Quando falamos em arte logo nos vem à mente a imagem da Mona Lisa (1503-07) ou da Última Ceia (1495-98), de Leonardo Da Vinci ou a Vênus, deusa da beleza, do Nascimento de Vênus (1485), de Botticelli, ou as obras de outros “Grandes Mestres”. Por quê? Por que apenas esses artistas conhecidos mundialmente são admirados? Por que pouco se fala dos artistas brasileiros e de sua arte e, quando se menciona Arte brasileira, muita gente se pergunta: “Afinal, existe uma Arte Brasileira? ”
Que país é esse?
Quando passeamos pelas ruas de nossa cidade, dificilmente pensamos na origem dos nomes das lojas nos letreiros. Qual é a origem destes nomes? E as marcas de roupas e tênis que usamos? São nacionais ou internacionais? Por que preferimos usar as marcas importadas? Por que preferimos “aquele” tênis famoso e original, vindo de outro país, quando aqueles fabricados no Brasil têm a mesma qualidade? Essa preferência por coisas estrangeiras se reflete também na forma como os jovens se cumprimentam. Quais expressões os jovens usam no dia-a-dia? Converse com seus amigos, preste atenção ao nome deles ou mesmo ao seu. Provavelmente você encontrará muitos nomes estrangeiros, difíceis de falar e mais complicados ainda de escrever. Mas, por quê acontece isso?
Independência ou Morte: o grito Ipiranga
Todos nós já ouvimos a expressão: “Independência ou morte! ” e vimos nos livros de História a obra de Pedro Américo que registra o “Sete de Setembro de 1822”, data em que se comemora o Dia Nacional da Independência do Brasil, do jugo de Portugal.
Observe essa obra.
Esse quadro retrata realmente o que aconteceu? D. Pedro I está no centro, empunhando uma espada direcionada para o alto em um gesto heroico e, provavelmente, gritando a célebre frase: “Independência ou Morte! ”. Na sua opinião, um grito pode proclamar a independência de um país ou essa independência depende de outros fatores? E quais fatores seriam esses? A autonomia de um país se constrói constantemente, e é necessário que as pessoas se sintam livres para criar sua própria cultura. Não se domina um país apenas pela invasão do seu território, porém, principalmente, pela incorporação de repertórios culturais e sociais estrangeiros e a secundarização da cultura nacional. O quadro Independência ou Morte, nesse caso, é exemplar, pois é uma pintura no estilo Neoclássico importado pela Missão Artística Francesa, que chegou no Brasil em 1816.
A Missão Artística Francesa
Mas, afinal, o que é uma missão? Qual a diferença entre “missão impossível”, “missão de paz”, “missão de vida”? Entre outras coisas foi responsável pela organização da Academia Imperial de Belas Artes, em 1816, no Rio de Janeiro, onde se ensinava uma arte com referenciais europeus, traduzidos em um estilo denominado de Neoclássico. Mas, o que é Neoclássico? Como o próprio nome já diz: “neo” é novo e “clássico” se refere às obras da Antiguidade Clássica e às obras renascentistas que passam a ser tomadas como modelo pelos artistas da Missão Francesa e da Academia Imperial de Belas Artes. Os artistas neoclássicos seguiam rígidos princípios no desenho, no uso das cores e na escolha dos temas que, em geral, eram históricos, mitológicos e religiosos. Jean-Baptiste Debret é um dos artistas mais importantes da Missão Artística Francesa. Observe uma de suas obras:
Debret, em várias de suas aquarelas, registra a presença maciça do negro realizando diferentes atividades na cidade do Rio de Janeiro. As cores na obra Negra tatuada vendendo caju são mais intensas no tema central, enquanto que no restante da obra, utiliza cores mais suaves, diluídas ou esmaecidas. Sua aquarela tem um horizonte e montanhas em suaves azuis e amarelos. Porém, a negra que está vendendo cajus, é representada com cores mais fortes e intensas.
A Arte Brasileira em busca de independência
Observe, novamente, a obra Independência ou Morte.
