (reificação) sob o comando do fetichismo do capital que adquire alma.

Karl Marx nascido de família que pertencia à classe média, a mãe, judia holandesa e seu pai excelente advogado em serviço público. Tendo iniciado o direito em Bohn, acabou transferindo-se para Berlim, universidade onde Hegel, recém falecido, fora Reitor. Doutorou-se em Jena, com tese acerca do materialismo de Epicuro e Demócrito, busca dialogar com o idealismo hegeliano. Na verdade, Marx parte da dialética hegeliana, colocando no lugar da Ideia que dava o impulso inicial no pêndulo

MARX: Não trabalhamos porque somos humanos, somos humanos porque trabalhamos

Um brilhante filósofo brasileiro, do qual fui aluno, Tarso Massoti, disse-me, certa ocasião, que Hegel não era idealista, mas, materialista: tinha sido a matéria que acordara a Ideia adormecida. Concordemos ou não, com Tarso, esta foi a leitura que Marx fez sobre Hegel e que forneceu condições de preciosa leitura do mundo humano e político.

Hegel concebe a determinação da ideia sobre a Matéria

Em Hegel, era o Pensamento Universal humano – as concepções filosóficas, de direito, de arte, de religião, de cultura, enfim, que gerava uma sociedade material e histórica, com um tipo de forma de trabalho, um tipo de relação na produção dos bens, um tipo de economia. O pensamento era a instância primeira, criadora e revolucionária de uma sociedade específica.

Marx concebe a determinação da Matéria sobre a ideia.

Em Marx será a matéria, e não as ideias, que transformam e determinam a realidade. Portanto, o trabalho e a produção coletiva, enquanto base social econômica com suas formas organizativas, ou seja, a forma como os homens se organizam e se relacionam para trabalhar sobre o mundo, e prover suas necessidades materiais, em busca da sobrevivência e de sua reprodução seria determinante. É este trabalho que produz as ideias um tipo específico de cultura, pensamento, arte, direito e religião, nesta mesma sociedade, e que acaba por legitimar a desigualdade.

As ideias, de maneira geral, terão também o limite das formas de trabalho e dos meios utilizados na produção. Era a economia (material) a primeira instância determinadora e causadora das ideias, do pensamento e da produção cultural espiritual de uma determinada sociedade. As ideias funcionarão como ideologia, falsas imagens, em contrário, do que se sustenta nas relações sociais, e tornar-se mortíferas aos trabalhadores, legitimando a desigualdade e o poder da classe dominante.

Muitas vezes se tenha a impressão, pelo volume dos debates, que Hegel e Marx dissociados,MARX: Não trabalhamos porque somos humanos, somos humanos porque trabalhamos dizem coisas contrárias. Não dizem, é claro, as mesmas coisas. Hegel faz uma análise interpretativa da sociedade em longo prazo de tempo. Mostra que as ideias, por exemplo, do iluminismo geram num largo tempo um modo de produção capitalista, cujas formas de produção material e tecnológica, segundo Marx, eclodem imediata e contemporaneamente como sistema global, subjugando não-proprietários. Marx sugere, e é inegável, que estas formas contemporâneas de pensamento e cultura são imagem e reflexo dos modos como as pessoas vivem imediatamente as relações sociais possíveis da economia hegemônica, implantada. Hegel e Marx possuem perspectivas temporais diferentes que animam as análises e interpretações dos processos sociais também distintos.

O fato é que…

Quem dá as cartas da educação é a fábrica, e todo o cenário montado por ela pelos Meios de Comunicação de Massa, pelos governos que dançam à sua volta, satélites dos interesses do capital, que hoje é sobretudo transnacional. Nossos planos educacionais são definidos pelas grandes agências internacionais financeiras e comerciais: Organização Mundial do Comércio, a Fundo Monetário Internacional, Comissão Econômica de Planejamento para América Latina (CEPAL), e outros. Se, antes, a esfera política e as guerras determinavam a dominação, os tigres asiáticos mostram que a economia pode ainda muito mais. Dominam internamente países sem precisar uma guerra convencional de ocupação territorial. Parece que a dominação tem vindo pela força da diluição das economias internas destes países.

“Nesta retomada voluntária, nesta passagem do objetivo ao subjetivo, é impossível dizer-se onde acabam as forças da história e onde começam as nossas; e a questão não quer dizer nada a rigor, pois só há história para um sujeito que a vive, e só há sujeito historicamente situado. Não há uma significação única da história; o que fazemos tem sempre vários sentidos, e é nisto que uma significação existencial da história se distingue tanto do materialismo como do espiritualismo. Mas todo fenômeno cultural tem, entre outras, uma significação econômica e, assim como ela não se reduz a isto, a história nunca transcende por princípio à economia.”

(Merleau-Ponty, M. Fenomenologia da percepção. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S.A., 1971, (anotação 18), p. 184.)

De quebra… mangás e Pixar!

As revistas em quadrinhos, Pato Donald, o Mickey e o Pato Donald, sustentaram ideologicamente a força do império do norte. Foram substituídas, muito recentemente, por uma arte singular, por vezes doce, por vezes sádica, os sofisticados mangás. A arte neles respira a atmosfera surrealista, a magia, a bruxaria, os poderes ocultos, as transformações, num regime poético de crueldade e horror. Impõe, inclusive, o lugar e o domínio do olhar na apreciação do mundo: leitura de trás para frente, e de baixo para cima! Cultura da disciplina, competição individualista, submissão hierárquica e destinos fechados, utilizados nos processos de educação de massa pelos grupos dominantes no Japão, tem frequentemente levado à assustadoras cifras de suicídios entre crianças e adolescentes. Similar às películas dos estúdios de Walt Disney,a Pixar tomou o cinema das crianças e adolescentes. Segundo testemunho de um dos maiores autores de cinema no Brasil, a Pixar produziu uma desalfabetização do olhar, não há mais referências possíveis, salvo por exceções, para crianças e adolescentes e adultos compreenderem a arte de uma “Belle de Jour” de Godard. Trata-se de sinergia entre Economia e Cultura – indissociáveis, pendulares e dialéticas, bem compreendido por Gramsci, nesta guerra dos tigres asiáticos por mar, terra e ar e subordinando a dignidade humana à infinita avareza da acumulação capitalista.

MARX: Não trabalhamos porque somos humanos, somos humanos porque trabalhamos

“Não é só o peixe, João que se pega pela boca…”

(Passos: A peso de uma enxada só – 1987)

A alimentação desta luta será qualificada pelas ideologias que darão a direção intelectual e moral para que a sociedade econômica seja transformada por suas relações em sociedade política. Da redução à força de trabalho, a transformação em Estado Político.

REFERÊNCIAS:

Fundamentos de Filosofia: os caminhos do “Pensar” para quem quer transformação / Luiz Augusto Passos. — 1ª ed., 1ª reimp. — Brasília/DF: Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, 2014.