A interpretação de Pedro Américo deixa evidente a forte influência da cultura europeia, que o Brasil assimilou e imitou e que é firmado pela Academia Imperial de Belas Artes. Os artistas da Academia Imperial de belas Artes também foram influenciados pelo Romantismo, que é um movimento artístico que valorizava a individualidade ou o que resulta da experiência de cada um, seus sentimentos. Os românticos, opondo-se ao Neoclassicismo, abriram as portas para a valorização dos mitos, por exemplo, do bom selvagem, das tradições nacionais. O Romantismo tem como marco histórico o ano de 1836, quando foi publicada a obra Suspiros Poéticos e Saudades, de Domingos José Gonçalves de Magalhães.
Por uma Vanguarda Nacional
O que é uma vanguarda?
Essa palavra, talvez, faça-nos lembrar outras como: retaguarda, flanco guarda. Esses termos têm conotação militar e estão relacionados a estratégias de defesa. Você sabe o que significam? Entre os movimentos de vanguarda europeia que influenciaram a vanguarda brasileira podemos destacar o Futurismo, o Cubismo, o Dadaísmo e o Surrealismo. Tínhamos recém saído de uma Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) e estávamos sob a ameaça de uma Segunda Guerra. Esse período histórico levou a humanidade a viver cada dia como se fosse o último. São considerados “anos loucos”. Alguns artistas brasileiros, apesar de buscarem o rompimento com um modelo vindo da Europa, aceitaram a linguagem dos vanguardistas europeus para sintonizar o país com o resto do mundo, buscando ao mesmo tempo uma arte que fosse nova e que tivesse a marca brasileira.
Independência e Arte – O grito da Semana de 1922
O Modernismo no Brasil teve início com a Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, aberta dia 11 de fevereiro de 1922. Mas, por que o ano de 1922? É o ano do centenário da Independência do Brasil, cem anos se passaram do “Grito do Ipiranga”, portanto, já era tempo de questionarmos se o país estava mesmo livre e se toda a população participava de uma sociedade realmente democrática. Da Semana de Arte Moderna de 1922, uma iniciativa dos artistas e intelectuais participantes, nasceu a consciência de uma arte Nacional. Os participantes da Semana foram:
Na Pintura: Anita Malfati, Ferrignac, J. F. de Almeida Prado, Jhon Graz, Martins Ribeiro, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita.
Na Música: Guiomar Novais, Heitor Villa-Lobos.
Na Escultura: Victor Brecheret, W. Haarberg.
Na Arquitetura: Antônio Moya, Georg Przyembel.
Na Literatura: Menotti Del Picchia, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manoel Bandeira e Cassiano Ricardo.
A Boba é uma das obras dessa famosa exposição. Observe:
Por que essa obra, juntamente com outras da mesma exposição, despertou tão grande fúria na sociedade paulista da época? As manifestações artísticas da Semana de 22 aconteceram em meio a vaias e críticas de jornais que se mostraram contra o evento, foram chamados de loucos e construtores de uma Arte sem equilíbrio. Na sua opinião, qual foi a intenção desses artistas? A partir dessa Semana, de verdadeiras afrontas ao estilo de Arte respeitado na época, surgem vários grupos a favor dessa Arte nova que se firmam por meio de alguns manifestos.
Manifesto Arte
Na sua opinião, qual foi a intenção desses artistas?
Os manifestos foram importantes para firmar a Arte Moderna no Brasil, pois serviram como veículo de divulgação das novas ideias expostas na Semana de 1922. Entre estes manifestos podemos destacar o Manifesto Pau-Brasil, escrito por Oswald de Andrade, em 1924; o Movimento Verde – Amarelismo escrito por Cassiano, Menotti Del Picchia, Cândido Motta Filho e Plínio Salgado, em 1926 e o Manifesto de Antropofagia também escrito por Oswald de Andrade, em 1928. Os manifestos deixavam uma pergunta no ar: Que país é esse? O Brasil é brasileiro? A nossa Arte é, de fato, nacional?
Conheça fragmentos do Manifesto Pau-Brasil:
O Movimento Antropofágico
O que é antropofagia? E do Movimento Antropofágico, você já ouviu falar? Este Movimento é iniciado em 1928 com o Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade, no qual ironicamente ele se refere a um episódio da história do Brasil: o naufrágio do navio em que viajava o bispo português Sardinha que, após a sua morte, foi devorado por índios antropófagos. O movimento, nessa perspectiva, instaura a “deglutição” de ideais e conceitos pré-formados pelos europeus, aproveitando-se do que há de bom e descartando o que não é de interesse nacional. Aceitavam uma Arte Europeia, desde que fosse devorada, digerida e transformada em produto nacional.
Leia alguns fragmentos do Manifesto Antropofágico:
Observe a obra O Abaporu – palavra que significa em tupi, “aquele que come” – de Tarsila do Amaral que inspirou o Movimento Antropofágico.
O que mais chama a atenção nessa obra? Por que parece tão estranha uma figura com a cabeça tão pequena em relação ao tamanho do corpo e dos pés? Essa artista rompe com a representação da figura humana de acordo com o cânone clássico? Por que na opinião de Oswald de Andrade “só a antropofagia nos une”? Quais as consequências do conselho de D. João VI, contido nos trechos do Manifesto Antropofágico, a seu filho D. Pedro para o Brasil?
Observe a obra de Gustavo Rosa, uma releitura do Abaporu, de Tarsila do Amaral.
O artista
Gustavo Rosa nasceu em 1946 em São Paulo. Dono de uma pintura lúdica, irônica e ao mesmo tempo lúcida, Rosa é uma das figuras mais conhecidas das artes visuais brasileira. Artista gráfico, gravador e desenhista conquista pela simplicidade dos traços e pela originalidade.
O artista Gustavo Rosa nasceu em 1946 em São Paulo. Dono de uma pintura lúdica, irônica e ao mesmo tempo lúcida, Rosa é uma das figuras mais conhecidas das artes visuais brasileira. Artista gráfico, gravador e desenhista conquista pela simplicidade dos traços e pela originalidade.
Observe novamente a obra Abaporu, de Tarsila do Amaral. Essa obra teve um significado importante na constituição da Arte Moderna Brasileira. Aquele que come, digere, transforma as influências do modelo de arte Moderna Europeia e descarta o que não interessava. Descreva as figuras e o fundo das duas obras. Destaque semelhanças e diferenças. Quais elementos foram extraídos e quais foram acrescentados? Quais as cores predominantes no Abaporu e no Abadogu? Essas cores indicam o lugar onde estão essas figuras? O Abadogu é representado de acordo com padrão de beleza vigente? Quais as diferenças entre a representação da figura humana no Abaporu e no Abadogu? Na sua opinião, qual o propósito dessa releitura de Gustavo Rosa? Abaporu significa em tupi “aquele que come”. O que os artistas na década de 1920 precisaram digerir? O que precisa ser transformado e digerido em nossa arte e em nossa cultura tendo em vista os aspectos abordados em relação à busca de nossa identidade cultural?
O Brasil é brasileiro?
Como é constituído o povo brasileiro? Indígenas? Afros-descendentes? Europeus? Orientais? O grande número de imigrantes que o Brasil recebeu foi um dos fatores que acarretou toda essa diversidade cultural existente no país hoje. A imigração para o Brasil foi significativa durante o período de pós-guerra em razão do crescimento da economia do café e do desenvolvimento da indústria brasileira que sustentavam o país. Muitos imigrantes europeus foram atraídos, uns em busca de riquezas, outros fugindo dos horrores da Primeira Guerra Mundial. Tanto as áreas rurais, quanto a urbana prometiam grandes possibilidades, principalmente, a cidade de São Paulo que recebeu toda essa diversidade étnica que resultou em uma riqueza cultural que se expressa por intermédio das artes.
Observe a obra Operários, de Tarsila do Amaral.
Você sabia que existe um museu na cidade de São Paulo chamado Museu da Imigração? Pois ele existe desde 1993 e tem um compromisso com as novas gerações guardando em si contribuições históricas e culturais para os que queiram, possam conhecer suas origens. O Memorial do Imigrante possui registros de hospedagem, Listas de Bordo dos navios que traziam os imigrantes, documentos pessoais, fotografias, livros e revistas que retratam a vinda dos imigrantes para o Brasil. Existem várias salas de exposição: a São Paulo antiga, a Sala da Navegação, Ambientes da Hospedaria. A exposição “Com o suor de seu rosto” que mostra o trabalho imigrante na cidade e a exposição “Ouro Negro” que conta a história do café.
Um país rico em estilos
Você já deve ter ouvido a expressão: “Esse cara tem estilo! ” E você, tem um estilo? Como você descreveria o seu jeito de ser? Estilo pessoal é a mesma coisa que estilo em arte?
Na arte, um estilo pode marcar uma época como, por exemplo, o Neoclássico e o Romântico no Brasil do século XIX. Pode ainda corresponder à forma singular de um artista compor com as linhas, os traços, as cores, para representar artisticamente. O estilo é uma marca pessoal. Na sua visão o “grito de independência artística da Semana de 1922” foi o primeiro passo na tentativa dos modernistas de criar um estilo? Criar uma arte com conteúdo e forma nacional?
A busca por uma forma e um conteúdo nacional
A Semana de Arte Moderna do Brasil deu origem a uma verdadeira explosão de estilos e de artistas vinculados a essa nova ideia de arte. Uma arte que retratasse as cores, a cultura, os temas e a vida do país. Dentre muitos, destacamos dois artistas que retrataram a alma do povo brasileiro, cada um em seu estilo: Cândido Portinari e Alfredo Volpi.
Portinari, voltado aos problemas sociais do país, pintou quadros sobre a fome, a seca, a pobreza, o trabalho e as injustiças. Observe sua obra Os Retirantes:
Seu estilo inconfundível traz em si uma pintura inspirada no cubismo de Picasso, mas extremamente brasileira, com temas e motivos que retratam nossa realidade, como por exemplo, o quadro Os Retirantes no qual retrata a seca do Nordeste do país. “O pintor social acredita ser o arauto do povo, o mensageiro de seus sentimentos. É aquele que deseja a paz, a justiça e a liberdade. É aquele que acredita que os homens podem participar dos prazeres do universo. ” (Cândido Portinari)
Portinari aprendeu a pintar em Academias de Arte, primeiro no Rio de Janeiro e depois na Europa. Ainda na Europa, decidiu pintar a sua terra e a sua gente, firmando em sua obra o que disse Tolstoi:
“Para ser universal, comece por falar de sua própria aldeia”.
Alfredo Volpi foi outro artista que retratou em sua obra o imaginário popular, a simplicidade do povo brasileiro, suas festas e suas crenças. Observe uma das suas obras:
O Artista
Alfredo Volpi nasceu em Luca, Itália em 1896 e morreu em 1988. Filho de imigrantes chegou ao Brasil por volta dos dois anos de idade e adotou o novo país como sua pátria. Começou sua vida nas artes como pintor de frisos, florões e painéis usados como pintura decorativa nas paredes das casas. Passou a pintar quadros, que construía artesanalmente, montava o quadro de madeira, esticava o tecido e produzia a própria tinta. Sua pintura passou da representação figurativa até a mais pura abstração.
De todos os artistas mencionados até agora, Volpi foi o único que não estudou em academia, aprendeu a pintar sozinho, um autodidata que desenvolveu um estilo próprio. Produzia sua própria tinta e suas telas. Foi o pintor que melhor retratou a simplicidade e as singularidades do povo brasileiro, a fachada das casas e as bandeirinhas que permanecem no imaginário popular. Na sua opinião, tanto Portinari na obra Os Retirantes, quanto Volpi na obra Bandeira com Rosa e Verde retratam o Brasil? Qual a diferença entre um artista que estudou em uma Academia e um pintor autodidata? Em sua cidade, existem pintores autodidatas?
Uma Arte (inter) nacional
Poucas pessoas sabem da importância de Anita Malfati, Tarsila do Amaral, Volpi ou de Portinari. Exemplo disso é o roubo, encomendado por estrangeiros, de algumas obras de Portinari. Os ladrões brasileiros, desconhecendo o valor das obras e do artista, deixaram-nas em um canto qualquer, sem nenhum cuidado. Aliás, a mulher de um dos ladrões disse que chegou a colocar uma das obras na parede, mas, depois retirou, pois, na sua opinião, era “muito feia” e não “combinava” com o sofá. Mas, depois das reflexões estabelecidas, na sua opinião, o papel da arte é combinar com o sofá? Por que os estrangeiros reconhecem o valor da Arte Brasileira enquanto nós nem ao menos conhecemos os artistas que, por meio de sua arte, se tornaram universais? Após essa incursão na Semana de Arte Moderna de 1922 e dos frutos que geraram, podemos dizer que existe uma Arte Brasileira? Por quê?
REFERÊNCIAS:
Arte / vários autores. – Curitiba: SEED-PR, 2006. – 336 p
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